Em busca de novos caminhos
Pouco ou nada mais haverá de novo para se falar sobre o desastre brasileiro a que um mundo atônito assistiu no Mineirão, a 8 de julho de 2014. Se a derrota em si frente aos alemães já seria decepcionante mesmo por uma contagem esportivamente aceitável, aquela sonora goleada não figurava nas aspirações de ninguém, nem mesmo do mais fanático catarinense de Blumenau ou no mais antibrasileiro hermano argentino. Sete a um é contagem própria de disputas amadoras em campinhos de terra batida e metas improvisadas, não nas modernas arenas erguidas conforme os rígidos ditames do padrão FIFA. Comparação inevitável com o maracanazo de 1950, quando um poderoso e autoconfiante Brasil sucumbiu perante o valente Uruguai à vista de cento e cinquenta mil boquiabertos assistentes e alguns milhões de surpresos radiouvintes. No mineirazo de terça-feira passada, além dos sessenta e tantos mil presentes, o mundo todo estava de olhos e ouvidos atentos, com certeza algo acima de dois bilhões de telespectadores brindados com imagens fantásticas, de um realismo de espantar. Muito mais do que a outra vez adiada conquista do hexa, a derrota brasileira em Belo Horizonte mexe fundo com a alma nacional, porque foi estimulada por todos os meios e por muitos meses a tentadora ideia de que não era um time de futebol que estava na disputa, mas o Brasil como um todo – jogadores, comissão técnica, mídia, governo, finanças, indústria, comércio, agricultura, homens, mulheres, crianças, ricos e pobres. Um evento esportivo cuja vitória, dada como certa, ganhou ares de salvação nacional. Por certo que estudiosos da antropologia social, da sociologia comportamental discutirão por muito tempo todos os fatores, todas as causas, todos os incidentes que levaram a seleção brasileira de futebol a ter um apagão, a se apequenar, a se desmerecer naquele leal confronto com os calejados alemães, orgulhosos de seu evidente poderio, mas escaldados por pesadas lições da história em eventos gloriosos/vergonhosos que fizeram tão contraditória a própria vida da principal potência europeia dos dias atuais. Hoje, ainda no calor da hora, já é possível detectar evidentes sinais de que o Brasil se portou muito mal na Copa de 2014, só não tendo sido eliminado precocemente da competição por fatores alheios à real capacidade de luta da equipe montada pelo agora execrado Luiz Felipe Scolari. Portador de brilhante currículo esportivo internacional, ele é dos raros técnicos de sucesso em mais de um país: o mesmo quarto lugar, tão desprezado pelos brasileiros, é a mais alta conquista do selecionado português em toda a sua existência. Conseguiu-o sob a liderança do mesmo Felipão. E foi o agora desacreditado técnico quem levou o Brasil ao seu quinto título mundial – o conquistado no Japão/Coreia em 2002. Quem não se lembra, com friozinho na barriga, das inesperadas preocupações que os brasileiros viveram ante as fracas atuações de seus craques, tão incensados, em jogos que poderiam ser considerados fáceis? Desde a estreia contra a Croácia, apenas um pênalti muito contestado, que deu o que falar em matéria de isenção do árbitro, abriu o caminho da vitória brasileira. Depois, o sofrido empate contra o México, ainda na fase classificatória da competição. Imaginaram o vexame que seria tão inesperada desclassificação do Brasil? Patrocinador da Copa e desde logo fora dela... Nas oitavas de final, o drama terrível, o descontrole psíquico que se viveu para superar o valente Chile na cobrança de penalidades, quando o goleiro Júlio César se redimiu de falhas passadas e o travessão impediu o pior: o Brasil expelido da Copa. O que os jogadores brasileiros choraram dentro e fora dos gramados foi claro índice de instabilidade emocional, de nervos em frangalhos.
E a epopeia que foi superar a Colômbia com seu futebol ágil e moderno, com seu centroavante galã, o James, de nome inglês pronunciado como se escrito com erre? Em suma: o Brasil correu primeiro o risco de ficar fora da lista dos dezesseis participantes que se classificaram em primeiro ou segundo lugar nos oito grupos. Também por um triz se colocou entre os oito das quartas de final. Sofreu para alcançar uma das quatro vagas das semifinais. Com um pouquinho menos de sorte (segundo a versão oficiosa) ou com um pouco menos de auxílios externos (versão maliciosa), o Brasil não teria chegado aonde chegou. Não há como fazer retornar a roda dos dias vividos: o Brasil está fora e, no momento em que escrevo, acabo de saber qual o adversário na disputa do terceiro lugar, neste sábado, em Brasília: será a fria e poderosa Holanda. Sei, desde já, que pelos critérios vigentes no País, tudo que não seja o primeiro lugar em futebol pouco vale. Parece que o lema de nossas pretensões futebolísticas é derivado da frase histórica que Pedro I teria proferido às margens do Ipiranga: Independência ou morte! E na linguagem do futebol: Campeão do mundo ou nada! Como de tudo é sempre possível tirar bom proveito, o que a nação brasileira deve esperar das amarguras vividas em junho e julho de 2014 é que se perceba em todos os setores da vida nacional que por mais importantes que o futebol e Neymar sejam na vida de tantos, o Brasil tem outras e prementes prioridades; precisa mudar, com urgência e de verdade, em muitos outros itens: educação, saúde, moradia, transporte público, PIB em alta, estabilidade de preços, para se dizer o mínimo. O país está perdendo o trem da história, parece estar sem gás para progredir. Que desta Copa de tantos e surpreendentes acertos na recepção a estrangeiros, na disciplina dos estádios, dos transportes e dos lugares públicos, na manutenção da ordem e nos atendimentos emergenciais, sobrevenham outras mudanças que ajudem a não mais se confundir esporte com pátria, futebol com política, vitória com corrupção, compromissos de entidades privadas passando à responsabilidade do poder estatal. Sim, porque esta Copa, além de sumidouro do dinheiro público, favoreceu o enriquecimento ilícito, a promiscuidade de esportistas e políticos e a prática da imoralidade de pôr a Pátria a serviço de grupos, de interesses econômicos privados, de propiciar vantagens eleitorais sem conta.
12/07/2014 |