Você tem ou sabe quem tem?

 
Terra nossa
 

Vamos cantar a nossa glória de estudantes

E decantar com vivo ardor os feitos marcantes

Da varonil e nobre estirpe que é a nossa,

Da terra moça deste Brasil.

Na porfia que exalta e que inebria

Temos em vista uma conquista –

O brasão mais valioso da terra,

A luz que encerra a instrução.

 

Estudantes bandeirantes:

Cultuemos os rincões

Onde a todo momento bebemos

As mais profícuas e sábias lições.

 

Ginasianos, eia, ufanos

A exaltar neste brado

O querido Ginásio do Estado

Que tem o encanto do nosso próprio lar!

*

Se você não apenas se recordou deste pobre poema, mas até assobiou a sua música,  não haverá como negar: você estudou no Ginásio do Estado “Euclides da Cunha” de São José do Rio Pardo em eras remotíssimas, nos anos trinta,  quarenta ou começos de cinquenta do  último século do passado milênio.

Sim, este é trecho do esquecido Hino da Escola, que a Prof.ª Maria Isabel Ada Parisi, de Canto Orfeônico, ensinava na primeira série do curso secundário durante o longo tempo em que pacienciosamente batalhou contra a ignorância, o desinteresse e as malcriações de tantos  meninos e rapazotes que puíram os fundilhos  das calças cáqui nos carteiras de nosso primeiro estabelecimento oficial de ensino ginasial. Ainda bem que havia alguns meninos mais respeitosos e muitas meninas de boa voz e melhor comportamento.

*

Seus autores, Odilon Machado César (professor de Geografia) e Plínio Silva (inspetor federal). Não sei se um compôs a música e outro lhe calcou o poema, ou se foram criadores conjuntos de letra e som. Já escrevi muita coisa sobre o Prof. Odilon, por quem eu nutria admiração, logo transformada em amizade que perdurou até o triste final de seus dias. Plínio Silva morava em Mococa, escrevia num jornal de lá, viajava de jardineira,  fumava charuto em qualquer lugar e de vez em quando era visto na Secretaria da escola assinando pilhas  de documentos.

*

Com a passagem do tempo e as muitas mudanças até na denominação da velha escola que o povo ajudou a construir, acabou-se Canto Orfeônico, aposentaram-se as pessoas envolvidas, tudo mudou, enfim, e muita coisa saiu de circulação. Como diziam os romanos, a morte desmancha (ou resolve) tudo.

*

Este hino, como a quase totalidade dos congêneres brasileiros, é de difícil compreensão, com as pessoas não tendo a mínima ideia do que a letra quer dizer. Sirvam de comprovação a essa afirmativa as muitas deturpações, registradas na internet,  que o próprio Hino Nacional sofre no ouvido e na boca do povo que nem de longe desconfia como as serenas margens do riacho Ipiranga, da cidade de São Paulo, conseguiram escutar o poderoso grito de liberdade de um povinho  corajoso. O tal grito virou heroico brado, entendido por muitos  como herói cobrado... Bem verdade que a música de Francisco Manuel da Silva é de 1841 e se chamava de início Hino da Abdicação. Foi, por largo tempo,  executada sem letra, até que em 1922  lhe puseram novas palavras escolhidas em concurso público vencido por Osório Duque Estrada, poeta de pouca expressão.

E o Hino da Proclamação da República, com letra de Medeiros e Albuquerque? (Seja um pálio de luz desdobrado sob a larga amplidão destes céus este canto revel que o passado vem remir dos mais torpes labéus...) Claro, claríssimo, não?

E o Hino da Independência, de D. Pedro I e Evaristo da Veiga? (Já podeis, da Pátria filhos, que virou  japons tem quatro filhos...)

O melhor deles todos é o Hino à Bandeira (Salve, lindo pendão da esperança, salve, símbolo augusto da paz), que além de ter bela e solene  música de Francisco Braga, mereceu acessível letra de um dos nossos maiores poetas  –  Olavo Bilac.

*

Mas retorno  ao leito do assunto de hoje. Assim como me fluiu do mais profundo da memória a melodia do vetusto hino e boa parte de sua arrevesada letra (garanto que não foi debaixo do chuveiro que me veio à memória), por que não se imaginar que alguém, na casa dos setenta ou oitenta, tenha ciosamente guardado o caderno  com ele inteirinho, transcrito em letra caprichada e com total correção? Coisas estranhas acontecem. Em outubro de 2011, para ilustrar, na festa comemorativa dos três quartos de século do mesmo Ginásio, uma de suas mais brilhantes alunas de todos os tempos – Marleine Paula Marcondes e Ferreira de Toledo –  de repente abriu sua bolsa de surpresas e tirou de lá de dentro um conservado pano de prato. Ela o  havia feito nas aulas  de Trabalhos Manuais ou de Economia Doméstica  da  querida mestra, a lúcida Dona Zezé Campos Frigo, hoje na flor das noventa e quatro felizes  primaveras, como afirmou recentemente na Câmara Municipal.

*

Quem sabe? Quem sabe um coral de ex-alunos se encoraja e canta de novo a antiga glória de estudantes? Prometo comparecer e ficar  em silêncio, bocca chiusa, até para respeitar o desejo de D. Ada, que jamais me quis no seu afinado orfeão.

 

15/08/2015
emelauria@uol.com.br

Voltar