Com certidão e tudo
(10/03/2003)

 

               Poucas cidades poderão, como São José do Rio Pardo, exibir certidão de nascimento. Aqui existe (e muito bem conservada) uma ata de 4 de abril de 1865 que trata exclusivamente das primeiras providências para a fundação da nova freguesia.

 

               A localização deste livro de atas – divulgada por Paschoal Artese em seu combativo jornal Resenha, mudou o curso da própria história  e fez a emblemática data de 19 de março, dia de São José, perder os seus valores referenciais.

 

               O achamento da prova documental teria tido muito mais ampla repercussão prática se ocorrida antes de 19 de março de 1970, porque naquela data já se havia comemorado o falso centenário da cidade com pífios festejos, que contaram até com a onerosíssima participação de carros de combate do Exército – idéia de um professor sei lá por que belicista – trazidos de Piraçununga para cá.

 

               Considero decisiva para o estabelecimento de rigorosa obediência à verdade histórica a presença temporária entre nós, comissionada na Casa de Cultura Euclides da Cunha, da professora-pesquisadora Amélia Franzolin Trevisan, funcionária do Arquivo do Estado de  Sã Paulo.

 

               Graças a ela (que ainda hoje mantém laços de amizade e de jornalismo com São José) a cidade conta  com preciosa coleção de jornais e revistas locais, abrigados na Hemeroteca Jornalista Paschoal Artese, inicialmente dependência criada em gestão minha na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e depois anexada ao Museu Rio-Pardense, instalado no velho prédio (1886) da Câmara e Cadeia.

 

                Louvando-me sempre na veracidade histórico-documental  estabelecida pela Prof.ª Trevisan, pude ter participação efetiva tanto na criação e instalação da Hemeroteca, quanto no projeto de preservação da antiga Câmara e Cadeia, quanto na harmonização, através de lei, das efemérides municipais de São José do Rio Pardo.

 

               É de minha autoria e sancionada pelo antigo prefeito Richard Celso Amato  a lei de 1982, vigente,  que concentra as comemorações relativas à fundação da cidade no dia 19 de março, em atendimento à tradição religiosa da maioria da população, mas reconhece oficialmente como data da fundação de São José do Rio Pardo o dia 4 de abril de 1865.

 

               Sem ferir sentimentos alheios, valorizou-se deste modo a ata de fundação – que se inicia, paradoxalmente, com um erro de falsa erudição. Com letras bordadas a capricho, a frase inaugural do documento é Gloria in excelsis Deo (glória a Deus no mais alto dos céus) com excelsis erroneamente grafado excelcis...

 

              Uma das sinas desta nossa cidade é ter em sua história três fatores de particular importância, certamente mais apreciados por forasteiros do que pela maioria dos nativos:

 

              1. Ter ata de sua fundação, com erro de latim e tudo.

 

              2. Ter proclamado a república a 11 de agosto de 1889, o que lhe valeu o título de Cidade Livre do Rio Pardo, logo rejeitado pela população.

 

              3. Ter dificuldade de aceitar a plena responsabilidade histórica e cultural de haver abrigado Euclides da Cunha, oficialmente aqui vindo para reconstruir uma ponte metálica do rio Pardo.

 

              No entanto, aí deveriam estar três motivos de júbilo histórico:

              a) saber como, por que e por quem a cidade foi idealizada;

 

              b) assumir a realidade de três meses antes da queda do Império, aqui se ter instaurado por revolução, precária embora, um governo republicano;

 

              c) considerar honrosíssima  a presença de Euclides da Cunha no período de 1898 a 1901, quando o escritor-engenheiro pôde dar forma definitiva a um dos clássicos da literatura brasileira, Os Sertões.

 

              Não é esta, porém, a visão dos cidadãos comuns e até menos de cidadãos não tão comuns...

(19/03/2002)
(emelauria@uol.com.br)

 

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