Um encontro irrepetível

 

Poucas pessoas hão de ter tido o privilégio de  gastar mais de duas horas, numa tarde de segunda-feira das brabas, para assistir à posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal. Eu o tive e fiquei entre preocupado e esperançoso com o que vi e ouvi. Nestes duros tempos em que nada parece dar certo neste nosso Brasil tão brasileiro, a investidura da ministra Cármen Lúcia como chefe do  Judiciário nacional representa promissora esperança, por se tratar de juíza culta, equilibrada e de inteira dedicação a seus misteres profissionais: nem casada é, e por isso não tem marido, filhos, netos, sogra – nada que a desvie de só pensar naquilo, seus deveres funcionais.

Nem lhe passou pela cabeça a dúvida atroz de ter de escolher entre intitular-se presidente ou presidenta, coisa que já atormentou outra mulher guindada a altíssimo posto e obrigou estudiosos a gastar litros de tinta e quilos de papel.

Cármen Lúcia assumiu e mandou às favas o rígido protocolo do STF:  como se não acreditasse em nenhuma delas, nem se dirigiu às autoridades, as mais altas do País, todas ali presentes de corpo e alma, algumas temerosas com que o futuro lhes possa reservar. Dirigiu suas palavras ao povo brasileiro, que vive “momentos tormentosos”, com os “cidadãos em revolta”, insatisfeitos com tanta coisa, aí incluído o Poder Judiciário.  Senadores, deputados, ministros, governadores, chefes de altas repartições, quantos deles não haviam de sentir-se temerosos em face daquela fisionomia austera da nova presidente e de seus possíveis pensamentos, que daqui a uns tempos poderá estar julgando-os  e trazendo à luz meridiana muitos dos atos e omissões que eles dariam tudo para ver esquecidos nos desvãos de nosso sistema jurídico tão cheio de atalhos e recursos?

Lá estavam Lula e Sarney em amistoso papo nas poltronas reservadas a ex-presidentes da República.  Nem um dos dois fez o menor gesto em direção ao presidente Michel Miguel Elias Temer Lulia , feliz da vida porque ninguém se atreveria a lançar um sonoro fora Temer naquele augusto recinto.

Velhíssimos e nem por isso infelizes, estavam em local privilegiado os ministros aposentados do Supremo, com certeza cada um deles dando graças aos céus de já não precisarem julgar causas pouco nobres que nada tinham de dúvidas constitucionais: o STF, de uns tempos para cá, vem tendo de cuidar de muitas bobagens e quinquilharias que melhor caberiam na pauta de um tribunal de pequenas causas.

Pouco à vontade estava  Renan Calheiros, figura de proa da vida nacional, que de repente, não mais que de repente, pode ver-se envolvido nas malhas  de uma perigosa operação lava-jato, de danosas consequências .

Ah, quem transmitiu o cargo de presidente para a discretíssima Cármen Lúcia foi o surpreendente  Ricardo Lewandowski, que dias antes, presidindo no Senado à sessão do impeachment  de Dilma Rousseff, havia cometido a heresia jurídica de concordar em  superpor à Constituição Federal um fim de frase do regimento interno do Senado, com isso fatiando o infatiável, no caso a manutenção dos direitos políticos a quem havia perdido o mandato presidencial. Um espanto. Uma aberração que, agora se sabe, só foi possível porque houve uma prévia combinação  que  nivela por baixo muitos dos grandes nomes da política nacional. Ou seja, mais uma vez fica provada a indesmentível  tese da ausência de virgens nos lupanares.

A chamada imprensa direitista guarda justificáveis esperanças de que o Brasil possa entrar agora num tempo de  reconstruir e reedificar tanta coisa demolida pelos quase treze anos de PT. E chama a atenção para o detalhe: de acordo com as sábias lições de Gramsci, teórico italiano com ideias seguidas à risca pelo petismo, muito mais importante do que ser o governo é ter o poder, ou seja, o partido deve ter-se instalado firmemente em todos os recantos da administração pública. Não será fácil desalojar tanta gente nos próximos anos.

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

Meu Deus! Como está difícil tirar algum proveito desse horário político obrigatório. Em todos os lugares, de São Paulo a São Carlos, a São José do Rio Pardo.

É de Monteiro Lobato uma triste frase de constante aplicação: Brasil, um deserto de homens e de ideias.

-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-

 

Para pensar:

1.      O governo de um país não é a nação, ainda menos a pátria. (Lacordaire)

2.      O governo menos ruim é aquele que se mostra menos, que se sente menos e que se paga menos caro. (Vigny)

3.      Nenhum governo pode ser firme por muito tempo, sem uma oposição temível. (Disraelli)

4.      O governo precisa da imprensa para defendê-lo; a imprensa necessita do governo para subvencioná-la. (Júlio Camargo)

5.      Nada exaspera mais um povo de espírito livre do que um governo paternal, intrometido, um governo que lhe diga o que ler, dizer, comer, beber e vestir. (Macaulay)

6.      Muito ouvir e pouco falar – regra de ouro do governante. (Richelieu)

 

17/09/2016
emelauria@uol.com.br

Voltar