UM
POUCO
DE
MEU
PAI
Exatamente
hoje
rememoramos
aqui
em
casa
os
cem
anos
de nascimento de Carmo Lauria,
meu
pai.
Falecido a 29 de
setembro
de 1989,
com
88
anos,
teve a
morte
que
talvez
nem
ousasse
pedir
a
Deus:
de
causa
rápida
e
certeira.
Caiu numa
terça-feira
de
manhã.
Enquanto
minha
mãe
não
voltava da
igreja,
eu
estranhei a
falta
dele no
quintal
que
era
comum
às nossas
casas.
Encontrei-o impossibilitado de levantar-se da
cama;
acomodei-o o
melhor
que
pude no
leito
e fui
providenciar
socorro.
Ele
apenas
me
disse
com
dificuldade:
“Derrame”.
Levado
ao
hospital,
não
recuperou a
consciência,
embora
por
vezes
nos
parecesse
acenar
com
a
mão.
Morreu no
sábado
de
manhã,
como
talvez
quisesse
pedir
a
Deus:
sepultamento
no
mesmo
dia,
ao
cair
da
tarde,
sem
uma
noite
toda
de
velório.
Sua
vida
foi de
trabalho,
de
preocupação
com
o
bem-estar
dos
seus
filhos.
Éramos
três,
eu
o
mais
velho.
A irmã do
meio,
Neusa, morreu
com
13
anos,
em
1949. Maria Thereza, a
caçula,
aí
está,
bem
de
saúde,
mãe
de
um
casal
e avó de
cinco
meninos.
Uma
vez,
meu
pai
já
entrara na
casa
dos 80, ocorreu-me a boa
idéia
de
gravar
com
ele
uma
longa
entrevista
em
que,
o
mais
naturalmente
possível,
ele
fosse recolhendo de
sua
excelente
memória
aqueles
fatos
marcantes
de
sua
vida,
muitos
desconhecidos
por
nós,
porque
não
é
mesmo
do
temperamento
familiar
ficar
por
aí
confidenciando, remoendo.
Ele
falou
por
mais
de
hora,
desde
sua
infância
em
Mococa, da
vida
transcorrida numa
chácara
nas
proximidades
do
Mercado.
Reviveu os
pais,
os avós, os
muitos
primos,
a
amizade
que
unia os
parentes
Lauria, D’Elia, Marchese, Marino, Mollo, Maffeo... O
Grupo
Escolar
Barão
de
Monte
Santo
foi a boa
escola
que
teve. Dali,
para
um
cartório,
onde
se esmerou numa
letra
inclinada,
clara
e
firme,
que
exercitou
pela
vida
toda.
Lembrou-se das professoras, dos
funcionários,
dos
amigos
de
tanto
tempo.
Aprender
um
ofício
era
imperativo
a
que
ninguém
podia
fugir;
era
escolher
entre
mecânico,
marceneiro,
barbeiro,
sapateiro,
alfaiate.
Bem
que
ele
queria se
firmar
no
cartório,
mas
a
família,
com
as
cabeçadas
de
meu
avô,
acabou indo
para
Santos
e
depois
voltando
para
estes
lados,
fixando-se
em
São
José.
Sorteado, serviu o
Exército
no
regimento
de
cavalaria
de Piraçununga, de
que
sempre
falou
com
saudade
e
emoção.
Participou do
grande
desfile
do
centenário
da
Independência
em
São
Paulo,
com
a
presença
do
presidente
da
República.
Invariavelmente,
ano
após
ano,
acompanhou
pela
televisão
a
parada
militar
do 7 de
Setembro,
aguardando
com
ansiedade
a
parte
final
da
solenidade:
os
Dragões
da
Independência
desfilando a
galope
ao
som
da “Carga
da
Brigada
Ligeira”,
de Von Souppé, se
não
me
engano.
Nunca
lhe
faltou o
nó
na
garganta
e a
voz
embargada.
Por
ele,
ficaria no
Exército,
mas
colocou
em
prioridade
o
dever
de
assistir
a
família,
de
situação
financeira
muito
instável.
Acabou voltando
para
cá,
abriu
seu
salão
na
Rua
13 de
Maio,
deu
novo
rumo
à
vida
e
não
pôde
desenvolver
todo
o
potencial
de
inteligência.
Lia
muito,
falava
com
correção
e escrevia
com
clareza.
Bela
escola
primária
de
outros
tempos!
Nunca ouvi dele reclamação alguma
pelo
fechamento
de
seus
horizontes
intelectuais.
Ao
contrário,
procurou
ser
o
melhor
na
profissão
e
dar
à
pequena
família
que
constituiu, uma
vida
decente e
futurosa.
Lembro-me de
quando
comprou esta
nossa
casa
aqui
na
Várzea:
era
enorme
e
bem
situada na
rua
calma
de
terra
batida.
Achou exagerado o
tamanho
do
quintal
e acabou
não
o comprando
todo.
Foi
pena,
porque
poderia
tê-lo comprado. Ficou
com
a
casa
no
terreno
de 18
por
52
metros,
quando
a
frente
toda
passava dos 40
metros.
Também
acho
que
se a
Rua
Siqueira
Campos
já
fosse
como
hoje,
ele
não
se interessaria
pelo
imóvel,
tal
o
barulho
de
veículos
e de
gente,
tal
a
decomposição
do
ambiente
a
partir
do
córrego
que
cruza
a
via.
Todas as
vezes
que
falei
em
sair
daqui, tenho encontrado
nos
filhos
olhares
resistentes e
declarações
de
amor
se
não
à
casa,
certamente
a
este
quintal
convidativo
e repousante.
Também
gosto
dos
seus
encantos,
dos
seus
silêncios
interiores,
das
impregnações
de
todos
nós
ao
longo
de sessenta e
tantos
anos.
Meu
pai
gostava
muito
de
sua
casa,
de
sua
horta,
de
seu
pomar,
de
seu
jardim.
Por
muitos
anos
cuidou de
tudo,
saindo
cada
vez
menos
para
dar
uma
volta,
para
rever
os
amigos
que
acabaram rareando.
Vivemos na
infância
e juventude naquela
situação
que
um
adjetivo
hoje
fora
de
uso
qualificava
bem:
éramos
remediados.
Coisas
sem
largueza
mas
sem
privações.
Quando D. Laudelina de
Oliveira
Pourrat,
minha
professora do 4º
ano
do
Grupo
Escolar
Dr.
Cândido
Rodrigues, e o
diretor
Edésio Monteiro de
Oliveira
o chamaram à
escola
para
falar
de
mim,
talvez
meu
pai
tivesse
ido
com
alguma
preocupação,
mas
voltou de
lá
satisfeito.
É
que
o tinham
convidado
(ou
intimado?) a matricular-me
logo
no
curso
preparatório
para
o
ginásio,
então
uma
conquista
de
encher
de
alegria
pais
como
ele,
que
viveram a
dura
transição
na
vida
familiar.
Afinal,
eram
filhos
de
imigrantes
sem
tradição
de
vivência
escolar.
A
partir
dali, de
meu
ingresso
no
Ginásio
do
Estado
Euclides da
Cunha
(depois
seria a
vez
de
minha
irmã),
meu
pai
e
minha
mãe
sentiram
como
era
animador
ter
filhos
estudando. Ao
dois
depositaram
em
nós
com
serena
confiança
a
certeza
da
vinda
de
dias
melhores
para
todos.
Na
discrição
cultivada
por
tantos
anos,
meu
pai
nunca
me
exigiu
prestação
de
contas
de
minha
vida
escolar.
Tacitamente estava assentado
entre
nós
que
o esperável
era
eu
estudar
e
aproveitar
as
oportunidades.
Assim
foi
sua
atitude
não
só
comigo,
mas
com
minha
irmã,
com
nossos
filhos,
de
quem
muito
se orgulhava.
Cada
vitória
nossa
era
uma
compensação
para
ele.
Sem
perguntar,
sem
exigir
detalhes
de
cada
coisa,
estava
sempre
a
par
de
tudo.
Ficou
muito
feliz
com
meu
ingresso
no
magistério
estadual (e
era
mesmo
de se
ficar
feliz),
com
meus
passos
na
política,
meu
desempenho
como
vereador.
Mais
do
que
eu,
sentiu
quando
,
por
causa
de uma
tal
uniformidade
partidária
,
eleitores
meus
de outras
ocasiões
me
avisaram
que
votariam
em
Montoro e
nos
candidatos
do
partido
dele. Fiquei
fora
da
Câmara
e dei
adeus
às
armas.
Achou o
máximo
quando
comecei a
lecionar
em
nossa
Faculdade
de
Filosofia.
Ao
eu
ser
eleito
diretor
pela
primeira
vez,
ele
exultou.
Eu
era
diretor
pela
segunda
vez
quando
ele
morreu.
Revelo
hoje
um
segredo
que
tem
sua
justificativa:
logo
depois
que
meu
pai
morreu, uns
amigos
vereadores
me
comunicaram
que
iriam
propor
o
nome
dele
para
uma
rua.
Devem
ter
ficado
sem
nada
entender
quando
eu,
para
manter
coerência
com
o
que
defendia na
Câmara,
apenas
lhes
agradeci e solicitei
que
não
levassem
avante
a
bondosa
iniciativa.
Acho
até
hoje
que
agi
como
meu
pai
gostaria
que
o fizesse.
10/07/2001
(emelauria@uol.com.br)
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