Chapeuzinhos, risquinhos e pinguinhos

 

TEMORES VÃOS

Nossa faxineira semanal, uma simpática e bem-disposta senhora, no último dia do longínquo ano de 2008   advertiu-me com certa preocupação na voz:

- Preciso fazer umas perguntas ao senhor.

(O que é que você pensaria? Eu pensei em alguma reclamação ou alguma reivindicação. Quem sabe a paga era pouca, a vassoura não varria, o aspirador não aspirava, o detergente não detergia.)

- Pois não...

- O senhor é professor de Português, não é?

- Sim, ao menos fui por muito tempo..

- Então como é que fica essa reforma da língua portuguesa que tanto comentam? Estou preocupada com isso.

- Que tipo de preocupação a senhora tem?

- Quero saber como fica meu chapeuzinho, como fica o risquinho da minha filha...

- Como assim?

- Eu me chamo Ângela e tenho uma filha chamada Jéssica.. Caiu o chapeuzinho de Ângela e o risquinho de Jéssica?

- Não! – respondi,  aliviado e surpreso com aquela matéria de alta indagação.

- Ah, bom...

- A senhora pode ficar sossegada, ninguém mexerá em nenhum chapeuzinho ou risquinho de sua família. Mexeram só com o chapeuzinho de lêem, com o risquinho de idéia, com os dois pinguinhos de cinqüenta e pouca coisa mais.

- Antes isso, então. Gosto muito desses enfeites no nome da gente.

 

A PLURISSIGNIFICAÇÃO DAS PALAVRAS

O caso da faxineira faz lembrar o drama, ocorrido há uns oito anos ou dez anos, com um garotinho que se mostrou preocupadíssimo em sair de casa despreparado para enfrentar o carnaval.

Notando a angústia da criança, a mãe o interrogou:

- O que é que está aborrecendo você, meu filho?

- A roupa, mamãe. A roupa...

- Que roupa é essa?

- Toda hora na televisão uma pessoa avisa que ninguém deve sair de casa, no carnaval, sem camisinha. E eu não tenho nenhuma camisinha. Só  camiseta ou abrigo. Compra umas camisinhas  pra mim, mamãe! Compra!

Muitas vezes, a mídia cumpre à risca o que dizia o Chacrinha, meio de brincadeira:

- Não vim para esclarecer, mas para confundir.

 

DÚVIDAS ATROZES

Essa pequeníssima e tímida mexida que se deu na grafia ou na acentuação de umas poucas palavras está sendo de difícil assimilação por parte do grande público. Não faz sentido para os brasileiros, por exemplo que os ditongos de dói, herói, réis, pastéis sejam acentuados, porque monossílabos ou oxítonos,  ao passo que heroico, estoico, assembleia, ideia, palavras portadoras dos mesmos ditongos, mas paroxítonas, percam o acento.

Além do mais, alguns casos de grafia e de uso do hífen ainda estão em suspenso, aguardando  a publicação, talvez em fevereiro, de um Vocabulário Ortográfico que resolva (ainda que mal)   toda e qualquer dúvida. Terá cerca de trezentas mil  palavras.

Quem lê com paciência o que os dicionaristas pensam das reformas ortográficas, percebe como certas regras são incoerentes. Na transcrição do Formulário Ortográfico de 12 de agosto de 1943,  Aurélio Buarque de Holanda  (páginas XX a XXIV do Dicionário Aurélio do Século XXI) levantou muitas restrições  ao trabalho da Academia Brasileira de Letras. Com certeza, outras restrições serão feitas ao novo Vocabulário Ortográfico... Vai ser dificílimo, quando não impossível, contentar a gregos e troianos. E reconheça-se que os portugueses terão muito mais motivos de se oporem a esse acordo entre países lusófonos, ou seja, que falam o  português. Eles cederam muito mais, especialmente  com a supressão de alguma letras não tão  mudas na pronúncia deles, em termos como carácter, baptismo, óptimo, selecção, acção, facto... Para eles, fato é roupa de homem. Uma ocorrência, um acontecimento escrevem e até pronunciam facto.

Matéria publicada na Folha de S. Paulo, a 1.º de janeiro,  faz o arrolamento do que se chamou de casos questionáveis .

São eles:

·        Subumano ou sub-humano?

Opinião pessoal:  opto por sub-humano, para não descaracterizar demais a palavra.  Na ortografia antes vigente, a regra dizia que as palavras iniciadas por sub teriam hífen apenas  se o elemento seguinte começasse por r e b: sub-bibliotecário, sub-reptício. Daí esquisitas formas como suboficial, sublocar, sublinhar, escritas juntas mas pronunciadas separadas. Logo, a grafia correta seria subumano. Grandes dicionários, contudo, jamais acataram a regra proposta. O de Caldas Aulete, por exemplo,  já na sua edição brasileira de  1958, consigna apenas a forma sub-humano. Opto, portanto, por sub-humano, sub-hepático, entre outros termos nas mesmas condições, ou seja, sub seguido de h.

·        Coabitar ou co-habitar, carboidrato ou carbo-hidrato?

Em nome da simplificação,  penso serem mais assimiláveis as formas sem hífen. Esquisitíssimo seria escrever co-ordenar, co-optar, co-operar,  como determina o preceito segundo o qual as palavras iniciadas com a mesma vogal do prefixo devem ser grafadas separadamente: contra-ataque, anti-ibérico, micro-ondas...

·        Reescrever ou re-escrever,  reeditar ou re-editar ?

Também sou favorável à fixação das grafias sem hífen, apesar de as palavras seguintes começarem com a mesma vogal do prefixo. Já imaginaram  re--entrar, re-eleger, re-empregar?

·        Para-raios ou pararraios?

Esta pequena reforma ortográfica resolveu não distinguir  para (preposição, dissílabo átono, quase sempre pronunciado pra) e para (dissílabo tônico, forma do verbo parar). Numa frase como “Ônibus para o bairro”, já não se saberá se se trata de um veículo destinado a um bairro, ou se um veículo causou interrupção no trânsito de um bairro... Assim, devemos escrever paraquedas, parachoque,  parabrisa. Nestas palavras, para dá ideia  de amortecer. Um termo, tomado de empréstimo ao italiano, já se  escrevia numa só palavra: parapeito (de parapetto). Deste modo, sou favorável à esquisita grafia sem hífen de pararraios , com a qual acabaremos por nos acostumar...

De igual modo, deverão ser escritos emendados termos iniciados por  para na acepção de próximos de: “Enfermagem é uma profissão paramédica”; “Existem muitas instituições paramilitares”; “História em quadrinhos é um gênero de paraliteratura”...

              

MUITA ÁGUA E POUCA VAZÃO

Há gente que não entende como suportamos morar na Siqueira Campos, uma rua de mão dupla, movimento intensíssimo de carros, caminhões, ônibus, tratores e pedintes, desde muito cedo até muito tarde. Não há uma paralela que divida com ela o tráfego de veículos desta cidade e os vindos de Tapiratiba, Caconde, Guaxupé... Moramos lá porque a casa com seu quintal privilegiado nos dá muita satisfação e praticamente já não utilizamos os cômodos que dão de frente para a rua. Não poucas vezes desligamos o interfone.

Com a expansão urbana, com o pavimentação de tantas vias em bairros mais altos, a quantidade de águas pluviais  rumo ao córrego que corta esta rua em seu começo vem aumentando significativamente. A qualquer chuva mais forte, o sistema de captação das águas  não suporta o volume  e inunda o leito carroçável, interrompe o trânsito,  invade as casas mais próximas. Nenhum serviço feito nos últimos anos deu o resultado esperado. Ao contrário, tudo se tem agravado.

10/01/2009
(emelauria@uol.com.br)

 

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