Sem retrospectiva

 
Avenida Marginal (Antônio Pereira Dias)

 

Foi feliz o nosso semanário não circulando sábado passado, 2 de janeiro. Essa folga generalizada poupou  colaboradores do Democrata da inevitável tarefa de reiterar votos de boas-festas, de elaborar  aborrecidas retrospectivas do falecido 2015 e de improváveis perspectivas para o novato 2016.

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Tenho comigo que esse 2015 não deixou saudade para ninguém que não faça parte de   um seleto grupo para quem as coisas não só vão bem como ainda tendem a melhorar dia após dia. Para nós outros, tardos de entendimento e jejunos em alta política sociofinanceira, 2015 não foi apenas um dos piores anos de que se tem notícia, como também poluiu, contaminou, comprometeu 2016, 2017, 2018.

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Um jornal inglês, com certeza em dia de mau humor, escreveu para quem queira ler:  para o Brasil a década que acaba em 2019 já está definitivamente arruinada e se não  for modificado o andar da carruagem, os anos 20 serão de crise braba, de mais desemprego, de perda de posições e  de prestígio em muitos setores da atividade humana.

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Some-se a tudo isso a provecta idade de tanta gente –  eu mesmo,  daqui a uns dias, completo os oitenta e quatro –,  e se terá a prova matemática de que muitos  não veremos nossa pátria gentil sair do sufoco. Ou seja: não teremos esperançoso sossego nem na hora de bater as botas, de apitar na curva,  de abotoar o tal paletó de madeira! Morreremos testemunhando privações e sofrimentos do povo causados  por atos de espantosos desgovernos. Cruzes!

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Ah, sempre coisas boas acontecem no âmbito pessoal, familiar, restrito. Machado de Assis, já em 1888, filosofou, a propósito da libertação dos escravos, que não há alegria pública que supere um bom júbilo particular. Ainda bem.

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Pense, por exemplo, na alegria palmeirense com a conquista, caída do céu,  da Copa do Brasil em cima do Santos.

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Pense na rarefeita torcida do Botafogo (aquela que cabe numa Kombi), satisfeitíssima com o time da estrela solitária voltando à elite do futebol brasileiro.

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Aprenda a valorizar a  múltipla notícia que lhe deu o médico de confiança: “Seu colesterol está bom e a taxa de triglicérides normalizou. Seu PSA recuou a níveis animadores”. Sob o ponto de vista de sua sobrevivência isso tudo tem de ser mais importante do que o IDH do Brasil, que ficou abaixo até  do de um país chamado Sri Lanka.

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Valorize a beleza e nitidez dos canais em HD, principalmente os especializados em paisagismo e futebol, que mostram coisas maravilhosas como o mundo visto do alto ou os jogos do Barcelona e seu imbatível trio MSN; aprecie a invejável majestade de uma Patrícia Pilar, de uma Ana Paula Arósio, de umas (há tantas!) de nome esquisito. Mulheres que passam dos quarenta, avançam impávidas pelos cinquenta e até  chegam generosamente joviais aos sessenta. Aí está Bruna Lombardi que não me deixa mentir.

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Se puder, faça até um poema de louvor ao controle remoto, que nos mantém confortáveis em nossas poltronas, das quais por forças próprias só conseguimos sair no terceiro arranco e então já nos esquecemos para que tanto esforço. Pense nele ( o controle remoto) como valiosa conquista, mais importante do que o abanico, a escova de coçar as costas, mais prestativo mesmo do que as mucamas, sempre à disposição dos senhores e das senhoras de antanho.

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Como vê,  nem tudo são desesperanças  neste ano tão novinho. Verdade que algo morreu dentro do peito de muito brasileiro quando uma legião de ricos camuflados  percebeu com tristeza que já não se pode confiar mais nem na discrição de bancos de prestígio mundial, agora reduzidos a delatores de pequenos, médios, grandes e enormes deslizes de sonegação praticados pela fina flor da classe política nacional. Que mundo cruel este nosso que primeiro desbancou os refinados relógios suíços e os substituiu pelos seikos da vida e agora rebaixa a tradicional credibilidade helvética, fazendo-a quase igual à grega.

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Tome como salutar exemplo de adaptação a novos tempos a feliz resposta do velhote que, entrevistado por um canal de tevê a respeito do que  achava de viver no Brasil de hoje, assim  filosofou: “A gente acaba se acostumando...”

Atitude bem mais construtiva do que os jornais andam espalhando por aí:  preocupante o número de brasileiros de posse e de instrução superior que estão abandonando o País e se radicando na Austrália, no Canadá e nos Estados Unidos. Desistiram deste pobre Brasil desnorteado.

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E a última boa nova,  porém não menos importante: meus artigos, por exclusiva decisão minha, doravante sofrem um desconto de vinte por cento na extensão, caindo de mil para no máximo oitocentas palavras! O de hoje tem setecentas e oitenta e sete. Há quem queira menos, muito menos.

 

09/01/2016
emelauria@uol.com.br

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