Voracidade bancária e entrevista-surpresaEm meio a tantas mensagens de amizade e solidariedade, chega um sisudo envelope do Banco do Brasil com esta notificação-faca-no-peito, datada de Brasília em 24 de abril de 2009:
Verificamos em nossos registros atraso no pagamento da(s) operação (ões) abaixo destacada(s): O Banco do Brasil oferece a possibilidade de renegociação do cheque especial, cartão de crédito e CDC. Caso haja dificuldade na utilização das opções acima, a sua agência de relacionamento poderá auxiliá-lo. No cumprimento de dispositivos legais, comunicamos que a não-regularização da pendência no prazo de 07 (sete) dias a contar do recebimento desta notificação, poderá resultar em: a) cobrança por empresa especializada; b) rescisão do Contrato de Abertura de Crédito – Cheque Especial, na forma prevista pelo respectivo contrato; Atraso superior a 15 dias resulta na inclusão de seu nome nos cadastros dos órgãos de proteção ao crédito (SPC/Serasa). Caso, até o recebimento desta, a situação já tenha sido regularizada, pedimos desconsiderar esta notificação. Atenciosamente, Banco do Brasil
Agência São José do Rio Pardo
Vencimento 01/04/2009
Ourocard Visa
Valor vencido 0,30
Puxa vida, pensei comigo, tenho ojeriza a fazer débitos, compro quase tudo à vista, e agora me aparece essa cobrança e eu nem sei a quem devo... Numa releitura mais demorada, percebi que eu devia ao próprio Banco do Brasil e nem me lembrava como ou por quê. Na manhã seguinte, lá fui eu à tal agência de relacionamento, ganhei uma senha, esperei quase uma hora, mas em compensação fui cortesmente atendido. De fato, lá constavam as razões de meu débito: a manutenção em aberto de uma conta destinada apenas a receber meus vencimentos como professor da UNIP, entre 2001 e 2007, aproximadamente . Na ocasião da abertura, nem quis obter talão de cheques, limitando-me a ir uma vez por mês retirar no caixa eletrônico o meu dinheirinho ganho por aulas dadas. Aí, a UNIP deixou de fazer seus pagamentos pelo Banco do Brasil e eu me esqueci da tal conta. Nem sabia que estivera à minha disposição aquele tempo todo um crédito de quatrocentos reais. Bem que o Banco do Brasil deveria ter nos seus rigorosos registros a prova provada de que nestes últimos dois anos a conta não teve a mínima movimentação e providenciado o seu fechamento. Não foi o que aconteceu: enquanto sobrou um mísero real daqueles quatrocentos que lá estavam a minha disposição sem eu pedir, mês a mês eu ia devendo mais, pagando pelo que não aproveitava... Estourado o tal crédito, então o banco me cobra com todas as ameaças possível. Se demorasse mais de sete dias para acertar meu débito, depois de recebida a notificação, perderia meu crédito no banco, ficaria sem cheque especial e sem cartão de crédito – o que em nada me prejudicaria. Mas se demorasse mais de quinze dias, ficaria com nome sujo na praça, todas as contas bloqueadas, sem direito a uso de talão de cheques ou de cartão de crédito de nenhum banco... Com essas coisas não se brinca, comentei com meus zíperes, lembrando-me do que me contara, fulo da vida, um amigo meu, sujeito pra lá de rico, de repente vendo todas as suas contas bloqueadas, por insolvência de terceiros com quem mantinha sociedade. Então fiz o que me pareceu o mínimo: liquidar depressinha minha dívida para com o banco e fechar mais depressa ainda a esquecida conta. E fiz isso no dia 30 de abril, não sem levar mais duas bicadas: R$0,62 de IOF e R$ 27,61 de juros. Ou seja, por não ter fechado uma conta que só usei porque a UNIP depositava nela meus vencimentos, morri com R$480,98 (quatrocentos e oitenta reais e noventa e oito centavos). Ainda não fiz os cálculos, mas se eu tivesse depositado quatrocentos reais numa caderneta de poupança, nestes anos todos acho que lucraria pouco mais do que paguei, num incompleto mês, de juros ao Banco do Brasil! Vou guardar com muito cuidado a notificação, o recibo de quitação do débito e o termo de cancelamento de conta corrente, mesmo porque entendi com mais profundidade um historinha que meu falecido primo Alfeu Bianchin me contou há uns anos: Uma mulher, toda vestida de preto, chegou a uma agência bancária e depositou na mesa do gerente um vistoso buquê de flores. - Minha senhora, objetou o gerente, não é aqui que a senhora deve deixar essas flores! A mulher prontamente replicou: - É aqui, sim senhor. É aqui neste banco que meu marido está enterrado!
-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.-.
É sempre com renovado prazer que atendo estudantes de qualquer escola que me procurem. E por causa disso, na manhã de 1.º de maio recebi três alunas da série inicial do curso de Psicologia da UNIP, campus local. Já de início, a líder das três me advertiu que as perguntas formuladas sob a orientação da Prof.ª Danila Pinheiro Menardi (por quem tenho especial estima) eram um tanto difíceis, de ordem muito pessoal. Nada objetei. E de fato me questionaram sobre como pessoas da minha idade tratam de problemas como solidão, isolamento, relacionamento com a família, com outras da mesma idade, com outras de diferentes idades, com os jovens, principalmente. Como eu encarava a aposentadoria. Que planos futuros eu tinha. Respondi a todas com a maior isenção, valendo-me da experiência pessoal, profissional, de leituras, de reflexões próprias. Só fiquei chocado quando perguntei a elas por que tinha eu sido escolhido para a entrevista. - O senhor foi escolhido por ser viúvo. Uma viúva também será entrevistada por nosso grupo e então compararemos as respostas. Era a primeira vez que ouvia a dura palavra aplicada a mim. Provoca um estranhamento que dá o que pensar. Foi inevitável trazer à memória os versos finais de “A Carolina” do velho Machado: “Que eu, se tenho {...} pensamentos de vida formulados, são pensamentos idos e vividos”.
09/05/2009
|