Do “Tempo
&
Memória”
(1986)
PALAVRAS DE
SEMPRE
O
consolo é
que
esse
tipo de
preocupação, guardadas as
distâncias, existiu
em todas as
épocas. Leiam-se
atentamente as
frases
abaixo
que reproduzo e veja-se
como é
possível
que
ainda
hoje
palavras multisseculares tenham
força e
atualidade
capaz de
traduzir o
pensamento de
milhões:
Os
nossos
jovens amam o
luxo, possuem más
maneiras,
fazem
troça da
autoridade e
não respeitam a
idade. Na
nossa
época os
jovens
são verdadeiramente
tiranos,
não
se levantam
mais
ante uma
pessoa
idosa e respondem
grosseiramente a
seus
pais;
são
insuportáveis. (1)
Não tenho
mais
esperança no
futuro de
nosso
país se
os
jovens de
hoje devem
ser os
dirigentes de
amanhã,
já
que
eles
são
insuportáveis,
inconscientes,
imorais e
até
espantosos. (2)
Nossa
época atravessa uma
fase das
mais
críticas. Os
jovens
não escutam
mais
seus
pais. O
fim do
mundo
não deve
estar
longe. (3)
Essa
juventude está
podre
até o
fundo do
coração. Os
jovens
são
maus e
preguiçosos.
Jamais poderão
manter a
nossa
cultura. (4)
(1) Sócrates,
400 a.C.
(2)
Hesíodo, 720 a.C.
(3) Um
sacerdote egípcio, 2.000 a.C.
(4) Inscrição
numa
ânfora da Babilônia, 3.000 a.C.
O
MAPA DOS
OBJETOS PERDIDOS
Era uma
vez
um
diamante na
moela de uma
galinha de
plumagem
miserável. Cumpria
sua
missão de
roda de
moinho
com resignada
humildade.
Tinha
por companheiras
pedras de
terreiros e duas
ou
três
contas de
vidro.
Por
causa de
sua
dureza, ganhou
logo má
reputação: a
pedra e o
vidro esquivavam-se cuidadosamente de
seu
contato. A
galinha desfrutava de
admiráveis
digestões,
porque as
facetas do
diamante moíam à
perfeição
seus
alimentos.
Cada
vez
mais
limpo e
polido, o
solitário girava
dentro daquela
cápsula
espasmódica.
Um
dia torceram o
pescoço da
galinha de
mísera
plumagem.
Cheio de
esperança, o
diamante saiu
para a
luz e pôs-se a
brilhar
com
todo o
fogo de
suas
entranhas.
Mas a
empregada
que abria a
galinha, deixou-o
correr
com
todos os
seus
reflexos
para a
água do
esgoto,
envolto
em frágeis
imundícies.
(Do
Confabulário, do
escritor mexicano Juan José Arreola)
A
ARTE DE
ENXERGAR
Falta de
assunto?
Não.
Falta de
necessidade,
falta daquele
mínimo
senso de
que
tratar desta
ou daquela
matéria faria
alguém
melhor
ou
mais
feliz.
Falta de
aplicação na
arte de
enxergar,
que
meu
amigo Elias José
tão
bem condensou
em:
Olhar as
coisas e
descobrir: o
avesso, o aviso, a
fenda, o
fundo, o
engenho, o
engano.
Olhar os
livros e
descobrir: o
claro, o
oculto, o
culto, o definível, a
dúvida, o decifrável.
Olhar os
amigos e
descobrir: o
afeto, o
aflito, o
fácil, o
afoito, a
manha, a
mão.
Olhar no
espelho e
descobrir: o
tempo, a
têmpera, a
marca, a
máscara, o
mesmo, o
outro.
Mas
isso
passa, bastando
que saibamos
fazer
como o
Pequeno
Príncipe –
deslocar
um nadinha
sua
cadeira
lá no planetinha dele e
usufruir
mais uma
vez do renovado
espetáculo de
um pôr-do-sol.
Não se irá ao
exagero da
fossa dele – duzentos e
não sei
quantos pores-de-sol
em
sessões
corridas;
porém uma ajeitadinha na
cadeira modifica
nossos
pontos de
vista e
nos oferece a
sempre
nova
alegria de
achar
outra
perspectiva.
É. Acho
que é
isso. O
problema passou a
ser de
perspectiva.
Escrever
sobre
coisas
batidas
sob
um
ângulo
novo.
OS
LIVROS
SEGUNDO PETRARCA (1304 – 1374)
Tenho
amigos
cujo
convívio
me é de
sumo
agrado. De todas as
idades e de
todos os
países, é
fácil
chegar a
eles,
porque estão a
meu
serviço e os admito
junto a
mim
ou os dispenso
quando
me apraz.
Nunca
são importunos e respondem
imediatamente a todas as
minhas
perguntas.
Alguns
me relatam os
feitos de
outros
tempos,
outros
me revelam os
mistérios da
Natureza.
Estes
me ensinam a
viver;
aqueles – a
morrer. Uns,
com
sua jovialidade, afastam
meus
cuidados, alegram-me o
espírito;
outros
me dão a
força de
alma e
me ensinam a
importante
lição de
contar
comigo
mesmo. Rapidamente
me abrem os
vários
caminhos de todas as
artes e de todas as
ciências, e posso,
tranqüilo, fiar-me de
seus
informes,
em todas as
circunstâncias.
Em
troca de
tais
serviços, exigem-me,
tão-só,
lhes
dê
habitação
condigna num cantinho de
minha modesta
morada,
onde possam
descansar
em
paz,
que a
estes
amigos
antes seduz a
calma de
um
sereno
retiro do
que os arruídos do
mundo.
REFLEXÃO
ACERCA DO IRREPETÍVEL
Em
Minas,
além de
Belo
Horizonte,
era
sábado à
tarde e ventava.
Estávamos
no
alto de
um
monte, a
cidade
lá
embaixo,
inesperada
em
sua
grandeza.
Do
lado
oposto,
um
campo.
Apenas
um
belo
campo dividido
por uma
cerca de
arame farpado, uma
árvore
em
primeiro
plano.
Era
inverno e ventava.
Além da
cerca,
além da
árvore, ondulava
um
capinzal
florido de
roxo.
Depois, o
desdobrar de
outros
campos, de outras
montanhas.
Guardamos
conosco a
fotografia do
campo delimitado
por uma
cerca de
arame farpado,
com uma
árvore
em
primeiro
plano, o
capinzal inclinado à
passagem do
vento.
Mas
certamente
não voltaremos àquela
paisagem,
que captamos
em
seu
exato e
efêmero
instante. Existiu
apenas
porque
era
sábado de
inverno e
porque estávamos
lá.
12/02/2005
(emelauria@uol.com.br)
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