O presidente negro, etc., etc.
Pela variedade e pelo entusiasmo das formas de apoio, até parece que Obama vai tomar posse em Brasília e resolver não só os problemas norte-americanos, mas os brasileiros – estes prioritariamente. As mensagens e os comentários que predominam na internet, na televisão, nos jornais e revistas fazem do novo presidente americano uma espécie de iluminado universal, do mesmo grau de grandeza da madre Teresa de Calcutá ou de Gandhi. É ver para crer. Verdade que também circula uma piada de humor negro, que todos esperam ser desmentida pela realidade: o porteiro do Céu (assim mesmo, com maiúscula reverencial), ao ver aquele jovem e atlético negro pedindo licença para entrar, procede como de praxe: - Seu nome? - Barack Obama. - Procedência? - Estados Unidos da América. - Profissão? - Presidente da República. - Há quanto tempo? - Há 15 minutos. (Não escaparam da sanha dos inimigos: Abraham Lincoln {1864], James Garfield [1881], William McKinley [1897], John Kennedy [1961], todos mortos a tiros.) Não é de hoje que os brasileiros gostam de praticar exercícios de futurologia com tudo, até mesmo com o destino dos Estados Unidos. Foi o que fez, por exemplo, o nosso Monteiro Lobato, mais conhecido como o criador da boneca Emília e do Sítio do Pica-Pau Amarelo, do que como autor de Urupês, Negrinha e Cidades Mortas. Ele gostava muito do grande país do Norte, admirava seu povo, seu estilo de vida, sua força de vontade, seu amor ao trabalho, suas virtudes pessoais e coletivas. Em 1926, fez estranha previsão de que um dia, diferentemente do que ocorreria no Brasil, cuja população se mulatizava rapidamente, nos Estados Unidos branco seria cada vez mais branco e negro seria cada vez mais negro. Até que... Até que, não tendo havido miscigenação e sendo os negros muito mais prolíficos e descuidosos do que os brancos, a população negra superou a dos brancos e elegeu um presidente negro. Isso em 2228, ou seja, Monteiro Lobato errou por apenas duzentos e vinte anos... Obama não foi eleito só pelos negros, mas por uma espontânea coalizão multirracial, de que participaram até os wasp (brancos, anglo-saxões e protestantes). O resto está à disposição do eventual leitor em O Presidente Negro ou O Choque das Raças, a partir da página 123 do volume 5 das Obras Completas de Monteiro Lobato. Minha edição é da Brasiliense, 1959, em que uma “Nota dos Editores” adverte: Este romance de Monteiro Lobato, escrito em três semanas para o rodapé d’A MANHÃ de Mário Rodrigues, no ano de 1926, antes da partida do autor para os Estados Unidos, constitui uma verdadeira curiosidade literária. Embora aparentemente uma ‘brincadeira de talento’, encerra um quadro do que realmente seria o mundo de amanhã, se fosse Lobato o reformador – e em muitos pontos havemos de concordar que sob aparências brincalhonas brilha um pensamento de grande penetração psicológica e social. O conserto do mundo pela eugenia, o ajuste do casamento por meio das ‘férias conjugais’, a criação da cidade de Erópolis, o teatro onírico... Como H.G. Wells, Monteiro Lobato talvez não tenha imaginado coisas, e sim apenas antecipado coisas. Lobato antecipou, sim. Mas contrariamente ao que costuma acontecer, neste assunto – um presidente americano negro – a vida superou a arte...
O PADRE E A MOÇA O que espanta nessa banal história do padre que não resistiu aos encantos da moça de dezenove anos, com ela vive há tanto tempo e lhe fez cinco filhas, é a teimosia dele em continuar a dizer-se sacerdote católico, apostólico, romano. À semelhança de milhares de outros dissidentes, ele bem que poderia criar uma igreja só sua, em que fosse possível conciliar mulher, cinco filhas, celebração de batizados, casamentos, etc. Certamente não lhe faltariam devotados seguidores. Nada nesse terreno é novidade, depois de Machado de Assis escreveu o antológico texto do conto “A Igreja do Diabo”, de Histórias sem Data. A contradição humana é incontentável, a ponto de capas de veludo com franjas de algodão se alternarem com capas de algodão com franjas de seda...
SAI COLOMBO, ENTRA COLOMBO Minha geração aprendeu muito mais coisas da vida com o cinema do que com os livros. Em minha longínqua infância, no começo dos anos quarenta, não havia meninote que, podendo ou quase, não fosse uma ou duas vezes por semana ao Cine Pavilhão XV de Novembro assistir a um seriado de mocinho e bandido. O cinema virava um pandemônio, com gritos, torcidas, embora se soubesse que o mocinho bem barbeado, de roupas claras e cavalo branco acabaria sempre ganhando a tímida mocinha, depois de derrotar a socos ou a tiros o bandido barbudo, de roupas desleixadas e cavalo preto. Dona Laudelina de Oliveira Pourrat, ao aceitar alguém como seu aluno no curso particular de admissão no ginásio, impunha sua disciplina rígida em que ficava estabelecido que quem visse o seriado das quartas-feiras, não veria o de sábado, ou vice-versa.... Aquilo era o ópio do povo. Depois, ao longo de tantos anos, até o advento da televisão, ia-se muito ao cinema. Aguardava-se com ansiedade a chegada do filme de sucesso, que só dava o ar da graça por aqui após um ou dois anos do lançamento nos grandes centros. Outro dia, recebi os temas musicais de trinta dos melhores filmes de todos os tempos: eu os tinha visto todos, aqui ou em São Paulo. Eu e muitos, muitíssimos, de minha idade. Não há como não se lamentar o fechamento do Cine Colombo, mas quem vai hoje ao cinema com regularidade? DVDs e home theaters garantem o prazer de ver bons filmes, sem gente a seu lado conversando, pondo os pés na poltrona da frente, comendo e às vezes estourando sacões de pipoca, abrindo e arrotando refrigerantes. O Centro Cultural Ítalo-Brasileiro foi ao limite de suas possibilidades como locador do prédio. E prestará grande serviço à coletividade mantendo em ordem a bela sala de duzentos lugares, o ar condicionado, etc. Quem sabe ainda teremos o prazer de ver ali bons filmes, não necessariamente em sessões diárias? Além disso, a sala se presta a diversos outros usos, de caráter social e cultural. Um freqüentador daquele banco das fofocas, no canto da Praça XV de Novembro, disse com uma ponta de ironia: - Sai Colombo, entra Colombo. Não entendi a troca até saber que a rede gaúcha de lojas Colombo havia comprado toda a rede Bernasconi. Não ficaremos sem Colombo, portanto.
ASSUNTOS INCOMUNS Meu bom amigo e colega de magistério me indaga, talvez com uma ponta de apreensão, se tenho retorno de certos assuntos desta coluna. Ele estava pensando mais especificamente nos dois que há pouco publiquei sobre escritores da Antigüidade Latina. Digo-lhe que sim, e é verdade. Nossos leitores não sentem necessidade de sempre fazer comentários sobre o que lêem, mas tenho certeza comprovada de ser o caderno CULTURA bem apreciado pela grande maioria das pessoas que lêem este jornal, tanto na forma impressa quanto na digital. Meno male, como dizem os italianos.
15/11/2008
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