Para gente muito curiosa

 
Torre enquadrada

 

Seleciono cinco das particularidades de nossa última flor do Lácio, inculta e bela. São os tais idiomatismos:

1.      Infinitivo pessoal.

Só a língua portuguesa tem isso.  Amar eu, amares tu, amarmos nós, etc.

Uma frase como "É bom estar aqui" faz uso do infinitivo impessoal, ou seja, não se sabe quem deve estar. Já em "É bom estarmos aqui", sem dúvida o sujeito é nós. O infinitivo pessoal esclarece a frase.

O assunto é muitto complicado. Os primeiros estudiosos a tentar formular regras para seu uso foram o alemão Freidrich Diez e o português Soares Barbosa. Não conseguiram cercar o assunto.

Escrever sobre o uso do infinitivo é tarefa para muitos autores e muitos livros.

2. Futuro do subjuntivo.

Apenas o português tem essa forma verbal. Nos verbos regulares, o futuro do subjuntivo (conjugado com as conjunções se e quando) é igual ao infinitivo impessoal (nome do verbo); nos irregulares, deriva-se da 3.ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, menos o AM: se eu puder, se eu for, quando ele fizer.

3. Mesóclise.

É aquele tipo de sanduíche de verbo e pronome oblíquo, com pão dos dois lados e o salame no meio, quando o verbo está no futuro do presente e no futuro do pretérito: Dar-lhe-ei, far-se-ia, trar-nos-ão. Brasileiro não usa isso nem obrigado. Coloca pronome antes do verbo, e tudo bem!

4. Ditongo ão.

É comum que estrangeiros radicados por mais de meio século no Brasil ainda não pronunciem esse /ão/. Dizem algo parecido com /om/, /on/: macarron, violon. Curaçau, nome de ilha holandesa do Caribe, é bom exemplo dessa dificuldade. O nome original é o termo português curação (ato de curar).

Conta Érico Veríssimo que, nas guerras entre portugueses e espanhóis, no sul do continente, quando se tinha dúvida se alguém era mesmo brasileiro, mandava-se pronunciar religião. Além das diferenças de pronúncia dos sons do r, l e g, se não proferisse direitinho o ditongo /ão/, não era brasileiro.

5. Saudade.

Parece que nenhuma língua tem a palavra exata para traduzir esse profundo sentimento. O francês souvenir, o espanhol recuerdo, o inglês longing, o italiano ricordo estão longe de expressar a nossa saudade, do latim solitate, através das formas arcaicas soidade e suidade.

 

CHOVERAM INSULTOS E MÚTUAS ACUSAÇÕES

José Alberto, Pedro Lúcio e Claudinha têm a mesma opinião: a frase está errada.

Engano ledo e cego, como disse Camões.

Está corretíssima. Verbos que exprimem fenômenos naturais, como chover, nevar, ventar, gear, são chamados impessoais, não têm sujeitos. No entanto, se empregados em sentido figurado, passam a tê-los.  É o caso da frase acima. Choveram está corretamente empregado no plural porque insultos e mútuas acusações é o sujeito da oração, e o verbo não está exprimindo nenhum fenômeno meteorológico.

Esses verbos impessoais, assim como haver e fazer em sentidos específicos, são um caso sério, mais ainda porque transmitem sua impessoalidade aos verbos auxiliares:  Vai fazer dois anos que ele morreu; deve haver leis sábias e justas.

Pessoas que dizem fazem dois dias que ele não vem ou deviam haver outras oportunidades, caem numa armadilha gramatical chamada hiperurbanismo, ou seja, têm tanto medo de errar, que corrigem até o certo.

Observem-se estas frases, todas corretíssimas:

Doenças haja, que remédios não faltam. > Doenças existam.

Haverá choro e ranger de dentes.  > Ocorrerão...

Fazem anos hoje as seguintes pessoas.  > Completam...

Sempre houve injustiças no mundo.  > Existiram...

Eles se houveram muito bem nas provas.  > Comportaram-se.

 

VERBOS

COMPLICADÍSSIMOS

Tanto em português, quanto em espanhol, francês e italiano, conjugar verbo é tarefa das mais ingratas. Muita coisa remonta ao latim e outro tanto depende mesmo de memorização, coisa que as escolas modernas não estimulam.

Eu vou, vós ides. - Eu venho, nós vimos - Eu pude, ele pôde. - Eu vejo, eles veem. -  Eu venho, eles vêm...

Da 3.ª pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo são derivadas outras formas verbais: mais-que-perfeito do indicativo, futuro do subjuntivo e imperfeito do subjuntivo. Complicado? Você ainda não viu nada. Tente acompanhar:

Ver>viram; vir>vieram; poder>puderam; ter>tiveram; fazer>fizeram. Daí:

VIRAM

- sem o m = eu vira (mais-que-perfeito)

- sem am =  se eu vir (futuro do subjuntivo).   

- sem ram + sse = se eu visse (imperfeito do subjuntivo).

Looogo: Se você VIR nosso amigo...

Estas derivações são infalíveis, servem para todos os verbos.

Portanto, confira: se você vir (de ver); se você vier (de vir); se ele mantiver (de manter); se ela puder (de poder); se alguém supuser (de supor). Ufa!

Observe estas formas bem conjugadas:

Eu não intervim no caso (de intervir). Eles descreem de tudo (de descrer). Será que os homens provêm de outros planetas? (de provir). O pai provê as necessidades da casa (de prover). Venha quando lhe convier (de convir).

*

Hoje a dose foi para elefante, mas eu tinha mesmo de atender a essas questões formuladas em diferentes datas por diferentes pessoas.

 

14/04/2018
(emelauria@uol.com.br)

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