Orani João, cardeal Tempesta Foi segunda-feira, na sala de espera de um consultório médico, que meu velho colega de Faculdade e morador em cidade vizinha me disse: - Então, agora São José está com tudo... - Como assim? - Pois é, além de terem um dos maiores da literatura brasileira, agora vocês têm um cardeal... Não é fácil! Confesso que não entendi a correlação entre a fama de Euclides da Cunha, rio-pardense apenas adotivo, e D. Orani, cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, mas rio-pardense nato, ali da Vila Pereira, com estudos em escola pública e formação religiosa com os monges do São Roque, firmes sempre no velho mandamento da ordem cisterciense: ora et labora, - reze e trabalhe. * Eu poderia impressionar o velho colega de Faculdade, se lhe explicasse com um ar natural que, para muitos de nós, todas as vitórias pessoais de D. Orani são apenas parte de um roteiro mais amplo, profetizado há trinta ou mais anos pela comadre Maria de Lourdes Benedicta Nogueira Fontão, a Lourdinha Fontão, de saudosa memória, de altos serviços comunitários e já merecedora de ver reconhecidos os seus notáveis méritos. Mas a hora não é de se falar disso. Tomo para mim a frase misteriosa de uma personagem do velho Machado de Assis: - São coisas futuras... * Como não poderia deixar de ser, repórteres com zero de conhecimento histórico e geográfico logo acharam que São José do Rio Pardo e São José do Rio Preto eram a mesma coisa, como se a escolha de D. Orani para bispo de Rio Preto não fosse a primeira das muitas consequências do aprimoramento de um sacerdote regular que muito serviu Rio Pardo e sua gente mais humilde. D. Orani, antes da criação da Abadia de Nossa Senhora de São Bernardo, muito deve ter-se beneficiado com o convívio com D. Agostinho (depois pároco em Vila Nova Cachoeirinha, na cidade de São Paulo); com Dom Guerrico, italiano de ampla cultura; com D. Bonifácio, também italiano, mas sempre um agricultor, afeito ao trabalho braçal, a humildes tarefas, ao exercício do senso comum. E muito provavelmente com a frágil pessoa de João Luís do Prado, sacerdote secular, monsenhor, que concretizou a feliz ideia de ser tornar monge e viver intensa vida comunitária no ocaso de seus dias. Tive agradável convívio com ele quando lecionávamos no "Alexandre Fleming", de Vargem Grande do Sul — ele Francês e eu Português. Isso há bem mais de meio século. As homilias de Monsenhor João Luís eram incisivas, profundas e breves. Uma bela alma. Morreu como bem desejava: pacificamente no meio dos irmãos de sacerdócio. * D. Orani, feito primeiro abade, preparou o caminho de seus sucessores no encargo: D. Edmílson, o segundo abade, logo depois nomeado bispo de Barretos. Em seguida D. Paulo Celso, o atual abade - outro rio-pardense dos altos da Vila Pereira, mais para os lados do Brejinho. Orani e Paulo Celso foram meus alunos no "Euclides da Cunha", lembrança que muito me agrada. * "Por nossa cidade ter ficado pequena para ele", como escreveu minha mulher Marina, nomeado bispo de São José do Rio Preto, pensava-se que D. Orani ficasse em definitivo na bela cidade do noroeste paulista. Passados alguns anos, ei-lo encarregado de nova e dura missão: assumir a difícil arquidiocese de Belém do Pará, porta de entrada de um mundo ainda em formação, a Amazônia. Agora lá ele fica, pensei eu, até poder voltar à sua abadia de São José do Rio Pardo e viver a vida monástica que inicialmente escolhera e de que se afastou em atendimento a mandados superiores. Outro engano: chama-o Bento XVI para assumir a talvez mais difícil arquidiocese brasileira, a do Rio de Janeiro. Pacificar os morros, enfrentar a demagogia religiosa, reconquistar as multidões envolvidas com quadrilhas, jogos, drogas, prostituição, apelos de vida fácil e desastrosa. Deve ter sido duríssima cada jornada diária do arcebispo que não perdeu nem a fé, nem a esperança, nem a caridade. Menos ainda, a capacidade de diálogo com quem quer que seja. * Ah, a Jornada Mundial da Juventude, em 2013... Até o tempo, que se esperava benigno e maravilhoso no inverno carioca, conspira contra os planos de bem receber mais de dois milhões de participantes do mundo todo. A chuva imprevista é verdadeira prova de resistência e de capacidade de improvisar. E tudo acaba bem, malgrado o desconforto, o cansaço e um terrível rombo orçamentário que abala as estruturas materiais da arquidiocese. Dívida de cem milhões de reais, parcialmente saldada com a venda de imóveis, com auxílios diversos (até do Papa Francisco). Ainda falta muito para zerar o débito. Alguém garante ter ouvido o Papa Francisco, na Jornada Mundial e num lapso de pensamento, ter chamado D. Orani de cardeal. Essa antecipação de um desejo que virá a efetivar-se no momento oportuno, cria um cardinalis in pectore, quer dizer, a decisão papal já estava tomada desde o ano passado, guardada no peito e só agora formalizada com o consistório de 22 de fevereiro. * Em fevereiro de 1997, numa reunião de despedida de D. Orani, que então assumiria a diocese de São José do Rio Preto, falei em nome dos professores da cidade. O texto chamou-se "Um adeus provisório", está no meu livro Nós, os nossos, alguns intrusos, do mesmo ano.
Transcrevo trechos:
* Paz e bem, D. Orani. Sua presença no Colégio Cardinalício, o mais alto e respeitável Senado do mundo, nos traz fundadas esperanças em dias melhores para a consecução da amizade, da concórdia e da confraternização de todos os povos.
18/01/2014
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