Euclidiano machadiano

 

É sempre assim: procura-se uma coisa e encontra-se outra. Essa realidade mais que repetitiva mereceu até inclusão entre as chamadas leis de Murphy, que relacionam  fatos contra os quais nem adianta lutar.

Um dia destes, empenhei-me numa busca até agora inútil de  localizar entre papéis velhos um texto por assim dizer poético que elaborei em comemoração à chegada do homem à Lua, em julho de  1969. Queria, e ainda quero,  publicar a página inédita este mês, comemorativo dos quarenta anos daquela formidável aventura que o mundo todo acompanhou  na transmissão direta da televisão.

Ao invés de achar “A ida de ver”, caíram-me às mãos dois documentos que já nem sabia existirem na minha biblioteca: o livrete com o relatório dos gastos e das doações referentes à construção do prédio do Gymnasio do Estado, de que nada falarei, por enquanto, e o número 4 da revista O Euclidiano, órgão do Grêmio João Ribeiro, do Colégio Estadual e Escola Normal Euclides da Cunha.

 

É de novembro de 1958 e nas suas  78 páginas (incluídas a capa e contracapa) encontro nomes de pessoas, estudos e notícias que me fazem sentir justa saudade de um tempo que deu excelentes frutos no que se chamava 2.º Ciclo do Ensino Secundário, cronologicamente o Ensino Médio de hoje.

É de se admirar a seriedade com que tudo foi feito, o rigor redacional, a competência da direção e qualidade dos trabalhos dos alunos.

Reconheça-se que muito provavelmente O Euclidiano só atingiu esse altíssimo nível naquele número, que contou com a forte intervenção do Prof. Hersílio Ângelo, mestre de Português e conhecedor da arte  tipográfica, que aprendera num estabelecimento do ramo, antes de ingressar no magistério. Manteve por toda a vida obediência às regras daquele mister, dando muito trabalho a compositores, linotipistas e revisores. Que o diga o sobrevivente pessoal da Gazeta do Rio Pardo, por anos e anos às voltas com os rigores do acatado mestre ...

Fica na própria capa revelado que se tratava de “numero especial de homenagem a Machado de Assis”, cujo cinquentenário de morte se comemorava .

Na página 1 está o expediente da revista:

Direção de Hersílio Ângelo
Assistência de Odette Junqueira Ângelo e Celina Junqueira
Redator: Luís Benedito Ferreira de Andrade
Secretário: Manoel Roberto Fernandes da Silva

Conselho Consultivo:
Octacílio Fonseca Miranda, diretor da escola; José Ribeiro de Paiva, professor de Física; Alceôneo Spiagudry de Aguiar Rehder, professor de Educação; Antônio Pereira Dias, prefeito municipal; João Gabriel Ribeiro, presidente da Câmara Municipal; Hélio Henrique Pereira Navarro, presidente do Grêmio João Ribeiro; Cyro Moreira Ribeiro, Célia Mariana Cardeal Franchi, Marleine de Paula Marcondes, Magda Maria Blandino e Paulo Boulos, alunos. (Tudo rigorosamente na chamada Ortografia de 1945, a adoptada pelo professor, que mandava escrever direcção, redactor...)

O texto principal da revista  estampou a conferência proferida de improviso pelo Prof. Gladstone Chaves de Melo, abalizado gramático do Rio de Janeiro – “Machado de Assis, defensor do homem”.. A Rádio Difusora São José do Rio Pardo gravara suas palavras, ditas no auditório do antigo Fascio Italiano, hoje Centro Cultural Ítalo-Brasileiro, e alguém tivera a paciência de passá-las para o papel.

Mas os alunos também compareceram no Euclidiano com trabalhos de muita clareza, originalidade e até profundidade surpreendente. Cito-lhes os nomes, conforme constam do Sumário da página final: Célia M.C. Franchi, Manoel Roberto F. da Silva, Paulo Boulos, José Proite Filho, Célia Maria Rodrigues, Maria Celina Ribeiro de Paiva, Ronaldo Spagnuolo, Maria Aparecida F. de Andrade, Luís Benedito F. de Andrade, Marleine de Paula Marcondes, Helena Camilo, Antenor A. Gonçalves.

Bela geração! Grandes nomes em tantos aspectos da atividade profissional!

Alguns prematuramente tolhidos pela morte: Manoel Roberto, grande professor de Português, euclidiano de primeira plana; Hélio Navarro, inteligência fulgurante, deputado federal aos vinte e poucos anos; Cyro Moreira Ribeiro, gentil pessoa, correto advogado.

De uns poucos, nada sei, nem se vivos estão. Sei, isto sim, da carreira vitoriosa de Celinha Franchi, mestra da língua, latinista e helenista, conhecedora profunda da obra euclidiana,  amiga da vida toda de Marleine Marcondes, doutora em Literatura da USP, ambas conferencistas oficiais de semanas euclidianas e figuras indispensáveis no Ciclo de Estudos Euclidianos.

E Paulo Boulos, doutor em Matemática, professor da USP, autor de livros, que manteve inalterável sua modéstia e  respeitosa admiração a seus velhos mestres do “Euclides da Cunha”.

E Célia Maria Rodrigues, de brilhante carreira no INSS. E Ronaldo Spagnuolo, locutor de privilegiada voz, por tantos anos na Rádio Eldorado de  São Paulo.

José Proite Filho consagrou-se  como urologista. Luís Benedito atingiu as culminâncias da magistratura.

Antenor A. Gonçalves, doutor em Letras, professor da UNESP, poeta dos bons. Guardo preciosa oferta que me fez há muito tempo, com as primícias de sua inspiração. Datilografou com esmero muitos de seus poemas, deu ao conjunto a forma de livro, encadernou-o e lhe  pôs um belo título: Sentimento Comigo...

 

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Hersílio Ângelo não perderia a oportunidade de preencher os espaços disponíveis na revista com uns calhaus, em tipografia pequenos textos aproveitados para o preenchimento de claros na  paginação. Naturalmente calhaus de ótima qualidade,  todos de obras machadianas:

 “A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os prêmios são  poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é que se amassam as esperanças de outra.”

(Papéis Avulsos)

“Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis.” (Brás Cubas)

“Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um terceiro andar.” (Brás Cubas)

“Usavam-se maridos; ela queria usar também o seu. (Histórias sem Data)

“O mistério é o encanto da vida.” (Histórias sem Data)

“Suporta-se com paciência a cólica do próximo.” (Brás Cubas)

“O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.” (Quincas Borba)

“Não tinha ideias políticas; quando muito, dispunha de um desses temperamentos que substituem as ideias, e fazem crer que um homem pensa, quando simplesmente  transpira.” (Histórias sem Data)

“As mulheres sabem que elas são como o melhor vinho de Chipre, e que os protestos dos namorados não diferem dos que fazem os bêbados.” (Relíquias de Casa Velha)

 

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Na seção “O Euclidiano em Revista”, figura a diretoria do Grêmio João Ribeiro eleita para a gestão de 1959: Cyro Moreira Ribeiro, presidente; Osvaldo Jacinto da Silva, vice; Sílvio Ferreira de Toledo, 1.º secretário; Gabriel Raddi, 2.º secretário; Vildo Antônio da Silva, 1.º tesoureiro; Brás Bortot Filho, 2º tesoureiro;  Acácio Jorge, 1.º orador; Ana Maria Tavares Simas, 2.º orador.

Já se vê que muito leitor, dos  integrantes ou contemporâneos  dessa bela turma que aparece no Euclidiano de 1958, deve estar gostando muito de eu não ter encontrado um perdido texto que enaltece a primeira viagem extraterrestre de que se tem notícia.

Antes isso. Gostaria de receber notícias do pessoal todo. Gostaria que alguém falasse mais a respeito do que essas pessoas tão especiais fizeram e fazem pelo mundo inteiro Gostaria de conhecer um pouco dos caminhos cruzados que percorreram em meio século.

 

18/07/2009

(emelauria@uol.com.br)

 

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