Viagem euclidiana

  

Quando recebi o convite, minha primeira objeção foi a distância: mais de trezentos quilômetros, quem sabe por más estradas. Mas o motivo era oportuno, o convite gentil.

E assim, convocado pelo novo-velho amigo Paulo Paranhos, presidente da Academia de Letras, lá fui eu a Caxambu, no sábado, 4 de julho, para no dia seguinte falar sobre Euclides da Cunha, em seus cem anos de ausência .

Estradas em boa ordem, caminhos sinuosos,  motorista seguro, agradáveis companheiros de viagem. Guiados pelo caxambuense Djalma, eu, Flávio e Stela, do Instituto Histórico e Cultural de Arceburgo, entramos por Divinolândia, Poços de Caldas, Pouso Alegre, tomamos a  rodovia Fernão Dias, até Campanha, entramos no Circuito das Águas – e depois de quatro horas demos com a grata visão de Caxambu. Um só posto de pedágio, no trecho percorrido da Fernão Dias. Valor: R$0,55. Isso mesmo: cinquenta e cinco centavos! Como paulista, estranhei muito

Recepção amistosa, encabeçada pelo casal Paulo/Lourdes Paranhos, dois cariocas que elegeram a estância hidromineral  a casa de seus tempos seguintes à aposentadoria como funcionários do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Para lá foram há alguns anos, depois de residirem em Teresópolis.

Paulo Paranhos, de ilustre ascendência, mestre em História, pesquisador, admirador do grande orador sacro Antônio Vieira. Autor de tantos livros  ligados ao Rio de Janeiro, sua justiça e suas cidades. Paulo Paranhos, estudioso de Minas Gerais,  integrado com perfeição à vida de Caxambu.

Surpreendente o Hotel União de simplicidade funcional, de vastos espaços, com localização privilegiada, à frente do Parque das Águas, extensíssimo bosque com  fontes de águas minerais de diferentes qualificações – umas  sulfurosas, outras magnesianas, aquelas alcalinas, estas ferruginosas, todas brotando muito próximas, num fenômeno natural de rara ocorrência no mundo todo.

No momento, o balneário propriamente dito está em fase final de restauração, devendo ser reaberto ainda este ano, mas é agradável percorrer as alamedas do amplo parque, observar árvores centenárias, quiosques protetores das muitas fontes, cada uma delas com  mais que secular história. Em todos os lugares está patenteada a estima por aquele local, na feliz expressão de Rui Barbosa (seu visitante em 1919), capaz de proporcionar medicina entre flores.

Uma fonte é denominada D. Pedro, outra princesa Isabel, outra conde d’Eu, outra ainda  princesa Leopoldina. Fora do parque, uma vistosa capela dedicada a Santa Isabel da Hungria, mandada erigir pela mesma princesa Isabel.

Na manhã de domingo, revelador passeio à vizinha Baependi, velha cidade  de onde provieram os fundadores de São José do Rio Pardo. As limitações deste relato impedem-me de comentar agora o vigoroso culto que lá se presta a Nhá Chica, uma santa de forte apelo popular, com o processo de beatificação em andamento.

Ao cair da tarde de domingo, 5 de julho, nas próprias dependências do Hotel União, dei meu recado euclidiano, não sem antes  ouvir, até um tanto espantado, a leitura de meu  currículo, na simpática versão da secretária de Educação, Maria Aparecida Beraldo Rigotti.       

O seleto auditório acompanhou com interesse a minha exposição sem leitura, focada na atualidade da obra  euclidiana e na influência que  exerceu e exerce na definição cultural de São José do Rio Pardo.

Digna de menção a oportuna intervenção do Dr. Octávio Verri Filho, advogado e historiador ligado à UNAERP, Universidade de Ribeirão Preto.

 Outra surpresa grande e  homenagem tocante foi a declamação de “Quintais – fachadas não!”, belo poema emocionalmente expresso pela sua autora, Guiomar Paiva, que mais tarde me ofertaria  o mesmo texto, em primorosa edição em papel cuchê, belas fotografias de ilustração e capa dura. Transcrevo alguns trechos:

 

Há tanta beleza,  esconderijos

 e mistérios nos quintais...

Nas fachadas, não.

 

Os quintais inspiram antigos bate-papos,

 assuntos sérios, cochichos  e opiniões.

As fachadas, não.

 

Os quintais dão sombra e água fresca,

dão abacate,  paz,

laranja ,banana e mamão...

As fachadas, não.

 

Os quintais são verdadeiros, disformes, tortos...

Têm entulhos, bagulhos,

lixos...

pardais...

As fachadas, não.

 

Nos quintais, as lembranças brincam

a ciranda do tempo

e morrem de medo de assombração.

As fachadas, não.

 

Quintais!

O que mais gosto neles é que,

por mais que se pareçam,

não existem dois iguais.

As fachadas... não!

 

Recebi das mãos de Paulo Paranhos um gratificante  documento encaixilhado em que minha ida a Caxambu é supervalorizada. Coisa do predomínio da afetividade, da boa e espontânea camaradagem que nos aproximou de imediato. Nós, que só nos conhecíamos  por telefonemas e e-mails...

Em seguida à palestra, para mim muito significativa, porque me confirmou certa capacidade de autodomínio que eu pensava prejudicada pelos fatos recentes que modificaram tanto minha vida, os presentes foram convidados a um coquetel.  Pude conversar descontraidamente com muitas e interessantes pessoas, enquanto nós todos nos regalávamos  com salgados que bem mereceram o acompanhamento do bom vinho português.

Aí outra prova da gentileza caxambuense:  sou brindado pelo tenor Newton Ferruggini, do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,  com a interpretação a capela da modinha de Carlos Gomes “Quem sabe?” ( Tão longe, de mim distante, onde irá, onde irá teu pensamento?).

Na segunda-feira, a prazerosa viagem de retorno, a sedimentação de boas amizades e ótimas lembranças. E, claro, a expressão da ilusória vontade de, um dia,  retornar a Caxambu.

 

11/07/2009

(emelauria@uol.com.br)

 

Voltar