Perdas recentes

  
O apurado olhar fotográfico de Maria Luísa Zulli

 

Mais uma vez a desfalcada prateleira dos formados em 1949   foi mexida. Não entendeu  frase tão simples? Na verdade, não há nenhuma prateleira, é pura linguagem figurada. O que quero dizer é que os sobreviventes daquela garrida turma de moças e rapazes que num longínquo ano de meados do século passado receberam diploma de professores normalistas, sofreram novo desfalque.

Morreu na semana finda Benedicto de Araújo Netto, para quase todos o Netinho, para uns poucos o Dr. Netinho. Para mim, um dos mais fiéis e definitivos amigos, com muitas histórias que comprovam nosso ininterrupto convívio por uns setenta anos.

Laços distantes de parentesco nos unem por dois lados: Therezinha Longo de Araújo, sua falecida esposa, era neta de Luiza Bertocco Longo, irmã de meu avô César

Bertocco Ornísia, sua mãe, era  prima de minha falecida mulher Marina, ambas  descendentes de um dos fundadores de São José do Rio Pardo. Mais firme, porém, do que esses complicados laços foi a amizade que nos uniu desde priscas eras.

Da turma de formados em 1949 pela Escola Normal Euclides da Cunha, constituída por umas trinta moças e uns dez rapazes, restam umas seis ou sete mulheres e apenas dois homens, Guilherme Bianchin e eu. Também sejamos realistas: todos nós temos idade mais que suficiente para prestar contas ao Criador: eu, dos mais novos (hoje menos velho) do grupo, estou quase completando oitenta e seis invernos. O primo Guilherme está em torno dos noventa. Waldemar Jorge, Álvaro Roque da Silva, Paulinho Ferreira, Levy Scali, Ireno Perassi, Rubens Nogueira Branco, Waldemar Lourenço  partiram desta para melhor em diferentes épocas.

Netinho já havia entrado na provecta faixa etária dos noventa, graças principalmente ao zelo e à dedicação de sua filha Márcia, incomparável no pleno empenho ao bem-estar do pai na longa enfermidade  que o deixou  preso ao leito por diversos anos.

Eu e ele vivemos como colegas de dois anos no Curso Normal muitos e estranhos episódios, inclusive um que relembramos muitas vezes, entre saudosos e  envergonhados: um dia, sabe-se lá por quê, resolvemos com mais dois colegas jogar forca em plena aula de Psicologia. A querida mestra Leonorzinha Soares, muito constrangida, convidou-nos discretamente a sair da sala e parece não ter aceitado as nossas esfarrapadas desculpas. Lição inesquecível.

Mas o que nos aproximou e marcou de modo mais profundo foram as muitas viagens e estadas juntas que fizemos  quando frequentamos  a Universidade Federal Fluminense.

Juntamente com Itagiba d’Ávila Ribeiro, Leo d’Ávila e Silva, Oswaldo Jacinto da Silva, em busca do diploma de bacharel em Direito, que, ao que parece, pouco influiu na sua carreira de bem-sucedido oficial de justiça. Quanto a mim, muito tardiamente fiz uso dele ao lecionar nos cursos jurídicos da FEOB de São João da Boa Vista e UNIP de São José.

Apesar dos meus  crescentes problemas de locomoção, fui ao velório de Netinho e fiquei agradavelmente surpreendido com o número de parentes e amigos presentes e com o autodomínio de Márcia, modelo de total dedicação ao conforto paterno.

Horas depois do sepultamento, já encontrei Márcia num consultório médico, tratando de liquidar débitos decorrentes da enfermidade do pai.

 

Thérsio Gonçalves

Apenas por acaso, lendo uma página avulsa de jornal da cidade, fiquei sabendo, através de informe do cartório do registro civil,  da morte de Thérsio Gonçalves, um bravo lutador que se fez por si mesmo, graças ao diuturno trabalho que desenvolveu ao longo dos anos, no setor de contabilidade.

Acompanhei sua atuação em atividades das mais diversas, inclusive no campo da política. Lembro-me de que ele chegou a exercer a vereança, como meu suplente, num curto período em que precisei ficar afastado das funções.

Não posso esquecer a cara de decepção dele quando lhe expliquei que a grafia correta de seu nome seria apenas Tércio, que quer dizer o terceiro. Ou seja: só deveria ter esse nome o filho número três. Até lhe dei a relação dos nomes de acordo com a ordem de nascimento: Primo, Secundino, Quarto, Quinto, Sisto, Sétimo, Otávio, Nuno e Décio.  Thérsio dá ideia de coisa bem diferente...

 

Maria Olympia

Até agora nos espanta e nos confunde a rapidez com que se deu a decadência física e a morte de Maria Olympia Guimarães, minha aluna dos áureos tempos de Escola Normal, casada com Moacyr Pinto, meu colega no Grupo Escolar Dr. Cândido Rodrigues.

Por certo que a perda de mais um filho seu, tomado por um câncer fatal, abateu o seu ânimo e fragilizou sua resistência. O triste fato de ela não ter conservado a sua própria casa, sujeitando-se a morar com um ou outro filho, deve ter contribuído, e muito, para sua falta de perspectivas futuras.

Era uma inteligência brilhante, uma estudiosa bem-sucedida, uma leitora de boa casta, para usar uma classificação do velho e sempre novo Machado de Assis.

 

09/12/2017
emelauria@uol.com.br

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