É BOM ESTAR AQUI

             Quando um grupo de vereadores, há muitos anos, achou necessário reintegrar a Câmara Municipal na programação das Semanas Euclidianas, estava na verdade tentando reatar pontas de antiga história.

             Ninguém mais do que Francisco Escobar, notabilíssima figura de político, jurista, músico, estudioso, privou aqui da amizade de Euclides da Cunha. E o que era precipuamente Escobar ao tempo da permanência de Euclides da Cunha na cidade?  Nada menos que intendente, ou seja, o vereador encarregado da administração municipal, antes de ser criado o cargo executivo de prefeito. Isso quer dizer apenas que a instituição pública local que prestigiou Euclides na sua dupla faceta de engenheiro e de escritor foi a Câmara. No entanto, durante décadas, as comemorações euclidianas se fizeram sem a mínima participação da Câmara, assim colocada à margem  do maior acontecimento cultural da cidade.

            Para pôr fim a essa anomalia histórica, foi que se propôs delegar à Câmara a permanente tarefa de realizar a 9 de agosto sessão solene de abertura das Semanas Euclidianas. E assim foi feito nos últimos vinte  e cinco anos, com maior ou menor acerto na montagem da programação. Pensou-se como indispensável que na cerimônia inaugural de cada Semana alguém falasse sobre  a vida e a obra de Euclides. Que alguém falasse não com a finalidade de mostrar erudição, mas de fazer chegar ao povo, de modo claro e didático, as razões pelas quais a cidade não poderia deixar de homenagear seu mais ilustre filho adotivo.

            Como houve muitos acertos, ocorreram também erros no desenvolvimento dessas sessões, que de uns tempos para sofreram visível esvaziamento de público, em especial porque muitas das palestras que deveriam ser leves, de divulgação popular do euclidianismo, acabaram transformando-se em maçudas e sonolentas exposições, cujo conteúdo teria melhor cabimento nas áreas mais avançadas do Ciclo de Estudos Euclidianos.

Daí a razão principal de se estabelecer que, a partir deste 2004, a sessão solene de 9 de agosto se destinaria à entrega de diplomas de mérito euclidiano e outras honrarias de algum modo ligadas à cidade, à vida local. Foi o que aconteceu, realmente. Na feliz conjunção de serem homenageados com o Diploma de Mérito Euclidiano o escritor Francisco Marins, autor de A Aldeia Sagradalivro que se constitui numa espécie de introdução à leitura de Os Sertões, e Rodolpho José Del Guerra, cronista da cidade, foi possível atingir-se o objetivo de se falar sobre Euclides, sobre sua vida e sua obra, sobre o efeito de seu estudo na vida de tantas pessoas. Nisso esteve a razão do visível agrado do numeroso público. Que não se perca de vista esse modo singelo e eficaz de nortear as comemorações anuais a cargo da Câmara Municipal. Certamente ainda serão lembrados muitos nomes de pessoas cultas, simples e verazes que discorrerão com igual capacidade sobre assuntos que interessem de verdade ao público que deverá retornar às dependências de nossa casa legislativa a cada 9 de agosto.

Eu mesmo participei com emoção e prazer da cerimônia, em que, além de improvisadas considerações sobre minhas ligações com euclidianos e com o próprio euclidianismo, li o texto abaixo:

 

            É bom estar aqui.

            É bom ver quem está aqui.

            É bom saber por que se está aqui.

            Momentos como este são irrepetíveis e merecem a mais ciosa guarda no mais profundo da alma.

Momentos como este dignificam o trabalho de vidas inteiras – comunitários, despojados, graciosos.

Momentos como este conferem um sentido de coerência a lutas particulares que acabam repercutindo no ânimo coletivo.

Sem vanglória, algo bem aqui dentro confirma que, embora não esperada, esta homenagem tocante como poucas se assenta  na verdade de longa carreira euclidiana, que se confunde com longuíssima carreira de ensinar e de escrever. Euclides pelo Brasil. O Brasil por Euclides. A língua portuguesa como expressão sensível da Pátria. Esta cidade como indelegável missão de preservar, cultuar e difundir.

Obrigado a todos quantos me aplainaram os caminhos até aqui; a quantos vêm compartilhando comigo, de tantas maneiras, este luminoso instante, que vivo em sincera emoção.

Esta palavras proferi neste recinto a 9 de agosto de 2002, no recebimento do Diploma de Mérito Euclidiano.

Não poderia, mesmo, imaginar que exatos dois anos depois, aqui estivesse novamente para receber o mais alto Diploma  que esta cidade oferece a seus filhos de nascimento. Assim é: entro para o rarefeito rol dos agraciados com o título de Cidadão Emérito, graças a uma iniciativa do vereador José Roque Rueda, referendada pelo Plenário desta Câmara.

Vêm-me passando pela memória cenas da vida que me levaram a grata conclusão: sou um santo de casa que tem feito milagres,  o maior deles talvez o de ter podido conciliar aspirações universais com preocupações bairristas, paroquiais. A pequenez aparente da cidade nunca me abafou; a grandeza das oportunidades de vencer em terras distantes nunca me fez desviar de um objetivo a um tempo simples e difícil: viver aqui, sentir-me bem aqui, junto a quem eu amo e fazendo o que sempre almejei no campo pessoal, familiar, profissional, cultural. É milagre dos grandes, creiam todos.

É grato rememorar o que o Prof. Hersílio Ângelo me escreveu quando, num longínquo 1983, eu me aposentava no magistério público estadual: “Não pare de trabalhar. Não se acomode. Você combateu um bom combate, masoutros que travar. Você muito pode fazer”.

Digo-lhes que nestes mais de vinte anos decorridos muito tenho trabalhado, muitos e bons combates tenho travado, a ponto de me julgar digno de me apropriar do belo título do livro autobiográfico de Pablo Neruda: Confesso Que Vivi...

Mais quero trabalhar, mais quero  fazer-me útil a esta cidade, a nossa gente.

Intensamente quero viver a legenda de cada dia, se Deus me permitir.

Muito obrigado a todos.

São José do Rio Pardo, 9 de agosto de 2004.

 14/08/2004
(emelauria@uol.com.br)

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