Agosto, 9 e 10

 

 

O mais recente fim de semana foi inteiramente atípico. Coisas incomuns aconteceram, guardando, contudo, em seu conjunto  uma aura de esperável naturalidade.

No sábado de manhã, o desfile de abertura da Semana Euclidiana. Surpresa das mais agradáveis, não apenas pela originalidade e empenho daqueles milhares  de participantes, mas também pela delicadeza da homenagem com  que a Casa de Cultura Euclides da Cunha lembrou tantos euclidianos das mais diferentes épocas. A Faculdade Euclides da Cunha (FEUC) me incluiu em sua honrosa quota de biografados. Fiquei  comovido com a forma que meus amigos daquela escola, tendo à frente Liliana Nogueira Bello, a Lila,    encontraram de passar para aquele público imenso uma correta ideia de meu papel de euclidiano, professor e diretor, em tantos anos de duro trabalho.

*

Impressionou-me a atenção dada às mensagens euclidianas de  cada participante do desfile, assim como os aplausos que brotavam  espontâneos  a cada apresentação de escolas, fanfarras ou entidades de assistência social. Um ato cívico memorável que cumpriu a alta função educativa com que foi imaginado, nos longínquos anos trinta: uma aula diferente, a céu aberto.

 

Depois de mais de duas horas em pé no palanque, meu corpo exigiu um pouco de movimento. Fui observar o final do desfile  no meio dos espectadores  que lotaram  as calçadas da Rua Francisquinho Dias em toda a sua extensão. Fui reconhecido e cumprimentado por um bom número de pessoas, muitas delas  com quem eu conversava pela primeira vez: sensação agradável, sem dúvida.

*

Ao cair da tarde do mesmo 9 de agosto, compareci  à abertura de original exposição fotográfica no Centro da Memória, aquele espaço tão bem aproveitado pelo Centro Cultural Ítalo-Brasileiro, na parte superior do Cine Colombo. Com a PUC –Minas – Poços de Caldas, onde leciona no curso de Arquitetura, a prima Rosana Bertocco Parisi conseguiu os meios para a montagem  de rico material  que mostra as transformações para pior ou para melhor que a nossa São José do Rio Pardo sofreu ao longo de mais de um século de preciosa documentação iconográfica.

Num esforço  que revelou amor à cidade, meu filho-xará e sua esposa Mariza se encarregaram de fotografar os locais que já tinham sido objeto de registro em outros tempos. Então, pelo cotejo das imagens, postas lado a lado, é possível ver-se o que a cidade cresceu, o que se modificou em aspectos urbanísticos, o que também se deixou perder em matéria de beleza arquitetônica, porque muitas vezes a cidade não se deu conta, no momento apropriado, de que o novo não significa necessariamente o melhor, em relação ao velho que, por imprudência, se condenou   ao esquecimento, à deterioração, à própria extinção.

*

Soa estranho, em face da mentalidade preservacionista de hoje, que se tenham perdido   imóveis onde agora  se vê  ou uma sede social de clube, ou um restaurante popular, ou uma loja sem maior requinte na construção, ou ainda um estabelecimento financeiro que bem poderia ter-se instalado no vetusto prédio, conservando-lhe, porém, a sua bela fachada, infelizmente demolida.  Vejo nisso tudo um pedagógico alerta que a oportuna exposição lança e que pode convencer o poder público, as organizações preservacionistas  e as pessoas em geral a valorizar o que a cidade ainda tem e corre o permanente risco de perder. Isso sem se falar nas fealdades desnecessárias criadas por uma poluição visual sem o mínimo controle.

*

Domingo, 10, Dia dos Pais. Cada vez mais difícil reunir todos os filhos. Este ano estavam aqui apenas dois dos cinco, mas nos juntamos ao clã   de minha irmã e meu cunhado. Pudemos compartilhar boas horas de amável convívio, de agradáveis provas de intensa afetividade familiar. Os tempos são outros e não adianta pensar o contrário.

Presentes? Claro, presentes dos mais variados – de um cachecol de pura lã indiana a livros diversos, passando por pulôver de extrema leveza, por bom vinho italiano e por outra bebida que descobri recentemente e me cativou: o Amaro Lucano, fabricado desde 1894  por Cav. Pasquale Vena & Figli,  em Pisticci, Lucânia,  licenza nº 1... Sabor inigualável. Fórmula familiar secretíssima, passada de geração para geração.

*

Tendo eu , tempos atrás, comentado o tamanho e grossura dos livros que filhos me têm presenteado (um deles, o Dicionário das palavras interligadas, de Kurt Pesek, pesa mais de dois quilos!), ganho agora, em contrapartida, dois bem magrinhos: Vidas minúsculas, de Pierre Michon, 2004, 204 páginas, e A ovelha negra, de Augusto Monterroso, tradução de Millôr Fernandes, 2014, 88 páginas. Esse último pode ser lido numa assentada.

*

Lá pelas três da tarde, eu sozinho em casa, ouço o chamado do interfone e durante um segundo fico na dúvida de atender. Puxa, é domingo, três da tarde e com certeza é alguém pedindo. Ledo engano: é Everton de Paula, o querido amigo de Franca, que depois de longo tempo retorna à Semana Euclidiana. Quando nos abraçamos, com certeza nos vieram à memória as imagens de tantos dos nossos amigos que se foram ao longo dos anos.

*

Everton está ligado à Semana desde 1968, primeiro como maratonista e depois como professor do Ciclo de Estudos. Foi ele quem providenciou a bela edição de um livro meu pela editora da Universidade de Franca. Nossa correspondência pela internet é volumosa e quase diária, mas nada substitui a boa e velha conversa cara a cara, ainda mais à sombra da florida jabuticabeira. Ele exagera nos presentes: um pacote de famoso pé de moleque, um belo par de sapatos escolhido a dedo e um livro que depois comentarei. Ele me diz uma frase que também exprime o que eu pensava no momento: poderiam estar  entre nós Moisés Gicovate, Adelino Brandão, Ivo Vannucchi, Célio Pinheiro, Dálvaro da Silva, Dante Pianta. Mas não nos deixemos levar por lembranças tão marcantes.

*

O livro que Everton me traz não se compara aos pesos-pesados ofertados por meu filho-xará, mas fica longe da magreza da Ovelha negra: é de 2013, tem mais de seiscentas páginas, além de  um título a um tempo quilométrico e impactante: O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Autor? Olavo de Carvalho, na orelha da capa classificado como o maior filósofo brasileiro. Conheço pouca coisa dele. Vejo desde logo  que o homem não tem papas na língua nem lhe falta coragem. Trata de tudo, de cultura a política, de juventude a vocação, de universidade a petismo, de democracia a inveja. Uma leitura que promete.

 

16/08/2014
emelauria@uol.com.br

Voltar