Acertando o passo

 

O artigo da semana passada, “ Pedidos constrangedores”, rendeu-me ainda uns bons contatos pessoais e boas risadas.

Uma senhora, muito amiga de minha falecida mulher, encontrou-se comigo na rua e me deu uma facada que eu pensei fosse verdadeira:

- Você poderia me emprestar uns vinte mil reais  para eu trocar de carro?

Eu não sabia o que responder, até que ela me aliviou:

- Brincadeirinha, viu? Só estou lembrando o seu texto.

*

Um sujeito me viu chegando de carro e logo me abordou:

- Que chuva boa, hem?

Estou cansado de saber qual a função das mudanças de tempo nas conversas moles.

- Nem diga...

- O senhor tem um real para eu tomar uma cachacinha?

- Um real?

- Um real, só um real. Não aceito mais que isso, porque só quero  abrir o apetite.

Tive certa dificuldade em achar a moedinha de um real, mas acabei satisfazendo o estrito desejo do comedido senhor.

*

Outro me pede pelo interfone alguma coisa para comer.

- Não serve uma moedinha?

- Desculpe, mas não serve. Estou só com fome.

Arranjei-lhe um quibe daqueles bem sacudidos, comprados no supermercado, no valor de uns  três reais.

O homem saiu satisfeitíssimo. E eu também fiquei. Matar a fome alheia leva aos céus.

*

Alguns quiseram saber quem era o amigo envolvido na enrascada com mulher no meio e quem era o Márcio Thomaz Bastos  local. Não posso responder a esse tipo de pergunta, mesmo porque meu gênero é aproveitar fatos e não fazer história documentada. Só posso dedicar aos dois personagens  um verso de Manuel Bandeira:  Estão todos dormindo, dormindo profundamente.  Que descansem em paz e se tornem amigos no além.

*

Sim, é verídica a história do meu amigo que pressentiu a morte e tomou providências para seu próprio velório e sepultamento. O túmulo dele, alto e revestido de mármore branco, está bem próximo à capela do cemitério. Vá lá e confira, se duvidar de mim.

***

No artigo “Chapeuzinho vermelho, a velhice e o advogado” (29/11) , um leitor curioso quer saber por que eu disse que se usa chapeuzinho quando o correto seria capelinho? Vai-se saber, respondo eu. São dessas impropriedades da linguagem, quase sempre frutos de falsas analogias. Capelo  é sinônimo de capuz, protetor de cabeça. É também parte da vestimenta de doutores em Direito em atos solenes.

*

Das frases a respeito da velhice, duas foram as campeãs na preferência de atentos leitores:

- A idade não é pretexto para que se fique velho;

- Juntar vida aos anos, e não anos à vida.

É isso aí.

***

Um e-mail generoso de Celinha Franchi, uma leitora que todos pedem a Deus:

 RESSONÂNCIAS DE LEITURA, FEITA EM ORDEM DESCRONOLÓGICA, CONFORME AS PÁGINAS DO EMAIL.

 “O homem certo no lugar certo”: esperto, você ocultou o sujeito, hein? Segundo Sidnei Beneti, é um recurso euclidiano, para atrair o interesse do leitor. Li pouco ou nada de Ferreira Gullar, mas o poeminha dele que você transcreveu é lindo: profundidade na simplicidade. Parafraseando-o, saudade da ABL, esperança para o IHGSP.

 “Atenção redobrada”: não se escandalize, mas até hoje eu pronunciava fêniks. Alexandre, meu primogênito, engenheiro-literato, enciclopédico e de memória invejável, lembrou o discurso de Odorico Paraguaçu do “Bem amado”, mais ou menos assim: “ressurgiu, qual fênis”.

 “Quem me marcou” é uma delícia. Privei com quase todos os seus “privados”: seu primeiro ano foi em 1939, o meu dez anos depois... um tirinho de espingarda... no mesmo Cândido Rodrigues, “C R”, carça rasgada. Quem me desasnou foi também a dona Cândida, candura no nome, candura na pessoa. Por Dona Zita não passei, graças a Deus, porque tinha medo. Por falar em medo, Dona Laudelina tinha uma peculiaridade: ensinava “reprodução” de historietas ao pé da letra. Isto é: colocava as iniciais das palavras do texto na lousa, ia apontando-as com o “apontador” e fazia-nos repetir, até decorarmos; depois escrevíamos e ela corrigia. Seria apenas um treino de memória? Pelos frutos que eu colhi, penso que também desenvolvia a competência linguística. Quem sabe não seria uma solução para os escreventes atuais? Também passei pelo “Seu” Edésio, Dr. Abdiel, Vinício, Odilon, Juquita, Dr. Xexê, Germinal Artese (por que será que ele não me presenteou com um quadro quando eu me casei?), Laércio Barbosa (“maxima cum laude”) e o inesquecível, inigualável e aliciante Hersílio Ângelo, que ensinava sem ensinar. Na Escola Normal, fazíamos uma disputa de beleza entre o Itagiba e o Dr. Lilo; eu era pelo Dr. Lilo, que me dava mais bola ( a “Franchinha”...). Saudade, cf. Ferreira Gullar.

 “Deu num Caderno 2”: gostei do presente que H.A. sugeriu a sua namorada; é a cara dele e a sua, que ele provavelmente estava empenhando-se em moldar a sua imagem e semelhança. Quanto ao roubo da caneta do Graciliano, penso que deve ser descriminalizado; afinal, boas bibliotecas se formaram por esse processo.

 “Um ministro fora de moda”: puxa, você é um poço! Obrigada pelas informações sobre o Macedo não veiculadas nos manuais. Como o assediado da “Missa do galo”, também li com gosto a Moreninha. Tempos românticos, na vida e na arte...  

 “Miudezas da hora presente”: também gostei muito do filme “Getúlio”. Assisti no cinema e na Globo. Foi por causa dele que fui ao Rio em agosto e estive no Catete: queria ver o famoso quarto, o famoso pijama, o famoso revólver. Não sei se você já assistiu a um outro Getúlio, “O sargento Getúlio”, baseado no livro homônimo de João Ubaldo, com o Lima Duarte? Desencave da internet, porque é muuuito bom.

“Agosto – 13 a 16”: finalmente! Estou aguardando o desenvolvimento dos tópicos, no mesmo tom descontraído da palestra.

 

13/12/2014
emelauria@uol.com.br

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