COMPARTILHANDO PREOCUPAÇÕES

 Admirei a seriedade e profundidade com que Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda expôs no Cultura, da semana passada, sua preocupação com o hiato, para não dizer divórcio, existente entre a universidade pública e a rede de ensino médio, em São Paulo.

Quem a leu deve lembrar-se de que a linha-mestra de sua exposição dizia respeito a uma real situação que não é de hoje, mas se agrava assustadoramente.

 Não há quem não saiba que cursos universitários de licenciatura têm um duplo objetivo: preparar docentes para as escolas de ensino médio e oferecer possibilidades de dedicação à pesquisa, como atividade de pós-graduação. Hoje, o desequilíbrio se agravou perigosamente, porque alunos licenciados pelas nossas boas universidades públicas apenas por exceção pensam em dedicar-se ao magistério antigamente chamado secundário, ou mais especificamente às classes do colegial. Partem desde logo para o mestrado, doutorado, pós-doutorado, sem nenhum sentimento de que devem algo à sociedade que lhes proporcionou gratuitamente tantas condições de êxito pessoal. Ainda outro dia conversei com uma pós-doutorada em Química, com brilhante currículo, que se queixava da dificuldade em obter emprego, dado o seu alto nível de qualificação. Perguntei-lhe se não havia cogitado lecionar o que tanto sabia. Sua resposta foi taxativa: “Lecionar? Nunca me sujeitarei a isso!” E olhe que eu nem pensei em ensino médio...

Houve remoto  tempo em que o governo estadual se empenhou seriamente em suprir  a carência de professores capazes e dispostos a enfrentar as durezas da sala de aula. Exemplo longínquo disso foi a heróica providência tomada em benefício dos antigos e então pouquíssimos ginásios.  Um dos beneficiários dessa política educacional avançadíssima foi  nosso mestre,  o Prof. Hersílio Ângelo. Formou-se em 1929 (!) como professor normalista na Escola Normal de Casa Branca. De posse do valioso diploma, pôs-se a lecionar no antigo  curso primário, quer dizer, para alunos de nível bem elementar. Criada a Universidade de São Paulo, em 1934, muitos  desses professores normalistas, como Hersílio, foram comissionados, durante todo o tempo necessário,  para frequentarem  o curso universitário  relacionado com as disciplinas ginasiais que pretenderiam lecionar. Quatro anos de boas aulas, dadas por mestres consagrados, muitos deles contratados em Portugal, Espanha, França, Itália; ampla pesquisa, leitura adequada, enfim, quatro anos de criação de verdadeiros professores com sólidos conhecimentos teórico-práticos do que iriam transmitir a seus jovens alunos. Por essa razão foi que Hersílio veio para São José, como professor interino,  lecionar Português  no recém-criado Ginásio do Estado “Euclides da Cunha”. Isso em 1938. Submeteu-se ao primeiro grande concurso de efetivação no magistério, em 1943, tornou-se catedrático e aqui permaneceu pela vida toda.

Ainda hoje, decorrido tanto tempo,  é salutar o efeito da vinda de H.A. para São José do Rio Pardo, não apenas como docente de ótima formação, mas ainda como estimulador do nosso incipiente euclidianismo (tarefa em que teve Oswaldo Galotti por incomparável companheiro) e como um dos fundadores de nossa Faculdade de Filosofia.

Se eu tivesse de resumir a razão do sucesso de Hersílio como educador em nossa cidade, diria, sem a mínima dúvida, que foi probidade profissional. Ele foi probo e ensinou probidade a dezenas de seus alunos que lhe seguiram os passos no magistério público, com isso criando um peculiar padrão de resultados positivos  e muito duradouros.

Seria de se pensar no que  poderia ter ocorrido em nossa cidade se aqui não tivesse aportado essa figura tão respeitável de mestre do vernáculo, cultor da boa leitura, exemplo admirável de modéstia e de caráter. Não se pode esquecer que naqueles tempos heróicos o mais comum era que lecionassem Português, nas pequenas cidades,  advogados tidos como cultos, por causa de seu vocabulário pedante, ou poetas, por causa das rimas ricas que procuravam e às vezes encontravam. Conhecimentos  sedimentados, leituras aprofundadas, domínio verdadeiro do idioma – poucos os tinham.

De que se queixa Maria Olívia? Exatamente dessa falta de compromisso de nossas universidades públicas com a vida prática, com as escolas de ensino médio – por definição as escolas formadoras de bons cidadãos, de bons profissionais, de bons transmissores da cultura.

Ora, dirão que isso é apenas uma faceta de um grande e complexo problema que envolve não apenas a defasagem cultural, mas também desvalorização funcional, perda de prestígio da escola pública, desinteresse da maioria dos pais, falta de terminalidade no curso médio.  Causas ponderáveis, sem dúvida, que precisam ser quando menos enfrentadas com mais coragem pelos poderes públicos. Mas se pode raciocinar em sentido contrário: muito pouco se resolverá da crise atualmente grassando na escola pública se não se der especial ênfase à capacitação  e estimulação pessoal do docente.

É do mesmo Hersílio  Ângelo esta observação feita a propósito do nível de rigor e cobrança que se quis e se pôde dar, durante muitos anos,  ao curso de Letras de nossa Faculdade de Filosofia:

- Entre um professor sem recursos  didáticos, mas senhor dos conteúdos de sua disciplina, e outro professor muito comunicativo mas pouco afeito aos assuntos que precise lecionar, eu fico com o primeiro. É mais fácil corrigir erros de transmissão de conhecimentos do que erros de doutrina.  Meias verdades são meias mentiras.

E assim, aquilo que deveria ser um círculo virtuoso de bons professores que ensinassem bons alunos, que se tornassem bons professores que ensinassem outros bons alunos, vem-se transformando nesse drama que assola grande parte de nossas escolas de ensino médio:  falta de pessoal capacitado em tantas e tantas disciplinas de extrema importância na formação plena do jovem adolescente, capaz ainda de propiciar condições ao prosseguimento no estudo a quem tiver vontade e meios.

***

Leio por aí que, grosso modo,  existem apenas dois tipos de conduta, ao se disciplinar filho no caminho do êxito pessoal, profissional  e competitivo: o oriental (com as variantes chinesa, japonesa, coreana, vietnamita) e o judaico (com base na chantagem emocional geralmente exercida por chorosas e derramadas mães). Ambos são eficientes, quase infalíveis, garantem os especialistas.

Pelo método oriental, não se brinca em serviço, não se perde tempo, não se dispersa por nada a atenção. Cada estudante sabe que é seu dever  dar o melhor de si, sem discussões nem  promessas de recompensas.  É por isso que se vê tanta gente de olhos apertadinhos saindo-se vitoriosa nas mais diferentes atividades humanas.  Um cursinho de São Paulo chegou mesmo  a cutucar seus alunos nem sempre muito esforçados  e de olhos redondos com a frase: “ Trate de estudar, porque se você não fizer isso, sempre haverá um coreano que lhe tirará a vaga na faculdade”.

Pelo número de judeus presumidos no mundo, não há nenhuma outra etnia com tantos vencedores de prêmios Nobel e outras honrarias de igual significado intelectual. Dizem que isso se deve muito à lamuriosa e constante presença da mãe judia, sempre implorando ao filho que não a envergonhe NÃO sendo o primeiro em tudo... Wood Allen, o noivo neurótico, sempre explora nos seus filmes essas criaturas tão carinhosas e tão cobradoras.

Se houver, mesmo, apenas esses dois tipos de conduta, o estudante brasileiro continuará a ser o de ruins resultados na sua vida escolar, porque ninguém lhe vem passando um rígido senso do dever a ser cumprido e muito menos pais e mães têm maior capacidade de persuasão ou estímulo. Pelo que se vê por aí, a maioria deles está sem moral até para pedir que o filho desligue a televisão ou o computador, para cumprir minimamente seus deveres estudantis...

 

09/04/2011
emelauria@uol.com.br)

 

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