Melhorando o Currículo & Remexendo Velharias


O fastígio do ipê-branco.
(No muro lateral da Escola "Dr. Cândido Rodrigues")

 

Não, não seja preconceituoso nem precipitado, desprezando desde logo o meu artigo só porque achou o título longo ou prenunciador de assuntos chatos.

Começo pelo curriculum vitae, ou mais familiarmente em português, apenas currículo, aquele documento em que pessoas interessadas na obtenção de empregos contam (ou pagam para alguém contar) maravilhas de si mesmas.

Pois bem, especialistas na elaboração dessas peças de ficção descobriram que um dos erros básicos está em não se saber dar o nome chamativo a profissões anteriormente exercidas. Quem conseguir acrescentar um quê de especial neste item já terá aumentadas suas possibilidades de impressionar melhor o selecionador. Se, por exemplo, o modesto rapazinho que fica o dia todo tomando conta do xerox da empresa colocar que é especialista em marketing impresso, terá dado um plus ao seu currículo.

Outros exemplos:

Faxineiro > supervisor-geral de bem-estar, higiene e saúde

Porteiro > oficial coordenador da movimentação interna

Vigia > oficial coordenador da movimentação noturna

Motorista de ônibus > distribuidor de recursos humanos

Motorista de táxi > distribuidor de recursos humanos VIP

Ascensorista > distribuidor interno de recursos humanos

Frentista > especialista em logística de energia combustível

Office boy > especialista  em logística de documentos

Motoboy > especialista avançado em logística de documentos

Vidente > consultor em assuntos gerais e inespecíficos

Entregador de papéis de propaganda > técnico em marketing direcionado

Garçom > especialista em logística de alimentos

Gandula > coordenador de fluxo de artigos esportivos

Camelô > distribuidor de produtos alternativos de alta rotatividade

Gari > técnico saneador de vias e logradouros

Auxiliar geral > técnico no tratamento de itens aleatórios

Bicheiro > coletor de prognósticos de zooteca

Cronista de jornal > especialista na análise de assuntos irrelevantes.

 

REMEXENDO VELHARIAS

Na dúvida entre pôr no lixo e guardar tanto papel, acaba-se escolhendo alguns, com a implícita condição de tudo aquilo, sem utilidade prevista, permanecer longe das mãos e dos olhos. E  muita coisa fica oculta, por anos e anos, até que um dia, sabe-se lá por que razão, abre-se aquele recanto esquecido e de  dentro saltam testemunhas de um tempo ido, difícil de imaginar.

Assim foi recentemente com a remoção de uma porta velha que já não ligava nem separava nada. Sempre fechada, atrás dela a parede crua, umas prateleiras atopetadas de pastas e objetos inservíveis, como um regulador de voltagem para aparelhos de televisão em preto e branco e um conversor de UHF.

 

CONVITE

Para o coquetel a ser realizado no dia 15 de agosto de 1963, em benefício das obras da Igreja Matriz de São José do Rio Pardo.

Este convite dará direito a concorrer, gratuitamente, a um SIMCA 63, a ser sorteado pela centena do primeiro prêmio da loteria federal do dia 14 de agosto de 1963 e a ser entregue durante o coquetel nos salões de exposição da firma Palmyro Petrocelli & Irmão, à Praça Cândido Rodrigues, n.º 36.

No verso:

A Comissão: Antônio Bincoletto, Palmyro Petrocelli, Assad Saliba, Lupércio Torres, Jeremias Polachini , Pedro Fernandes Gaspar e respectivas senhoras.

COMENTÁRIO:

 Não sei o valor do “convite”, mas não haveria de ser baixo. Não ganhei o carro SIMCA, muito bonito mas de sofrível desempenho. Mereceu maliciosamente o sugestivo apelido de Belo Antônio, por referência ao problema também de desempenho do personagem do astro italiano Marcello Mastroiani em filme famoso. Desapareceram  a marca Simca, a firma Petrocelli e até o nome da praça, hoje Capitão Vicente Dias.

Detalhes que sei porque participei  dos entendimentos junto com o prefeito Lupércio Torres:

  A atual Praça dos Três Poderes quando ainda abrigava o Jardim do Artese, chamava-se Praça Capitão Vicente. Ao batizarem-na assim, por volta de 1915, tinham a certeza de que ninguém ignoraria: o capitão Vicente era da influente família Dias, nem precisava explicitar o sobrenome. Na década de 60 vieram os novos prédios da Prefeitura, Câmara e Fórum; nada mais moderninho e sem imaginação do que alterar o nome da praça, por influxo do exemplo de Brasília, a capital federal novinha em folha, com apenas três anos de existência.

 A família do capitão Vicente Dias relutou em aceitar  a troca do nome, mas acabou sendo conquistada com a promessa de Lupércio de transferi-lo para uma praça mais central, a então Praça Cândido Rodrigues, local da igreja matriz. Assim se fez.

CASA BRAGHETTA

Braghetta, Filhos & Cia.  Caixa postal 92  Fones 29 e 30

Praça Cândido Rodrigues, 62 e 76                   27 de março de 1962

Nota  fiscal – A prazo   -- -    n.º 32153

remetem a Márcio José Lauria, prof., um automóvel marca Dauphine, novo, ano de fabricação 1962, quatro cilindros de 31 HP, cor preto Báli, equipado com 5 pneus 5.00 X 15, 4 lonas.

Cr$ 810.000,00                           Condições: conforme fatura.

COMENTÁRIO:

Meu primeiro carro. Grande vitória pessoal.  Adquiri o automóvel sem ter carta de motorista, que só obteria meses depois. Quem me ensinou a dirigir meu próprio carro e me acompanhou em algumas viagens pela estradinha de Grama foi Mário Barbosa, o tio Mário, colega de tiro de guerra e mecânico da Braghetta. A loja era a  concessionária da Willys Overland do Brasil,  fabricante do Renault Dauphine, logo apelidado de Leite Glória,  porque (diziam) se desmanchava sem bater...

Mário Salgado Braghetta me aconselhou a  dar uma entrada significativa e  combinar 36 prestações mensais de vinte mil cruzeiros. Isso elevava o preço de 745 mil para 810 mil cruzeiros, mas as condições eram muito favoráveis. Se eu deixasse o dinheiro bem aplicado, renderia muito mais... Assim foi feito. O que eu não sabia, o que Mário Braghetta não sabia, o que ninguém sabia era que um violento processo inflacionário já estava instaurado no País.

Em consequência  de tão forte guinada econômica, a Casa Braghetta, símbolo de segurança no comércio da região, fechou as portas,  poucos anos depois. Eu, lá pelos fins de 1965, vendi em bom estado o Dauphine, que não se desmanchara, e consegui nele um preço nominal algumas vezes mais alto do que o seu valor inicial de compra.

 

11/04/2015
emelauria@uol.com.br

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