A
LEGENDA
DOS
DIAS
Como
não
falar?
O
que
falar?
Dele restará a
certeza
de
ter
sido
muito
superior
a
seu
tempo.
Cômodo
e
imperfeito
catalogá-lo
como
conservador.
Na
verdade,
o
homem
de
coragem
pessoal
e de
idéias
arrojadas
capazes
de
levar
sua
mensagem
de
paz
ao
mundo
todo
e de pôr
abaixo
até
o
muro
de Berlim, sabia-se irremissivelmente
preso
às
verdades
dogmáticas (sem
nenhuma
conotação
negativa
neste
adjetivo)
da
Igreja.
Verdades
que
nem
ele,
querendo, teria podido
mudar,
porque
acima
de
qualquer
vontade
individual.
Dessas
verdades,
de
caráter
pétreo
num
mundo
em
vertiginosas mudanças, advém o
drama
de
tantos
católicos
que
vivem numa
sociedade
em
que
elas
deixaram de
ser
corriqueiras, vigentes no
dia-a-dia.
Obedecer
a
elas
passou a ser-lhes
impossível,
a
menos
que
se conformassem
em
deixar
a
vida
correr
sem
a possibilidade do
divórcio,
da
limitação
de
filhos,
do abrandamento dos
costumes,
das
vitórias
grandes
ou
pequenas
do
individualismo,
dos
arbítrios
pessoais,
das
objeções
de
consciência...
Em
meio
à
enxurrada
de
declarações
nestes
dias
dominados
pela
morte
do
Papa,
nenhuma
me
pareceu
mais
realista e
mais
dura
do
que
esta:
--
Um
papa
que
satisfizesse às
aspirações
das
pessoas
modernas,
tendentes
ao confortismo, beneficiárias
em
potencial
dos
avanços
aéticos
da
ciência
e da
tecnologia,
às
concessões
do
liberalismo
–,
um
papa
assim
precisaria
criar
uma
nova
Igreja...
E
quantos
de
nós,
em
menor
ou
maior
dose,
não
têm
em
si,
atuantes,
germes
do
modernismo?
***
Podem
ficar
sossegadas aquelas bondosas
pessoas
que,
enquanto
me
falam
com
carinho
do
texto
de
domingo
passado
(sobre
velhas
histórias
relembradas
por
minha
mãe),
perguntam-me se
apenas
de
vez
em
quando
converso
com
ela.
Ao
contrário,
todos
os
dias
faço
isso,
mais
de uma
vez,
ainda
que
sem
vagares.
Naquele
recente
dia
chuvoso
e de
semana
santa,
ela
estava
particularmente
disposta
a
falar.
Sobre
histórias
familiares,
tanto
do
lado
materno
quanto
do
paterno,
já
escrevi
através
dos
anos,
algumas
claras,
outras
mais
veladas. E
ainda
tenho muitas
mais
para
escrever,
estando algumas
apenas
no
título,
outras
já
rascunhadas;
não
me
ocorrera
ainda
coligi-las num
livro
à
parte.
Quem
sabe?
***
Meu
amigo
e ex-aluno, Mozart José Paulino, casa-branquense apaixonado
por
sua
cidade,
ora
residente
em
Boston, diz-se
leitor
constante
do
que
escrevo.
Agora
recebo
notícias
dando-me
conta
do
trabalho
de
divulgação
que
faz
entre
seus
muitos
correspondentes
por
e-mails,
espalhados
pelo
mundo
todo.
Não
só
me
dá
conta
como
ainda
me
envia
cópias
das
respostas
que
recebe. Fico sabendo,
por
exemplo,
que
uma
crônica
do
ano
passado,
a
respeito
da
presença
da
chuva
nas
canções
de
amor,
é a
favorita.
Fico
satisfeito,
mesmo
levando-se
em
consideração
que
meu
papel
foi
mais
de
compilador
de
frases
do
que
de
criador,
propriamente, de
um
texto.
***
Dia
3 de
abril
foi
um
domingo
daqueles.
A
começar
pela
hora
braba
de
levantar.
Meu
primo
Hermenegildo Bertocco iria
passar
aqui
por
casa
entre
seis
e
seis
e quinze da
manhã!
Conhecedor
de
como
um
Bertocco
que
se preza é
escravo
dos
horários,
tendo
pavor
de
fazer
alguém
esperar
e detestando
esperar
os
outros,
dormi
preocupado,
coloquei
dois
despertadores
(deveria
também
ter-me apegado ao
serviço
da Telesp) e acordei,
sem
despertador,
meia
hora
antes
do
que
seria
preciso
para
fazer
tudo
sem
afobações.
Resultado:
às 5:53
eu
já
estava prontíssimo, caminhando daqui
para
ali,
na
calçada
de
minha
rua.
Consegui
assim
cumprir
boa
parte
de
minha
quilometragem
diária.
Meu
primo
chegou às 6:12.
Iríamos a
Araras
assistir
à
entrega
de
um
prêmio
especial
que
o Rotary
Clube
instituiu
em
comemoração ao
seu
centenário.
Rodolpho Del
Guerra,
principalmente
pelos
serviços
humanitários
que
presta à
coletividade
rio-pardense, seria
um
dos
oito
agraciados.
Lá
fomos
nós
três,
mais
Ubirajara Ottoni da Silva,
mal
sentindo a
viagem
passar,
porque
não
nos
faltou
assunto,
quase
sempre
rememorativo
e
alegre.
Tínhamos o
que
contar:
nós
quatro,
juntos,
já
andamos
perto
dos trezentos
anos!
Desnecessário
dizer
que
chegamos ao
Teatro
Estadual de
Araras
quase
junto
com
os
funcionários
encarregados
de abri-lo. É essa uma das
vantagens
dos
pontuais
como
nós:
esperar
bastante
pelos
outros.
Uma
beleza
o
tal
teatro,
projeto
de Oscar Niemeyer,
construído
durante
a gestão
de Orestes Quércia
como
governador
de
São
Paulo e
por
ele
inaugurado
em
março
de 1991.
Tudo
funcional,
dois
auditórios
–
um
com
capacidade
para
quase
duzentas
pessoas,
outro
para
mais
de quatrocentas.
Pena
o
seu
entorno,
árido,
sem
uma
árvore,
um
canteiro,
uma
sombra.
Seria
exigência
do
arquiteto?
Não
entrarei
em
consideração
sobre
o
que
pudemos
ver
e
ouvir
ao
longo
das
quatro
horas
da
sessão.
Houve de
tudo,
certamente
de
interesse
dos rotarianos.
No
fim
da
terceira
hora,
começou a
parte
da premiação. Notei
gente
ainda
chegando... Gildo leu o
currículo
breve
de Rodolpho, destacando o
que
ele
tem doado de
veículos
e
aparelhos
para
instituições
de
caráter
social
e assistencial de
nossa
cidade.
Rodolpho recebeu o
prêmio
das
mãos
da governadora distrital do Rotary.
Então
nossa
caravana
(o Bira e
eu)
ficou de
ouvidos
atentos
ao esperado
discurso
de agradecimento.
Aí
Rodolpho superou
até
Leônidas,
aquele
bravo
espartano
que,
ameaçado
pelos
persas,
senhores
de tantas
flechas
que
poderiam
até
cobrir
a
luz
do
sol,
respondeu-lhes: “Melhor,
lutaremos à
sombra”,
ou
seja,
não
gastou
mais
do
que
quatro
palavras.
Rodolpho disse: “Obrigado”.
Apenasmente.
Foi muitíssimo aplaudido
pela
grande
platéia,
não
só
pelo
seu
espírito
filantrópico,
mas
também
pelo
seu
sadio
laconismo.
Àquela
altura,
já
tínhamos
ouvido
duas espirituosas
palestras,
dezenas
de
pronunciamentos
e outras tantas
intervenções
pontuais.
Claro
que
eu,
deseducadamente, sugeri
que
viéssemos
embora
assim
que
o
prêmio
lhe
foi
entregue.
Rodolpho discordou e ficou
lá,
até
a
concessão
de
todos
os
prêmios
e a
oitiva
dos
respectivos
discursos.
Só
arredou
pé
após
a
calorosa
salva
de
palmas
ao
pavilhão
nacional,
como
é da
praxe
rotária.
Tirante
a
desatenção
do Gildo,
que
perdeu a
entrada
para
Cachoeira
de
Emas
e
nos
proporcionou turístico
desvio
até
perto
de
Ribeirão
Preto,
digna
de
nota,
finalmente,
foi a
peixada
de
tucunaré
e
dourada
que
devoramos
com
a
fome
atrasada das duas da
tarde.
09/04/2005
(emelauria@uol.com.br)
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