FALANDO DE
ELEIÇÕES
O
que se
poderia
chamar de
história
recente das
eleições brasileiras tem
início a 2 de
dezembro de 1945,
data
em
que o
povo foi chamado a
escolher nas
urnas
seu
novo
presidente,
depois do “curto
período” de quinze
anos
em
que Getúlio Vargas exerceu a
chefia do
Governo. Getúlio, deposto pelas
forças
armadas
em 29 de
outubro de 1945,
estranhamente
não foi impedido de
continuar
candidato a
cargos do
legislativo,
tanto
que eleito
senador
pelo
Rio
Grande do
Sul e
por
São Paulo, e
deputado
federal
por
cinco
outros
estados,
porque beneficiado
por
legislação
omissa, optou
pela
senatoria do
Rio
Grande,
mas teve pouquíssima
atividade no
Congresso
Nacional.
O
candidato apoiado
por
ele
era o
seu
antigo
ministro da
Guerra, o
general Eurico Gaspar Dutra, baixinho e
enfezado, a
própria
figura do
anti-herói.
Herói
mesmo, o major-brigadeiro da
Aeronáutica, Eduardo Gomes, o
Brigadeiro,
candidato de uma
coalizão
partidária
oposicionista, tendo à
frente a UDN –
União
Democrática
Nacional.
A
vitória do
Brigadeiro parecia
favas contadas,
todo
mundo se manifestava a
favor do
Brigadeiro; a
propaganda,
especialmente
pelo
rádio,
era
intensa,
cheia de
jingles
criativos; os
comícios, realizados no Brasil
inteiro, atraíam
multidões,
porque falavam neles os
maiores
oradores do
tempo,
como Carlos Lacerda, Otávio
Mangabeira, Milton
Campos, Juraci Magalhães...
Quem dava
show eram os
políticos,
não
duplas sertanejas
ou
mulheres rebolativas.
Quando
tudo levava a
crer numa
vitória consagradora do
Brigadeiro,
um
tal Hugo Borghi,
candidato
paulista a
deputado
federal
pelo
Partido Trabalhista
Brasileiro (fundado
por Getúlio), virou o
jogo ao
explorar
com
habilidade e
malícia uma
referência
que o
Brigadeiro teria
feito
sobre
trabalhadores de
modo
geral, chamando-os de
marmiteiros. Foi o
que bastou
para Eduardo Gomes,
tão
promissor,
tão
respeitável,
passar de uma
hora
para
outra a
inimigo da
classe
operária. Imagine
menosprezar
assim
aqueles
milhões de
brasileiros
que davam
duro na
vida,
que saíam de
madrugada de
suas
casas, levando
para o
trabalho,
em
marmitas, o
seu
almoço!!!
Abertas as
urnas e apurados
vagarosa e
matreiramente os
votos (tantos de
cabresto!), saiu
vitorioso o
general Dutra, o
anti-herói.
Grande
decepção
nacional,
grande
decepção
para
mim
com
meus treze
anos e
todo o
interesse
por
política e
por
políticos.
Seu
governo se estendeu de 1946 a 1951. Analisado
com
isenção, representou
sensível
avanço na
incipiente
democracia
brasileira. Dutra, governando num
tempo de
vacas gordas
por
causa dos
saldos
comerciais
brasileiros acumulados
durante a 2.ª
guerra mundial (1939-1945), mostrou-se
legalista
sincero e
só fazia as
coisas
que estavam previstas no
que
ele chamava o livrinho,
quer
dizer, na
Constituição
Federal promulgada a 18 de
setembro de 1946.
Liberal,
democrática,
moderna,
ela parecia destinada a
longa
duração,
até
ser desfigurada e posta de
lado
pelo
regime
militar instaurado
em 1964.
Terminado o
mandato
constitucional de Eurico Gaspar Dutra,
agora
pela
força das
urnas e derrotando o
mesmo
Brigadeiro, voltou Getúlio Vargas ao
poder, empossado a 31 de
janeiro de 1951.
Foi
minha decepcionante
estréia
como
eleitor,
porque votei no
Brigadeiro,
com
todo o
entusiasmo.
Consagrado
pela
vontade
popular e homenageado de
mil
maneiras, Getúlio ganhou
até
um sambinha de
carnaval cantado
por Francisco Alves, “o
rei da
voz”:
Bota o
retrato do
velho
outra
vez,
bota no
mesmo
lugar,
que o
sorriso do velhinho faz a
gente se
animar...
A
animação
não foi
tanta
assim,
porque a
corrupção (o “mar de
lama”)
descoberta no
próprio
palácio do
Catete,
sede do
Governo no
Rio de
Janeiro,
então
capital do
País, levaria Vargas ao
suicídio, a 24 de
agosto de 1954.
No
âmbito estadual, a
primeira
eleição
para
governador deu-se
em 1947, vencida no
estado de
São Paulo
por
um
médico e
industrial (Chocolates
Lacta)
originário de
família tradicional -- Ademar de
Barros, que
antes
já havia sido
interventor
federal (1937-1941). Ademar tornou-se
incontestável
líder populista e permaneceu
em
evidência no
cenário
político
brasileiro
por
quase trinta
anos. Assumiu tacitamente
um
slogan
que
até
hoje tem
um
número
expressivo de
seguidores:
ROUBA,
MAS FAZ... Deixou
obras públicas de
grande
relevância,
como o
Hospital das
Clínicas,
ainda
hoje o
maior da América
Latina, e a
Via Anchieta,
primeira
ligação
moderna da
capital
com a
baixada
santista.
Ele construiu
um
viaduto
que eliminou enervante
ponto de
congestionamento no
trânsito
paulistano – as
porteiras do Brás,
que fechavam as movimentadíssimas
avenidas
Celso Garcia e Rangel
Pestana
cada
vez
que chegasse
ou partisse da
estação Roosevelt
um
trem da
Estrada de
Ferro
Central do Brasil. É dele
um
então
ousado
projeto de rebaixamento do
leito da
Avenida Anhangabaú no
cruzamento
com a
Avenida
São João.
Até
hoje a
passagem
em
desnível é
conhecida
por
buraco do Ademar...
O
ademarismo constituiu
fenômeno
político de
enorme repercussão
paulista e de
bem
menos significação
nacional.
Candidato à
presidência da
República,
em 1955 e 1960, Ademar de
Barros levou de
São Paulo
expressiva
votação,
mas
não obteve
êxito
em
outros
grandes
colégios
eleitorais. Perdeu
primeiro
para Juscelino Kubitschek e
depois
para Jânio
Quadros. Elegeu-se
outra
vez
governador
em 1962, apoiou a
revolução de 1964,
mas acabou sendo cassado
por
ela.
Depois da
queda do
Estado
Novo (regime implantado
por Vargas
que perdurou de 1937 a 1945 e suprimiu o
Senado, a
Câmara dos
Deputados, assembléias
legislativas e
câmaras de
vereadores), as primeiras
eleições municipais
também foram
em 1947. Nesta
nossa
cidade, saiu
vitorioso o
candidato Palmiro Petrocelli,
dono de uma
concessionária Ford,
com
oficina
mecânica e
posto de
gasolina situados
onde
hoje é o
edifício Petrocelli. Foi
prefeito
sério e dedicado. Sucedeu-lhe
em 1951 Dionísio Guedes Barretto,
gerente do
Banco F. Barretto,
cujo
prédio é
aquele
hoje de
propriedade do
Banco HSBC,
que comprou o Bamerindus,
que comprara o Barretto...
Junto
com Palmiro Petrocelli, elegeu-se a
Câmara Municipal, constituída
por dezenove (!)
vereadores.
Verdade
que o
município
era
mais
populoso,
porque incluía o
distrito de
Espírito
Santo do
Rio do
Peixe, o Sapecado,
em 1951
tornado
autônomo
com o
nome de Divinolândia. As
sessões, movimentadíssimas e
cheias de
agressões
verbais e algumas
vezes
físicas, realizavam-se naquela
sala situada
logo na
entrada do
atual
Museu Rio-Pardense, à
direita, num
acanhado
recinto
ocupado
também
pela
Biblioteca Municipal.
Costuma-se
com
certo
saudosismo, algum
preconceito e uma
ponta de
verdade dizer-se
que
nossa
representação
política decaiu de
nível. Citam-se a
propósito
nomes de
cidadãos prestantes
que
já foram
vereadores e comparam-se essas
pessoas
com os
atuais
ou
mais
recentes
ocupantes das
cadeiras da
Câmara.
Sempre tive
comigo
que uma boa
edilidade tem de
acolher representantes dos
diversos
segmentos
sociais,
capazes de
lutar
por
aquilo
que a
população
acha
mais
importante numa
determinada
época. Conheci,
nos
meus
dez
anos de
vereança,
muitos
exemplos de
soluções imaginosas apresentadas
por
colegas
vereadores
que tinham
muita
dificuldade de
expressão e
pouco entendiam de
leis,
mas eram, à
sua
maneira, muito
atentos aos
problemas
locais.
Hoje é
muito
difícil,
quando
não
impossível,
alguém de
peito
aberto, gastando
pouco,
sem
vinculações
com
emissoras de
rádio,
bairros,
clubes,
igrejas,
entidades assistenciais, eleger-se
vereador.
Poucos
candidatos têm
apenas
suas qualificações
pessoais levadas na
devida
conta, no
que se refira à
capacidade
intelectual e
técnica de
apresentar
projetos
viáveis e de discuti-los
com
certa
profundidade.
Além do
mais, os
vereadores perderam
através dos
tempos
muito da
sua
função
legislativa,
porque
nos
diferentes
níveis
governamentais a
preponderância do
Executivo
sobre os
outros
poderes é
indiscutível. Desse
modo,
muitos
vereadores
nada
mais
são do
que
despachantes das reivindicações
populares levadas ao
prefeito,
quando
não se prevalecem de
suas
situações
funcionais e praticam o
mais escancarado assistencialismo eleiçoeiro
com as
verbas públicas,
como se
eles fossem os
próprios
geradores de
recursos
que na
verdade estão
impessoalmente consignados
nos
orçamentos.
16/10/2004
(emelauria@uol.com.br)
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