Nadando contra a corrente
Como você não está cansado de saber, comemora-se (ou nem se comemora) no Brasil, a 5 de novembro, o Dia da Cultura. A data foi escolhida em lembrança ao aniversário de nascimento de Rui Barbosa, ocorrido em Salvador, em 1849. Nos dias atuais, parece que só a Fundação Casa de Rui Barbosa, do Rio de Janeiro, se lembra do evento. * A vitória da informática, o predomínio da tecnocracia, as preocupações todas da difícil vida atual já não condizem nem com as palavras nem com as aspirações do pequenino homem de pouco mais de metro e meio, que a 1º de março de 1923 finava em Petrópolis, transformado em orgulhosa unanimidade nacional. Desde a pregação libertária de Rui Barbosa, em todas as partes do mundo, não importando a filosofia política ou a forma de governo, a liberdade individual cedeu o passo, quando menos, às exigências da segurança coletiva, exacerbadas por acontecimentos como o de 11 de setembro de 2001, em Nova York. Já não pode haver liberdade como antigamente. * No Brasil, as mentalidades também se amoldaram a novas situações, a ponto de aos ouvidos do cidadão consciente não ecoarem com a antiga clareza os sons poderosos dos conceitos do grande jurista, político e orador que estabeleceu padrões de pureza comportamental. * Candidato derrotado à presidência da República, Rui Barbosa fica à direita do vitorioso Epitácio Pessoa, na recepção oficial às delegações estrangeiras nos festejos do Centenário da Independência do Brasil (1922). Só Rui Barbosa mesmo para merecer isso. * Cultivava rosas; tinha cadeira cativa para si e para a esposa no mais luxuoso cinema do Rio de Janeiro; propunha-se no exílio a ensinar inglês aos ingleses; traçou as diferenças fundamentais entre os plantadores de couve e os plantadores de carvalho; definiu a Pátria como ninguém, mas todos; sabia exatamente o lugar de cada livro na sua biblioteca de milhares; invocava com orgulho jamais o sol havê-lo encontrado na cama... * Rui das cansativas pregações eleitorais por todo o Brasil possível em sua época; Rui do Senado; Rui dos desterros; Rui do Código Civil e da Réplica; Rui de Haia; Rui da “Oração aos moços”: Rui dos discursos sem fim – Rui longus, vita brevis –, como não lhe perdoou a impaciente ironia de Carlos de Laet. * Quando, no seu jubileu de ouro de advogado, percebeu que os quase inimigos exaltavam nele o homem de letras, o artista da palavra, em detrimento do político, do jurista, do pensador, do tribuno, Rui não se conformou, e com razão. No entanto, na perspectiva de tantos anos e do inevitável envelhecimento das ideias, o que nele permanece inalterado pelas injúrias dos dias é o cultor da palavra inscrita no bronze perene do estilo inimitável. Sem este bronze, sua glória, como a de tantos notáveis enquanto vivos, estaria esquecida nos arquivos mortos dos tribunais e na embotada memória de uns poucos.
Frases de Rui: “Filho de um século devorado pela curiosidade suprema do infinito, duvidei, neguei, blasfemei, talvez como ele. Mas esses momentos passaram como rápidas tempestades na minha consciência.” * “O ensino, como a justiça, como a administração, prospera e vive muito mais realmente de verdades e moralidades, com que se pratica, do que das grandes inovações e belas reformas que se lhe consagram.” * “O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas principalmente nas ideias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexível das aquisições digeridas.” * “Tenho o consolo de haver dado a meu país tudo o que me estava ao alcance: a desambição, a pureza, a sinceridade, os excessos de atividade incansável, com que, desde os bancos acadêmicos, o servi, e o tenho servido até hoje.”
A mais modesta de todas: “Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado.”
A mais conhecida e citada de todas: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honradez, a ter vergonha de ser honesto.”
Lembrete final: Rui não merece ser chamado O águia de Haia. Muito melhor A águia de Haia, porque o substantivo águia, no masculino, quer dizer velhaco, tratante, espertalhão. Ele merece ser lembrado como pessoa de grande talento e perspicácia. Uma águia, portanto, como o distinguiram na Conferência Internacional da Paz, em Haia, 1907.
10/11/2012 |