ANTES
DOS
VERSOS
A Sr.ª Nelsy Lousada Brandão solicitou-me
que escrevesse a
apresentação do
primeiro
livro
póstumo de
seu
marido, Adelino Brandão. Tomei
conhecimento do
texto
em CD, fiz as
emendas
que
me pareceram necessárias e as
comuniquei à
família do
escritor.
Não constava do CD nenhuma
indicação
quanto ao
título
que seria
dado à
obra,
muito
menos
por
qual
editora seria
ela publicada.
Agora recebo
atenciosa
correspondência do
editor Martin Claret, de
São Paulo,
que
me
manda as
páginas
ainda
soltas do
livro (sairá
com o
simples
título de
Ondas) e o
pedido de uma
leitura
crítica
final. Provavelmente a publicação se
dará
ainda
em 2005,
com
obrigatório
lançamento
aqui
em
São José do
Rio
Pardo,
mais especificamente na
Casa de
Cultura Euclides da
Cunha,
entidade escolhida
como
depositária de
todo o vastíssimo
material euclidiano
que Adelino Brandão coligiu
com
tanto
empenho
por
mais de
meio
século.
A
seguir,
minha
pequena nota,
como figurará na esperada
nova
edição.
___________________________________________________________________
Desde
logo a
confissão de
furto: o
título desta
nota
introdutória foi usado
por Euclides da
Cunha
em
seu atualíssimo
prefácio a
Poemas e
Canções, de Vicente de
Carvalho,
em 1907.
A
inesperada
morte de Adelino Brandão, ocorrida a 21 de
novembro de 2004, interrompeu
brilhante
carreira de
educador, sociólogo,
jornalista,
ensaísta,
ficcionista.
Trabalhador
infatigável e
pesquisador
arguto, Adelino Brandão tem
lugar privilegiado na rarefeita
galeria dos euclidianos,
tais e tantas foram
suas
preocupações
em
torno da
vida e da
obra do malogrado
autor de Os
Sertões.
Que
eu
me lembre, Adelino
jamais deixou,
nos
últimos cinqüenta
anos, de
ter alguma
obra de
caráter euclidiano
em
andamento. A
última delas,
talvez, encontrada
quase
pronta,
aqui está.
Inata
vocação de
professor, Brandão
sempre quis
dar a
seus
escritos
um
caráter de praticidade
que aproveitasse a
todos,
especialmente aos
jovens.
Este, no
meu
entendimento, o
objetivo
primeiro deste
livro,
em
que se colige e explica toda
a
produção euclidiana
em
versos.
Não seria
este o
lugar
apropriado de se
fazer a
possível
distinção
entre
poesia e
verso.
Poesia, produziu-a
superiormente Euclides nas
páginas vibrantes de Os
Sertões
ou na
sua
notável
autobiografia
moral de “Judas-Ahsverus”,
inserta
em
seu
livro
póstumo À
margem da
História (1909).
Versos,
nem
sempre
com
carga
poética, fê-los Euclides
desde
tenra
idade,
até a
maturidade
plena.
Repositório
significativo dessa
incursão euclidiana
pelos
caminhos da metrificação e da
rima é
Ondas,
ainda
agora
objeto da
mais acurada
curiosidade
acadêmica.
Quando
presidente do
Grêmio Euclides da
Cunha, de
São José do
Rio
Pardo, tive
sob
custódia a
caderneta
com os
poemas
originais de
Ondas e vivi
um de
meus
grandes
momentos de
pura
emoção, de
que
já dei
notícia
em
meu
livro
Ensaios Euclidianos.
Foi no
manuseio e
detido
exame daquele
objeto de
dez
por quinze
centímetros, contendo 155
páginas numeradas a
mão e a
lápis.
Desde a
capa,
marrom
com
aspecto de
couro,
tudo faz
presente o
homem Euclides da
Cunha,
anterior e
superior à
glória,
como se
nem o
tempo
nem a
morte houvessem
posto
fim a
um
espírito
que,
em 1883 e 1884, povoou aquelas
páginas
com
demonstrações
matemáticas,
poemas e
sonetos,
exercícios de
autocrítica,
desenhos
geométricos e
figuras humanas.
Mal se
lê na
capa, no
alto, Euclydes
Cunha; no
meio,
Ondas, e ao
pé, 1883 –
Novembro e
Dezembro, dando ao
conjunto
um
nítido
aspecto de
livro,
um
livro
que o
adolescente Euclides gostaria
então de
ver publicado,
com as
primícias de
seu
talento.
Na
primeira
página, recoberta
por cerradas
demonstrações
matemáticas
feitas a
tinta, está lançado a
lápis 900$, possivelmente o
preço da
própria
caderneta
enquanto
coisa
comercial – novecentos
réis. A
última
indicação, uma
espécie de
conclusão, é “Formula
geral das
equações
ás differenças” e “ A
equação
ás differenças
só contem
termos de
grau
par”. O
anverso da
página apresenta-se
em
branco.
Na
seguinte, numerada
como 3, lê-se
Ondas, /primeiras
poesias -/de/ Euclydes
Cunha - / -
Rio de
Janeiro - / - 1883-, como
se
tudo estivesse
pronto
para a
impressão,
exceto a
inusitada
indicação 14 annos.
Mas
não é propriamente do
valor de
Ondas
que pretendo
falar:
como
bem ressaltou Manuel
Bandeira na
apresentação da
obra na
edição Aguilar da
Obra
Completa de Euclides da
Cunha (1966), “o
próprio Euclides teria
cedo reconhecido
que o
verso
não seria o
seu
apto
instrumento de
expressão
literária.
Tudo o
que
em
sua
alma havia de
belo,
forte e
ardente, de
poder transfigurador poético, está é na
sua
prosa
máscula,
um
tanto
bárbara, às
vezes,
mas
sempre
magnífica – na
prosa de Os
Sertões,
sobretudo.”
Chamou-me a
atenção,
isto
sim, a
injustiça
que Euclides cometeu
consigo
mesmo,
quando
anos
mais
tarde, relendo os
originais de
Ondas, lançou
breves e
contundentes
críticas ao
seu
escrito
inaugural. A
primeira
manifestação da
injustiça está
evidente na
dura
advertência
que
lança ao
longo da
primeira
contracapa, destinada a
um
eventual
leitor: “Eu
tinha 15 annos! Contem (=contém),
pois, a tua
ironia,
quem
quer
que sejas ---“
Na
página 3, retoma a
crítica, continuando
depois dos 14 annos originais:
“ de edade / Obsm. (=
observação)
fundamental
para
explicar a serie de
absurdos
que ha nestas paginas. / 1906 –
Euclydes “.
Evidente
que
nenhum
autor deixaria de
notar,
passados vinte e
dois
anos,
que a
sua focalização da
vida, a
sua
marca
estilística, a
sua
experiência
acumulada
lhe dariam
condições de
escrever “melhor”
ou ao
menos
diferente do
que o fazia na
sua
longínqua
adolescência.
Exatamente
por
ter
escrito
Ondas
em
tenra
idade (aos dezessete
anos, a
não
ser
que 1883 seja tomado
apenas
como a
data da
compilação e
passagem a
limpo de
poemas produzidos
em
diversos
anos
anteriores), é
que Euclides
adulto haveria de,
quando
menos,
nada
observar de
modo
assim
acre.
Para os
verdes
anos
em
que foram
escritos, os
versos de
Ondas
são
admiráveis,
tanto
pela
forma
cuidada
quanto
pelos
temas
que focalizam,
tudo exigindo
incomum
cultura e
acuidade de
seu inexperto
autor.
Quanto às outras
produções
em
verso abrigadas neste
livro
pelo
espírito euclidiano de Adelino Brandão, creio
serem tão-somente
versos de
circunstância
em
que Euclides,
em diversas
fases da
vida, exercitou
sua
capacidade de
escandir, de
rimar, de submeter-se,
enfim, aos
rigores das
leis da metrificação vigentes ao
tempo. O
essencial de
sua
mensagem ao
mundo está,
mesmo,
em Os
Sertões e
em algumas
páginas de
suas
obras ditas
menores.
Uma
palavra
final de
reconhecimento ao ingente
trabalho de
pesquisa
com
que Adelino Brandão,
em
notas de
rodapé, procurou
esclarecer os
leitores de
hoje,
pouco
afeitos a
figuras literárias, a metaplasmos, às
múltiplas
referências históricas e mitológicas,
tão
presentes nestes
textos euclidianos.
ADELINO BRANDÃO DISCURSANDO À
JANELA DO HOTEL BRASIL,
NUMA COMEMORAÇÃO DO EPISÓDIO REPUBLICANO RIO-PARDENSE (11 DE AGOSTO)
São José do
Rio
Pardo, 15 de
março de 2005
Márcio José Lauria –
ex-diretor da
Casa de
Cultura Euclides da
Cunha; ex-presidente do
Grêmio Euclides da
Cunha;
autor de
Ensaios Euclidianos,
Rio de
Janeiro,
Presença, 1987;
professor de
Teoria da
Literatura na
Universidade
Paulista – UNIP, câmpus de
São José do
Rio
Pardo;
presidente do
Conselho Euclidiano,
órgão de
assessoria à
Casa de
Cultura Euclides da
Cunha, de
São José do
Rio
Pardo.
14/05/2005
(emelauria@uol.com.br)
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