Histórias pouco exemplares
PRESTÍGIO MÉDICO Esta me foi contada na sauna e dada como fato verídico. Um sujeito, muito conceituado em cidade vizinha à nossa, morreu de repente. Teve velório sentido e sepultamento muito concorrido. Terminada a cerimônia do enterro, o coveiro tratou de refazer a parede da sepultura familiar, que havia sido perfurada para a entrada do caixão. Logo que iniciou o trabalho, pareceu-lhe ouvir um barulhinho vindo lá de dentro do túmulo. Procurou não dar maior importância àquilo e continuou trabalhando. E o barulhinho aumentando, aumentando. Então o coveiro achou melhor retirar o caixão de seu lugar e localizar a fonte do barulho, que se transformou em barulhão, em fortes pancadas, em desesperados gritos de socorro. Aí o coveiro abriu o caixão e lá de dentro surgiu a cara apavorada do defunto, que se pôs sentado e logo explicando aos berros: - Não estou morto! Não estou morto! Tire-me daqui! O coveiro, com a calma de profissional experimentado, nunca tendo ouvido falar em catalepsia ou morte aparente, segurou firme no cabo da enxada, mirou bem o alvo e deu uma bela enxadada na cabeça do legalmente morto, dizendo: - Como não está morto? Fica bem quieto aí, rapaz! Você quer saber mais do que o Dr. Roberto?
MORTE TOTAL Na fria manhã de maio, bem cedinho ainda, o ajudante de pedreiro estranhou o belo estojo de metal colocado junto ao lixo da casa tão bem tratada. Abriu-o e se espantou: lá dentro, bem organizados, os muitos petrechos de pesca – duas varas metálicas de desmontar; anzóis e chumbadas; carretilhas e linhas de náilon; iscas artificiais, lanterna, canivete e tesoura de cortar ferrão. Um belo achado, não havia dúvida, mas o rapazinho não queria confusão por cima dele. Sabia como são essas coisas achadas na rua. De repente, viram furto ou crime pior ainda. Criou coragem, apertou a campainha da casa e aguardou com paciência. Ninguém. Outro toque, nova espera, e nada. Terceira e última tentativa. Então aparece no peitoril do terracinho lá em cima uma senhora de seus cinqüenta e tantos anos. - Bom dia, dona! - Bom dia. Pois não... - É que achei aqui em frente a sua casa um estojo com material de pesca. Quero saber se... A senhora nem lhe deu tempo de terminar: - Pode ficar com tudo isso aí. Fui eu que pus esses badulaques no lixo. E se retirou do terracinho, nem dando oportunidade para agradecimentos. Ele tratou de cair fora dali, carregando consigo a valiosa caixa carregada de coisas de primeira, de muito valor. Acho que ele jamais ficou sabendo da história toda: a mulher, cansada das pescarias reais e figuradas do marido, desfez-se de muitos outros objetos que só tinham valor para ele. Agora, morto, ele com certeza não precisaria daquela tralha toda, símbolo de atividades mais que detestadas por ela, pessoa de fino trato e de ótima família, casada com aquele sujeitinho vulgar, apesar de todos os conselhos e advertências de parentes e amigos. Se ele não iria mais fazer uso daquilo tudo, muito menos ela. Ao lixo, pois.
PARA O ALBERGUE NÃO! Era naqueles afastados tempos em que os funcionários recém-nomeados ou removidos passavam grandes apuros por causa do atraso de meses na transferência das ordens de pagamento. E assim chegou à tradicional escola estadual um novo professor de Matemática, removido sabe-se lá de onde. No primeiro dia de exercício foi procurar o diretor do colégio e expor-lhe a sua delicada situação: - Nada conheço na cidade e preciso me alojar num lugar simples e barato, porque não sei quando o meu pagamento se regularizará. O diretor mandou chamar um funcionário dos mais antigos e pediu-lhe a sugestão do nome de uma boa pensão, limpa e de preço acessível. - Um bom lugar para o professor é lá no Ahlberg. O diretor achou boa a solução proposta e a transmitiu ao novato mestre: - É isso, você vai gostar do pessoal do Ahlberg. O professor ficou numa difícil situação: não queria contradizer o diretor, mas não agüentou: - Sr. diretor, tudo bem que minha situação está difícil, mas para o albergue não! É demais... Aí o diretor e o funcionário se deram conta do qüiproquó: - Não, não é albergue. É Ahlberg, nome da família de origem dinamarquesa que aceita pensionistas... A casa deles fica na Treze de Maio, esquina com a Rui Barbosa. E todos riram muito da boa piada que tinha surgido ali, sem querer.
ARTESENATO O semanário local publicara com destaque a realização da mostra de artesanato. Mas sabe como é: há certos lapsos de revisão que passam despercebidos ao redator, ao linotipista, ao revisor, a mil olhos, enfim. Ao invés de artesanato saíra artesenato. O Prof. Germinal Artese, sempre afiado na observação dos fatos, não poderia deixar de comentar o erro e argumentou com seus colegas: - Protesto! Não pode haver exposição de artesenato. O único Artese nato aqui sou eu! E eu não serei exposto em lugar algum...
PERSEGUIÇÃO DE BURROS Belo o carro do Prof. Hersílio Ângelo. Num tempo em que ter automóvel era privilégio, ser proprietário daquele Studebacker de frente arrojada e futurista, lembrando a ogiva de um foguete sideral, então, levava sempre a comentários inesperados. Ainda bem que, ao tempo, professor secundário merecia um belo ordenado. O ruim eram as estradas. Todas de terra, ora com poeira, ora com lama. E pior: sem conservação. A única rodovia estadual por estes lados ia só a São Sebastião da Grama. Tinha lá sua reta de uns quatro quilômetros, dita do Ataíde, e curvas, muitas curvas com altos barrancos laterais. É assim até hoje, mas asfaltada. Pois bem. Numa tarde em que o feliz proprietário do Studebacker se deliciava com um passeio em alta velocidade pela rodovia, chamada estrada do Governo, em uma de suas curvas saltou do barranco um burro, que, além do enorme susto ao motorista, provocou ainda amassados e arranhões no carro. Sabem como é: nada magoa mais um dono de automóvel do que ver agredido de qualquer forma seu objeto de desejo/estimação Dias depois do raríssimo acontecimento, estava o professor verificando as tarefas domiciliares de uma classe ginasial. Cobrou-a de um aluno, que lhe explicou: - O senhor me desculpe, mas eu não trusse o caderno... Todos ficaram ali na expectativa do anúncio de um zero ou da expulsão da sala daquele duplamente relaxado estudante. O professor manteve-se em silêncio, como que meditando por um tempo que pareceu uma eternidade. Por fim, sentenciou: - Santo Deus! Esta semana os burros me perseguem! E não aplicou nenhum castigo, nenhuma repreensão ao péssimo conjugador de verbos irregulares, que talvez nem tenha entendido o alcance da agressão verbal sofrida. OS BURROS ME PERSEGUEM!
12/04/2008
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