No calor da hora

 

Apenas como duro exercício de paciência, senti-me no dever de assistir a alguns dos maçantes programas da chamada propaganda eleitoral gratuita. Disso é  possível fazer um resumo nada alentador:

 

1. Poucos candidatos têm o que dizer, quando pretendentes a um cargo legislativo. Apresentam banalidades, ideias gerais, fazem promessas sobre assuntos que não estão ao alcance deles, além de soluções completamente fora da sua alçada de eventuais  legisladores. Grande parte dos pretendentes está ligada a grupos religiosos, a associações esportivas, a entidades sindicais e dão a nítida impressão de que nada sabem sobre Constituição, poderes, partidos,  atribuições. Com as exceções que apenas confirmam, o nível de politização deles  faria um argentino ou um chileno corar de vergonha. Como dizia uma expressão antiga, muitos desses candidatos, a respeito dos graves problemas locais, regionais e nacionais, estão mais por fora do que arco de barril.

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2. Os veteranos têm mais prática da vida e valorizam quanto podem as mínimas coisas que tenham feito no exercício legislativo. Fica, na grande maioria, a certeza de que eles não mereceriam uma reeleição.

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3. O que existe de gente desconhecida disputando cargo de relevância, como o de senador, governador e presidente – é um espanto. Como cada estado vai renovar apenas uma das três cadeiras que ocupa no Senado, tem-se o direito de imaginar que seja pequeno o número de postulantes. Engano ledo e cego. Por São Paulo, por exemplo, há uma boa dúzia deles, a grande maioria com chance mínima de obter um número de votos que sequer daria para eleger vereadores de cidades de algum porte. Num eleitorado próximo dos vinte milhões, o vencedor terá uns oito milhões de eleitores, número quase alcançado também pelo segundo colocado, que, todavia,  ficará fora da casa legislativa federal. Tudo leva a crer que a disputa se dará entre Serra e Suplicy, dois veteranos na política, cada qual com méritos próprios.

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4.  A menos disputada das eleições em São Paulo  será a de governador.  Se não ocorrer algo muito incomum, como não chover até o dia da eleição,  Alckmin deverá  vencer no primeiro turno, com quase cinquenta por cento dos votos. Skaff, que parecia páreo duro, dificilmente chegará aos trinta por cento. Decepcionante  está por enquanto configurada a atuação do petista Padilha, ao que tudo indica um poste que não terá  acendido a esperável  luz.

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5. Confirmado o fiasco da atuação de Aécio Neves, neto de Tancredo (e não sobrinho, como eu escrevi semanas atrás, sendo corrigido por uma boa meia dúzia de atentos leitores), a briga pela presidência da República  vai para o segundo turno, com resultado de nenhuma previsibilidade. Na verdade, Dilma tem a seu favor as obras que pode apresentar, o apoio significativo de Lula, a máquina governamental e a militância atuante do PT, partido que tomou muito gosto pelo poder. Sua derrota seria uma revolução na vida do País. E diga-se com todo o receio possível: revolução de consequências imprevisíveis, por uma série de fatores para lá de preocupantes:

 - a falta de coerência nas intenções de Marina, que ao sabor das conveniências tem emitido opiniões conflitantes sobre graves problemas ideológicos, éticos, religiosos, governamentais, programáticos, de colocação do Brasil na América Latina e no mundo todo;

 -eleger-se uma  presidente sem base parlamentar sólida, como fatalmente ocorreria com Marina Silva, dada a fragilidade do Partido Socialista Brasileiro e seus aliados nanicos. Isso criaria para a enigmática opositora de Dilma uma situação de dramaticidade pela qual já passaram dois presidentes  de feição populista – Jânio Quadros e Fernando Collor. Nenhum dos dois alcançou aquele mínimo desejável de estabilidade governativa e acabaram não cumprindo seus mandatos, um por renúncia e outro por defenestração muito bem preparada por fortes correntes políticas derrotadas na  disputa presidencial, mas donas do Congresso Nacional;

 - é o que se teme venha  acontecer agora: Marina eleita pela vontade popular, mas amarrada na ação governamental  pela falta de apoio legislativo. Ela fala em convocar os melhores do País,  formar um governo de ampla coalizão nacional, sem dúvida um belo e irrealizável sonho de  uma noite de verão;

 - o  remédio com que se acena para ela  é dos muito amargos e muito caros: conseguir o apoio do PMDB, o maior partido nacional,  cujo símbolo bem poderia ser uma rolha de cortiça, capaz  que é de se manter na tona em toda e qualquer tempestade. O próprio presidente do partido e vice na chapa de Dilma, Michel Temer, foi claríssimo há poucos dias:  na sua experimentada opinião, ninguém consegue governar o Brasil sem o apoio do PMDB. Dilma e o PT que o digam.

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Pobre Marina e suas utopias, que o PT pretende “dessacralizar” no auge da propaganda  eleitoral de primeiro e segundo turno. Para isso, todos os petistas dirão o que o marqueteiro do partido determinar, verdadeiro ou não, ofensivo ou não.

 Em suma: se correr o bicho pega; se ficar o bicho come.

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Nem por isso deixarei de votar, apesar da desobriga que me atinge  por excesso de idade. Para deputado estadual e deputado federal, meu critério é o de dar uma forcinha a gente da terra, gente que para mim tem cara,  olhar, voz, compromisso, obrigação de resposta. Para senador escolherei o que me parece o mais capaz, o mais realizador. Para presidente não votarei para ganhar, mas para marcar o meu cada vez mais utópico desejo de ver o Brasil melhorar.

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Já no segundo turno...

 

20/09/2014
emelauria@uol.com.br

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