Minhas memórias dos outros

  Está sendo interessante  coligir e comparar as impressões de tantas pessoas a respeito de meu artigo da semana passada – aquele em que falo de quem me ajudou quando eu era aluno ou  professor iniciante.

Houve quem corrigisse o nome que dei às professoras do curso primário, no Cândido Rodrigues  e à bibliotecária do Euclides da Cunha . Um dos meus correspondentes até me pergunta com certa impaciência:

- Você não sabe o nome de D. Laudelina?? Há até uma grande escola de bairro que a homenageia, e lá está: Laudelina de Oliveira Pourrat, e não como você escreveu...

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Então agora explico com toda a paciência: quis evidenciar como elas se assinavam ao tempo em que fui aluno. D. Laudelina já era casada, mas possivelmente ainda não havia apostilado seu novo nome, com a inclusão dos apelidos do marido, como rezava o Código Civil então vigente. Conheci o seu marido, o Sr. Abelardo Pourrat, que tinha um depósito de artigos dentários, era dirigente do Asilo Padre Euclides e andava pela cidade toda a bordo de charrete puxada por um cavalo. O casal teve dois filhos: Ubirajara, que estudava Odontologia em Ribeirão Preto, e a bela Fanny Ruth, um ou dois anos à minha frente nos estudos. Ubirajara e eu fomos amigos muito chegados, anos depois. Fanny casou-se bem jovem e sempre morou fora. Ubirajara morreu  moço. Seu filho Fernando, morto na flor da idade, tratou-me sempre com amizade e respeito, malgrado nossas grandes diferenças.

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Dona Cândida casou-se com um descendente de árabes, Sarkis Abichabcki, moreno  de bela estampa, juiz de futebol e depois técnico, com longa passagem pela  Associação Atlética. Tiveram dois filhos: Abílio, meu contemporâneo de escola, e Antônio Galvão, o Toninho, que foi meu aluno, casou-se com minha prima Lélia Scali, foi assistente de direção no curso de Educação Física de nossa Faculdade e morreu há uns dois meses. Abílio se foi há bem mais tempo.

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Dona Zita casou com Ismael Tobias, dono da Farmácia Tarquínio e primo de minha falecida mulher Marina. Fui professor  dos dois filhos do casal, Fernando e Tanaka, sempre  atenciosos e amáveis.

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Provavelmente Dona Isaura já era casada, quando me deu aulas no curso primário. O sobrenome do marido era Porto. A filha do casal, Maria Teresa,  já falecida, era amiga dileta de Marina. Fui professor de seus netos, por mais tempo de Heloísa, que fez um belo curso Clássico, exerceu fora de São José o magistério e até hoje  é dirigente no ensino particular da cidade.

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Dona Elza Toledo Leme casou-se com o Sr. Anthero  Machado, funcionário da Coletoria Estadual, então situada na Praça XV de Novembro, ao lado do belo chalé da família Oliveiros  Pinheiro. Hoje lá funciona uma sorveteria.  O casal teve dois filhos, um deles – Paulo Afonso, promotor de Justiça muito ligado às causas ecológicas. Perdi todo contato com a culta bibliotecária até que, décadas depois, tive a surpresa de vê-la  matriculada em curso  de nossa Faculdade.  Reencetamos a amizade e algumas vezes Marina e eu a visitamos  em Itapira, onde residia. Lembro-me de episódio incomum na vida de qualquer pessoa: a primeira tradutora de Os sertões para o francês, Madame Sereth-Neu, esteve aqui em São José na Semana Euclidiana de 1947, para proferir conferência. Foi saudada em francês por quem? Por D. Elza, que já se assinava Leme Machado. As voltas que o mundo dá... Seu texto foi incluído no hoje raro opúsculo Comemorações euclidianas de 1947, publicado pela Secretaria do Governo de São Paulo.

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Domingo, no restaurante, quatro pessoas comentaram comigo o texto da véspera. Uma delas me disse que eu havia esquecido o nome de alguns professores de nosso tempo de ginásio. Não esqueci. É que apenas fiz referência aos que de fato me marcaram. Outra emitiu uma observação que não deixa de ser verdadeira: do modo como falamos dos professores do passado, fica a errônea ideia de que todos eles eram bons... Pensando bem, alguns deles eram desprovidos de qualquer qualidade didática e dominavam mal e mal os conteúdos. Nós aprendíamos porque em nossas cabecinhas havia muito espaço ocioso, sem televisão,  celular e mais tipos de telinhas.  É, alguns eram duros de engolir, como aquele de Francês  que ensinava muito pouco e era desprovido do mínimo senso de justiça. E o de Inglês, de uma dura pronúncia que ninguém descobriu se era sotaque australiano, canadense ou do Alasca... Não tive como contestar tão pertinente observação.

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Gostei da  breve mensagem de antiga colega de Faculdade: “Acho muito importante  esse resgate de memória. Pessoalmente, de todos os citados, só conheci três, mas minha mãe fala muito bem do tal Dr. Abdiel.”

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A supervisora de ensino foi generosa em sua apreciação, colocando-me entre as pessoas que a influenciaram nos estudos e na carreira. Textualmente: “Senti lágrimas na face ao ler o texto”. Que bom, digo eu agora.

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O advogado e autor de belas crônicas e contos não deixa por menos:  aproveita-se de minha confissão de saudade pela enigmática Maria Leal e lembra irônico sua própria perda afetiva inaugural, aos dezessete anos. A  dele também sumiu logo, antes, porém, dando prova cabal de ser  muito menos inocente do que a minha...

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AFF, lá do fog londrino, manda sua  curta mensagem: “Belo, belo – e justo e generoso testemunho.”

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Eloni, a responsável pela própria existência de meu artigo rememorativo, pede-me a desnecessária permissão de reproduzi-lo  no primeiro jornal que a ETEC de São José do Rio Pardo vai publicar, muito em breve. Isso só me dá prazer.

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Antigo aluno e bem-sucedido advogado em São Paulo, Sílvio Ferreira de Toledo fala por si e pela esposa Marleine Paula, euclidiana das mais ilustres. Seu texto é sincero, emocionado e me faz sentir com renovada alegria como é bom escrever para amigos, para leitores que viveram o mesmo que o cronista viveu e por isso mesmo valorizam pormenores de um tipo de vida muito apreciado por nossas gerações e hoje de impossível ou raríssima existência –  a amável sintonia que em outros tempos de fato existiu com naturalidade e proveito entre  todos os integrantes de uma escola. Eu é que lhe agradeço, Sílvio, tão gentil prova de amizade.

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Feliz arremate do assunto: recebo em casa o ex-aluno e amigo  Luiz Ricardo Muradi, presidente do Rotary Clube Oeste da cidade. Vem, cerimonioso,  entregar-me um ofício: a comunicação de que eu fora indicado unanimemente  para a recepção do Diploma Prof. Vinício Rocha dos Santos, “em razão dos reconhecidos trabalhos desenvolvidos em setor da Educação em São José do Rio Pardo”. Claro que aceitei prazeroso. Na reunião festiva de 22 de outubro, se não me cassarem a palavra, muito terei que falar do Prof. Vinício, um dos que me marcaram pela vida toda.

 

11/10/2014
emelauria@uol.com.br

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