Reflexões
possíveis
em
janeiro
O
verão
vai
ameno
demais
para
o
pessoal
ligado a calorão, a
piscina,
a
cerveja,
a
vida
boêmia.
Como
chove
com
facilidade!
Um
antiqüíssimo
limpador
de
quintais
costumava
dizer
a
meu
pai:
- Ponha
sentido,
seu
Carmo,
nos
doze
primeiros
dias
deste
mês.
Conforme
chover
no
dia
primeiro,
choverá
em
janeiro;
chovendo no
dia
dois,
não
faltará
água
em
fevereiro,
e
assim
por
diante.
Se
ainda
forem válidas as
observações
de
seu
Evaristo,
este
ano
será
chuvoso
de
cabo
a
rabo.
Verdade,
porém,
que
as
previsões
dos
antigos
sobre
o
tempo
há
muito
deixaram de
ter
a anunciada e decantada eficácia.
Nem
as
pontadas
no
calo
de estimação
ou
no
braço
fraturado asseguram
com
um
mínimo
de
certeza
como
será o
comportamento
das
águas,
dos
trovões
e
relâmpagos,
dos
ventos.
Minha
mãe,
agora
completando noventa e
seis,
tinha
a
ilusão
de
adivinhar
chuvas
de
acordo
com
as
fases
da
lua,
até
que
a
televisão
começou a
fornecer
imagens
tiradas
de
satélites,
mostrando
frentes
frias
gigantescas,
movimentos
continentais
de
nuvens,
centros
de
alta
ou
de
baixa
pressão,
tudo
enfim
que
roubou das
pessoas
as arraigadas crenças
de
que
a
chuva,
boa e
mansa,
ou
brava
e amedrontadora, se formava
por
aqui
mesmo,
bem
ali
atrás
do
morro
do
Cristo;
que
céu
pedrento queria infalivelmente
anunciar
chuva
ou
vento.
Um
dia,
assim
de
brincadeira,
fiz
menção
dessa
frase
–
céu
pedrento,
chuva
ou
vento
– e ouvi
inesperado
acréscimo,
também
originário
da
sabedoria
popular:
chuva
ou
vento
ou
qualquer
outro
tempo...
É
isso.
Quem
acertou,
mesmo,
foi Cecília Meireles ao
escrever
sobre
as
estações
perplexas.
Isso
muito
antes
dessas
tragédias
todas da Tailândia, do Sri Lanka, da
Indonésia.
*
Gostei
muito
de
ter
ido
aos
festejos
das
bodas
de
ouro
de Sérgio Gumercindo e Nazaré, no finalzinho do
ano.
Ele,
meu
colega
de
grupo
escolar,
objeto
de
minha
santa
inveja
por
causa
das barrigueiras elaboradíssimas
que
fazia
com
barbantes
coloridos nas
aulas
de
trabalhos
manuais
de
Dona
Laudelina.
Vizinhos
temos sido
desde
quase
sempre;
companheiros
de
Câmara
Municipal
por
uns
bons
anos.
Ela,
acho
que
minha
aluna
em
priscas
eras
e
filha
de
Domingos
Cerávolo, a
mais
duradoura
e
firme
amizade
de
meu
pai.
Tudo
foi
bonito,
desde
a
missa
celebrada
com
especial
empenho
por
Dom
Edmílson,
até
a participação dos
cinco
filhos
do
casal,
das
noras,
dos
netos,
nos
atos
litúrgicos.
O
Abade
lembrou
não
só
o
trabalho
de Sérgio e Nazaré na
construção
e
manutenção
da
igreja
dos
Reis
Magos,
das
tradições
folclóricas a
eles
relacionadas,
mas
trouxe a
público
outro
fato
de
também
causar
inveja
não
só
a
mim,
mas
a tantas outras
vítimas
de
imbatível
obesidade:
o
terno
e o
sapato
de
casamento
do Sérgio serviram
tanto
para
as comemorações das
bodas
de
prata
quanto
para
as das
bodas
de
ouro!
Corpo
de
bailarino
espanhol.
( Ai,
meu
terno
azul-marinho do
nosso
casamento
há quarenta e
sete
anos,
que
fim
levou
depois
de aposentado
por
absoluta
impossibilidade de
uso,
mesmo
após
uns
tantos
alargamentos?)
Velho
companheiro
nosso
me
confessou
meio
em
segredo,
ali
mesmo
na
igreja
de
Santo
Antônio,
que
dali a uns
dias
também
completaria cinqüenta
anos
de
casado,
mas
não
faria
festa
alguma.
Brincalhão,
adaptou ao
seu
caso
pessoal
a
batida
história
da
mulher
que
lembrava ao
marido:
-
Meu
bem,
domingo
é
aniversário
de
nosso
casamento.
Vou
matar
um
frango
para
o
almoço.
O
marido,
mais
que
depressa,
atalhou:
-
Mas
que
culpa
tem o
frango?!
Brincadeiras
à
parte,
não
houve
quem
não
se comovesse
com
o
que
foi
visto
e
ouvido
naquela
missa
dos cinqüenta
anos
de
casamento
de Sérgio e Nazaré. Teve de
tudo
emocionalmente
correto
na reformadíssima
igreja
de
Santo
Antônio,
inclusive
um
belo
toque
de
berrante
do
filho
do
casal,
Márcio,
campeão
nacional.
*
Tratando de
assunto
menos
sério,
revelo
que
li
em
poucos
dias
um
livro
de quatrocentas
páginas
–
Quando
Nietzsche Chorou. Leitura
absorvente
(mas
tão
dura
quanto
mastigar
pedras),
que
não
pretendo
comentar
com
intuito
de
análise
ou
de
crítica.
Nem
direi o
nome
do
autor,
um
desses
professores
universitários
americanos
que
conseguiu
reunir
dois
mundos
incompatíveis
na
aparência:
o do
conhecimento
científico
e o da
capacidade
de
criação
ficcional.
Todo
o
livro
gira
em
torno
de
um
encontro
hipotético
entre
Joseph Breuer,
mestre
de Sigmund Freud e
pioneiro
da
psicanálise,
com
Friedrich Nietzsche, o filósofo
criador
do
mito
do
super-homem,
da
hegemonia
da
raça
ariana.
O
importante,
mesmo,
será
saber
por
que
ele
teria chorado,
apesar
de
toda
a
sua
carapaça
de
conhecimento
e
pretensa
fortaleza
interior.
E
por
que
foi?
Quem
quiser
saber
que
enfrente as quatrocentas
páginas
e conclua, se puder,
como
eu
concluí, que
as
coisas
realmente
importantes
na
vida
jamais
perdem
sua
simplicidade.
*
Fábula
de
permanente
atualidade
é a do
escorpião
que
precisava de
carona
para
atravessar
um
rio.
Pediu a
um,
pediu a
outro
animal
e
nenhum
queria levá-lo às
costas,
com
medo
de
sua
picada
mortal.
Teria sido o
cavalo
que
por
fim
resolveu prestar-lhe o
favor,
apesar
das
advertências
em
contrário?
Ou
o
cachorro?
O
argumento
do
escorpião
tinha
sua
lógica:
-
Por
que
eu
iria picá-lo, se
eu
também
morreria se
você
morresse na
travessia?
E
assim
foi.
Em
dado
momento,
provavelmente no
final
do
trajeto,
o
escorpião
deu
sua
picada.
O
ingênuo
e envenenado
cavalo
(ou
cachorro?)
ainda
lhe
indagou
surpreso:
-
Mas
como?
Você
me
garantiu
que
não
me
picaria...
A
resposta
do
escorpião
é antológica e
atemporal:
-
Que
posso
fazer?
Picar
é de
minha
natureza...
15/01/2005
(emelauria@uol.com.br)
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