De portas fechadas

 
Gildo, Baptista, Batistinha e eu.

 

Não foi surpresa para mim o fechamento da banca de jornais e revistas do velho amigo Baptista Folharini. Não era de hoje que ele e seu filho Batistinha se queixavam da grande redução das vendas, causada não apenas pelas mudanças de hábitos das pessoas, mas também pela própria localização da loja e pela inexorável passagem do tempo.

Antes instalado em pontos favoráveis  da cidade, o nosso Centro Cultural era de fácil acesso e bastante convidativo à sua predominante clientela feminina e de homens já maduros em idade. Sua mudança para a Rodoviária fez com que, seja pela distância, seja pelo desconforto, muita gente deixasse de cultivar o hábito-obrigação de dar um pulinho até lá.

Grandes amizades e amáveis convívios tiveram origem no CCBF, que virou ponto de encontros diários para um bom número de pessoas: lá sempre havia alguém disposto a um papo, a um comentário, a uma observação sobre os mais variados assuntos.

Já faz um bom número de anos que mandei confeccionar uma plaqueta com a inscrição Centro Cultural Baptista Folharini, usando de propósito um tipo de letra manuscrita que permitia, com certa imaginação, ler também  Antro Cultural, para deixar bem claro que ali cabia perfeitamente um comentário meio ferino, uma observação um tanto maliciosa, um caso relatado com um grãozinho de sal, até com desrespeito à verdade sem graça e sem imaginação. Só era proibido alguém precisar de mais de noventa segundos para dar seu recado.

Durante um bom tempo, minhas idas ao Centro/Antro eram diárias, ainda mais que podia ter a certeza de lá me encontrar com Gildo Bertocco, com  Mário Maríngolo, e com outros poucos infalíveis. Faço destes dois confrades os melhores representantes de tantos sobreviventes ou já convidados para a grande e final viagem.

O elemento que aglutinava pessoas  de formação e atitudes tão diferentes sempre foi o próprio Baptista, inteligência vivaz,  dotada  de senso de humor e grande capacidade de representação cênica. Não há, dentre os frequentadores assíduos, quem não tenha rido pela décima vez da mesma história contada pelo Baptista, com suas inflexões de voz, com seus gestos teatrais e suas inovações em cada narrativa. Provoco uma rememoração que só alguns compreenderão: a sempre repetida história do pedreiro que consertava calçadas num bairro afastado. No calor da tarde, ele ia tomar água de uma torneira qualquer, quando... Paro por aqui.

Ultimamente minhas idas ao CCBF não coincidiram com as do primo Gildo.

Quem sempre estava por lá era Sigmundo Gargitter, leal amigo de Baptista e por certo um dos que muito sentirão o fechamento da loja. Aos sábados, eu notava a constante presença de José Fecchio e Roberto Chaim.

Faço votos de que Baptista se acostume bem com a aposentadoria desfrutada junto com sua unidíssima família e que dê um jeito de, vez por outra, reunir amigos do CCBF para colocar os assuntos em dia.

Conta-me Batistinha que, por onde anda, tem recebido dezenas de interrogações: "Por que fechou?"

E a conclusão também repetida: "Ele é um exemplo, vai fazer falta na vida da cidade".

Não posso deixar de citar: Baptista e seu falecido irmão Luís foram meus colegas de classe no Grupo Escolar Dr. Cândido Rodrigues, isso faz mais de setenta anos.

 

Rio-pardense ou riopardense?

O uso do hífen é uma das muitas armadilhas da língua portuguesa. Para dizer a verdade, não só o uso, mas também a grafia: hífen leva acento porque se encaixa entre as palavras paroxítonas terminadas em l, n, r, x e ps: túnel, abdômen, éter, ônix e bíceps. Já hifens não leva acento porque não mais termina em n, como no singular. Termina em ns, que dispensa o acento, como em viagens, origens, ordens...

O sistema ortográfico decorrente de acordo  de 1990 e de vigência não pacífica em diversos países  que têm  o português como língua nacional, mexeu profundamente com esse enigmático tracinho que causa tanta confusão na cabeça de muitos.

Exemplos de palavras que perderam o hífen: lua de mel, pé de moleque, pó de arroz, fim de semana, general de brigada.

Mantiveram o hífen os nomes de animais e de vegetais: erva-de-santa-maria, coco-da-baía, canário-do-reino, aranha-caranguejeira, macaco-prego, sabiá-laranjeira...

No caso da palavra que dá origem a este artigo, o uso do hífen foi regulamentado no distante ano de 1943 e desde então não sofreu nenhuma modificação.

 O  correto é escrever-se rio-pardense, como se explicará mais abaixo.

 Apesar disso, as dúvidas persistiram  porque o texto legal estabelece que as pessoas e os estabelecimentos que foram registrados de outro modo, podem manter a grafia original. Quem foi registrado como Christovam, não deve (nem pode) escrever da maneira correta: Cristóvão. Nome de pessoa se escreve como está na certidão de nascimento.

A  Associação Atlética Riopardense, fundada em 1930 e assim registrada, não precisou mudar a grafia de seu nome. E por causa dessa brecha legal, muitos outros estabelecimentos foram posteriormente à lei de 1943 registrados com grafia errada. É o caso da Padaria Riopardense, do Clube Riopardense de Pesca, da Associação Riopardense de Professores Aposentados, entre outros. Que fazer? Penso que nada.

E por que rio-pardense? Porque este adjetivo indica algo relativo a Rio Pardo (duas palavras). É o que acontece com casa-branquense, são-joanense, são-paulino, vargem-grandense, sul-americano, mato-grossense, ribeirão-pretano, cruz-maltino, poços-caldense. Nem é preciso dizer que muito casa-branquense, muito são-paulino não sabem disso nem aceitam isso...

Também pouca gente sabe que rio-pardense  é o adjetivo pátrio  referente não apenas a quem nasce ou mora nesta nossa amada São José do Rio Pardo. Dividem esta palavra conosco mais três cidades brasileiras: Rio Pardo (Rio Grande do Sul), Rio Pardo de Minas (MG) e Ribas do Rio Pardo (Mato Grosso do Sul). Nem é preciso dizer que também por aquelas bandas a grafia rio-pardense causa estranheza.

*

A  pedido de Nelson Capitelli, este pequeno artigo foi escrito especialmente para o Jornalzinho, uma das boas surpresas da imprensa de nossa cidade. Diversas pessoas vieram comentá-lo comigo, merecendo especial referência o telefonema da querida amiga e colega Prof.ª Nair Gonçalves Raddi, que me fez recordar um detalhe  importante. Diz ela que quando foi providenciar o registro da ARPA, entidade que reúne os professores aposentados,  da qual ela foi a primeira presidente, antes me consultou exatamente sobre a grafia correta do adjetivo rio-pardense... Eu não me lembrava de nada disso, mas fico muito satisfeito em saber que nossa atuante entidade  começou bem em tudo, desde a escolha de bons dirigentes,  até a correção na grafia do nome.

Dando retorno

É sempre estimulante saber que o que se escreve encontra boa acolhida entre os leitores, tanto do DEMOCRATA, quanto do saojoseonline, onde Heber Luís Nogueira Fontão dá especial destaque aos meus escritos, quanto ainda de minha página do facebook, criada e mantida pelo neto Fernando Lauria Darcie. Também repercutiu de maneira até inesperada a colaboração fotográfica que enviei à Gazeta do Rio Pardo, para a edição comemorativa do aniversário da cidade.

No caso especial do artigo "De bis a bis", em que comento a feliz circunstância de eu ter tido contato com sete gerações de   familiares, muitos parentes se manifestaram por todos os meios e apreciaram meu trabalho de levantamento genealógico.

Não posso deixar de colocar em evidência a constância e oportunidade dos comentários dos bons amigos, não parentes, como Antônio Fábio Fornazaro (Londres), Everton de Paula (Franca), Heloísa Bandeira (Rio de Janeiro), Márcia Cônsolo (Campinas), Douglas L. Corrêa (Sul de Minas),  Antônio Carlos Fernandes (Piracicaba), Maria Vasconcellos (São Paulo), Luiz Vicente Pellegrini Porto e Maria Olympia Guimarães, ambos de nossa cidade.

 

12/04/2014
emelauria@uol.com.br

 

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