Dos leitores
Minha vontade é começar este texto com um juízo de valor emitido há séculos pelo escritor latino Terenciano Mauro: “O destino de cada escrito depende do alcance de seus leitores”. E de fato, comecei. Comecei, mas ressabiado com meu constante, alerta e crítico leitor, José Luís Nóbrega, aquele advogado que ergueu lá no finzinho da Francisco Glicério um verdadeiro templo votivo à cultura jurídica. Com ele, nada escapa. Tenho certeza de que, a esta altura, ele deve estar resmungando entre dentes: - Puxa! Outra vez? Ele usa essa frase desde seu primeiro livro, que é dos meados do século passado! É verdade, exageros dele à parte. Lá está a frase no finalzinho de Tempo & memória, que é de 1986. Prezo muito essa vigilância de J.L. Nóbrega, que sabe muito mais do que eu dos meus próprios escritos, de suas repetições, adaptações e atualizações. Leitora tão atenta quanto ele só me lembro de uma: Amélia Franzolin Trevisan, que guardava (com anotações!) tudo que eu publicava. Não me esqueço, é claro, de Zezé e Ana Teresa Frigo, que me forneceram há pouco tempo todos os textos do “Calidoscópio” publicado na “Gazeta do Rio Pardo” no milênio passado. Por isso, pude fazer uma condensação de seus principais assuntos e lhes dar um toque de atualidade. Também tenho vontade de reafirmar, como o fiz há muito tempo com o artigo “Para que(m) escrevemos?”, que quase sempre escrevemos para nós mesmos, mas ficamos satisfeitos quando alguém, por escrito ou de viva voz, faz comentário pertinente. Não precisa ser elogioso, mas pertinente. Para satisfação minha, não têm faltado, através desses tantos anos de constante escrever, palavras amigas de solidariedade, estímulo, críticas quase sempre benévolas. Conservo muitas dessas observações, originárias de pessoas, como eu, preocupadas com problemas que envolvem o Brasil, nossa cidade, a educação, a língua, a cidadania. Tomo um e-mail que recentemente meu enviou meu amigo, vizinho e colega Valdir Ferreira, a propósito do artigo “Árvore sem raízes”: Márcio: Sua crônica transportou-me para o passado, especificamente para o tempo de estudos no IEE Euclides da Cunha. Vieram-me à mente expressões como "acusativo com infinitivo", "ablativo absoluto", "useiooum, iiorumisisos", "qui-quae-quod - cujus para os três" e textos de Fedro, César, Cícero, Virgílio, Horácio. No meio dessas lembranças, o caderno de Latim, com as folhas divididas em três colunas. Na primeira, as palavras do texto; na segunda, a análise morfossintática; na terceira, a tradução. Esse foi o rico legado do saudoso Professor Laércio, numa escola pública que realmente ensinava e cobrava. É triste ver a escola, o professor e o aluno de hoje. A escola, sucateada, virou um depósito de alunos que não podem ser cobrados. O professor, particularmente o de Língua Portuguesa, de modo geral malformado, não consegue entender o porquê de um pronome "se" ter a função de sujeito de um infinitivo ou explicar o gênero dos pronomes "isto, isso, aquilo". Falta-lhes a raiz que você retratou muito bem em seu texto. O aluno, por sua vez, apenas quer ser promovido. Nada exige além disso. Infelizmente, começaram a assassinar o ensino da Língua Portuguesa quando extinguiram o Latim, primeiramente do antigo ginasial, depois do colegial (Clássico). Em algumas Faculdades de Filosofia, o Latim, quando presente no currículo, é apenas uma "amostra grátis", nada mais. Parabéns pela excelente crônica.
Um abraço Dá para se notar que o texto de Valdir é enriquecedor, vai ao fundo das questões e se mostra muito mais incisivo do que o meu. A propósito do mesmo artigo (aliás, velha matéria atualizada, como descobriu o sempre atento J.L. Nóbrega), de outra especialista em língua portuguesa, Célia Mariana Franchi Fernandes da Silva, a rio-pardense que adora Caconde, recebi o belo texto que só transcrevo porque desobedeço a um natural impulso de discrição: Concordo! Belo memorial! Como estamos no tempo pascal, em que tudo reflete a ressurreição, a leitura de sua gesta inspirou-me o seguinte, que penso que você já sabe: quanto você tem de agradecer a Deus! E quanto é verdade o que diz o Eclesiástico: 'envelhece na tua profissão'! Não que você seja velho, porque o espírito não envelhece. E uma boa notícia: tudo isso que você fez, e também o que ainda fará, nesta vida, não será anulado na outra, mas redimensionado. O descanso eterno não é um tédio, é dinamismo perfeitamente prazeroso, sem o cansaço do dia. Não é lindo? Quanto à imprescindibilidade (chique, não?) do grego para o latim, penso que não é tanta. Santo Agostinho escrevia um senhor latim e nunca conseguiu aprender grego.
Abraços.
Nunca ninguém me havia dado com tanta certeza uma visão tão clara e intelectualizada do paraíso: lá se trabalha, sim, mas é um trabalho sem imposições nem fadigas. Fazer apenas o que se gosta não é trabalho, é lazer. Um paradisíaco lazer. Antônio Fábio Fornazaro, nosso brilhante conterrâneo há muito tempo radicado na Europa, sempre me agracia com seus agudos comentários sobre o que escrevo e me faz saber de suas preocupações com a língua portuguesa de aquém e de além-mar, cada vez com feições mais autônomas, ao menos em suas oralizações. Dele transcrevo uma breve frase, que muito me agrada: “Gosto muito da ausência de proselitismo e da intenção de elucidar e enriquecer – sempre a anos-luz do colocador de pronomes lobatiano – nos seus escritos." A partir de agora, passo a cometer a injustiça da omissão com tantos parentes, amigos, colegas e também desconhecidos que me fazem chegar suas impressões sobre textos meus. Elejo um deles como representante de todos. Márcio, muito obrigada pela interessante aula. Como eu também saí da escola no tempo dos faraós, aproveitei muito as recordações e atualizações. São muito úteis esses seus artigos, digamos, didáticos. Pena que os que ainda falam “para mim vim” provavelmente não leem jornais. Quem sabe a internet os atrai e aprendem alguma coisa... Obrigada e um abraço. Maria da Costa Manso Vasconcellos, de São Paulo. Ela é esposa do Dr. José Roberto Vasconcellos e mãe do Dr. Guilherme da Costa Manso Vasconcellos: ambos exerceram a magistratura em São José. Ela, leitora atenta, guarda ótimas recordações da cidade.
Encerro com o relato de episódio que realmente aconteceu na última segunda-feira: Estava eu caminhando ali pela praça central quando uma mulher, de seus trinta e poucos anos, me fez sinal que parasse e me perguntou se eu era quem ela pensava que fosse. E eu era. - Então quero lhe dizer que aprendi a ler jornal com seus artigos. Eu nem sabia o que dizer, ainda mais que me persegue certa fama de “escrever difícil”, mas ela confirmou: - É verdade, e eu lhe agradeço por isso. Eu é que lhe agradeci e fiquei pensando em como não há, mesmo, ações humanas sem consequências. Ainda bem que se tratava de uma boa série de ações, praticadas ao longo de muito tempo! Ah, fiquei sabendo seu primeiro nome: Sônia.
14/05/2011
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