ARTIGOS DE LUXO
Nestes duros tempos de japonês na Polícia Federal, mansões de suspeitos
poderosos têm sido invadidas com
a mesma
sem-cerimônia com
que se invade
casa
de pobre, prendendo e
arrebentando.
E você fica com uma enorme comichão de
filosofar. Pensa nas tremendas injustiças sociais,
pensa nos
contrastes
em que
o Brasil se vai especializando. Pois olhe, nem adianta filosofar muito, porque toda a matéria
a respeito do
amor
à ostentação e ao
luxo
já está posta
no papel, com
a competência de
quem
se debruçou longamente sobre o tema.
Alguns poderosos gostam de ajudar o
próximo
através de obras
sociais, outros
sentem prazer na
fruição
de bens culturais;
este
dedica a vida à
música,
aquele à pintura;
um se mete em
arriscadas aventuras na África, outro não sossega o facho
enquanto não
dá a volta ao
mundo
numa frágil embarcaçãozinha. É do espírito humano,
como o é sonhar
com um
par de sapatos
de trinta e cinco
mil
reais, com uma joia no
valor
de apartamento de
alta
sofisticação.
Pois saiba que isso tudo está
esmiuçado em O luxo eterno,
de Gilles Lipovetsky, livro
de duzentas páginas
que
a Companhia das
Letras
lançou no Brasil, reavivando um tema que
não
está nas cogitações das pessoas comuns, ou quase. O autor não
se preocupa com casos isolados de
amor ao luxo presentes no mundo todo, mas estuda o individualismo
contemporâneo e, dentro
dele, uma de suas
mais
altas expressões
– a moda.
Você fica sabendo de coisas
interessantíssimas, como a
avassaladora presença
dos japoneses no consumo mundial
do luxo. Caem por terra noções preconcebidas como:
japonês
é simples, modesto, desapegado. Um se parece demais
com o outro...
Tudo conversa:
eles são
responsáveis por
um terço
desse riquíssimo veio do comércio. Razões
para isso? A primeira é que têm muito dinheiro para
gastar. A segunda é
que eles sentem particular
prazer de aparecer, de se
ostentar na imensa
vitrine social
do mundo
todo.
Além do mais,
têm vocação
para
o cultivo do
belo...
Fica-se sabendo também que enquanto há os relativamente
poucos que
gastam como
nababos em
todos os dias
da vida,
um
de cada dois europeus comete de quando
em quando
sua extravaganciazinha, comprando um perfume do tipo Chanel n.° 5, uma
roupa de grife
consagrada, um
relógio
de ouro e pedras
cravejadas que
não
marca melhor
as horas do
que
aquele
inteiramente
de plástico,
mas
de batimentos controlados
pelo
quartzo, que
você compra
numa esquina
qualquer, sabendo que
se ele
falhar, não
terá conserto.
Incomuns as conclusões
de Lipovetsky sobre o luxo. Ele acha que cultuar o muito bom, o quase único é forma de
humanização. Isso
mesmo:
gostar do luxo
é provar que
o homem
não
se satisfaz com
suas
necessidades biológicas, mas tem aspirações bem mais
complexas que
agora
se globalizaram e se democratizaram, porque
até os pobres
estão sendo capazes de duros sacrifícios
para, lá uma vez na vida e outra na morte, bancarem os
ricos. E diz mais. Na
sociedade
contemporânea,
cada
vez mais
há quem
veste
Chanel, Armani ou
Prada
– sem o mínimo
sentimento de
culpa.
Mas ele não fica só na rama do assunto.
Vai fundo, de Epicuro a Platão,
de Santo
Agostinho a Rousseau, de Lutero a Calvino e analisa o
trabalho que
tiveram para o
estabelecimento
de fundamental distinção entre o luxo privado e o
luxo público.
Obras suntuosas,
desde
catedrais até
o metrô de Moscou, seriam justificados casos
de luxo
público, colocado à disposição
de todos.
Quanto ao luxo
privado, em
todos os tempos
se procurou balizar a
questão: a partir de
que
preço algo
deve ser considerado de
luxo? E isso varia muito.
Lipovetski chama a
atenção para aspectos cada vez requintados que
só bastante dinheiro
pode comprar. Ao
invés
de se contentarem com essas
ostentaçõezinhas de joias, relógios, roupas, objetos
de arte, os riquíssimos de
hoje
e do futuro estarão preocupados
em reservar passagens para hipotéticas viagens
à Lua ou
a Marte ou, desde logo,
pagando fortunas
pelo
direito de integrar
programas
espaciais
para ficarem girando numa
estação
orbital e, dela, olhar de
ângulos privilegiados o nosso planeta Terra, lindamente azul.
Essa tendência ao luxo
seria inevitável.
Por
várias vezes
os homens influentes do mundo propuseram a volta
ao simples, ao
básico. Lipovetsky acha tudo isso impossível, alegando que
as utopias do
Humanismo
desapareceram, assim como a igualdade
pregada pelo
Socialismo.
Nosso tempo
é simultaneamente dominado pela competição do mercado
e pela
busca
da felicidade,
com
estímulo ao
consumo
e constante
evolução
de tecnologias.
Por
esse ângulo,
a simplicidade de
vida
seria algo complicado e ... caro.
Assim, pois, você
que fez comprinhas numa loja careira,
não
precisa ficar
se martirizando. Você
apenas
reflete as aspirações das pessoas modernas!
E quanto aos pobres,
não esquente a cuca. O
próprio
Cristo reconheceu: “Pobres
sempre os haverá”...
20/02/2016
emelauria@uol.com.br
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