A questão ortográfica: estágio atual
A ideia de tranquilidade com que eles leem durante o voo é heroica. Na frase acima cinco palavras estão escritas de acordo com as mudanças de acentuação combinadas entre os países de língua portuguesa: desaparecimento do trema; perda do acento na 3.ª pessoa do plural, no presente do indicativo ou do subjuntivo, dos verbos dar, ler, crer, ver; falta de acentuação em palavras terminadas em –oo(s); desaparecimento do acento em palavras paroxítonas com os ditongos abertos tônicos –oi e –ei... As opiniões a respeito dessa pequena reforma não são propriamente favoráveis. Na essência, houve: a) eliminação de alguns acentos agudos, como em assembleia, jiboia; b) queda de acentos diferenciais: polo, pelo, para – em todos os sentidos desses termos, que serão reconhecidos pelo contexto em que forem usados; c) eliminação de acentos circunflexos: enjoo, voo, creem, releem: d) eliminação total do trema: aguentar, sequestro, sagui, linguiça, quinquênio; e) eliminação do hífen em termos como autoestrada, contrassenha, contrarrazões, extraescolar; f) uso do hífen em termos como anti-imprensa, micro-ônibus, em que a vogal final do prefixo é a mesma inicial do termo seguinte. Certamente o que causa mais confusão será o emprego, ou não, do hífen. Nas palavras compostas referentes a plantas e animais seu uso é obrigatório: tatu-bola, tico-tico-fogo, erva-de-santa-maria, jacarandá-mimoso. Talvez melhor do que expor regras e exceções será mostrar como se escrevem algumas dezenas de palavras sobre as quais possam pairar objeções:
De modo geral, a imprensa brasileira aderiu às novas normas e as segue com rigor. Diferentemente a imprensa de Portugal, que ainda se mantém fiel à ortografia resultante de acordo firmado em 1945 e não cumprido pelo Brasil. Quem foi aluno do Prof. Hersílio Ângelo há de se lembrar que ele escrevia adoptar, óptimo, facto, objecto, direcção, género, económico... Pessoalmente, não vejo maior mérito no acordo vigente, que exigiu tristes capitulações dos portugueses e quebrou alguns princípios gerais, como a acentuação, ou não, de termos como pastéis/assembleia, ideia/ fiéis, herói/heroico, estoico/dói – em que os mesmos ditongos (éi e ói) são acentuados, ou não, conforme a posição deles no vocábulo: oxítonos, acentuados; paroxítonos, não acentuados... E essa abstrusa distinção sucumbe a outra regra mais genérica de ortografia: são acentuados os paroxítonos terminados em r. Logo, destróier e Méier, com o ditongo acentuado, apesar de paroxítonas... Em Portugal, há forte movimento em favor da anulação do acordo ou, quando menos, introduzir profundas alterações nele. Se se mexeu na grafia de paraquedas, por causa de sua origem francesa; se parapeito respeita a sua etimologia (oriunda do italiano), por que não generalizar a junção de termos que contenham o elemento para-, com o sentido de amortecimento? No entanto, ainda manda o acordo escrever-se para-lama, para-brisa, para-raios... A eliminação pura e simples dos casos de uso do trema (¨) em vocábulos portugueses trará sérios erros de pronúncia aos menos ilustrados. Na verdade, a acentuação gráfica tem essa principal finalidade: guiar a pronúncia, ensinando-a a estudantes, a principiantes. Quem tem mais leitura prescinde desses apoios. Quem pronunciará corretamente o u em quinquênio, aquífero, equidistante?
10/03/2012
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