Leitura – a chave dos problemas

 

 
Fazenda Tubaca - 09/12/2007
- Márcio José Lauria -

Cada vez que se anuncia o resultado de um teste aplicado internacionalmente a estudantes de uma mesma idade, quem é do ramo já sabe: o Brasil ficará entre os últimos colocados, disputando as rabeiras com países de que nem se ouviu falar.

Foi o que se soube esta semana com a divulgação dos resultados de prova chamada PISA 2006, aplicada a jovens de quinze anos, no mundo todo. As questões diziam respeito a apenas dois assuntos – leitura e matemática.

O Brasil ficou lá para trás, especialmente em leitura. Os estudantes paulistas colocaram-se abaixo da sofrível média nacional; só obtiveram o nono lugar entre os brasileiros, cabendo o primeiro aos de Santa Catarina.

Não se vai tratar aqui da l ojeriza que a grande maioria tem pela matemática, embora sabidamente grande parte das dificuldades dos alunos não passe, também, de uma questão de má leitura de enunciados. Como resolver problemas se não se sabe ao certo o que se pede?

Afinal, o que é que anda faltando a nossos rapazes e moças para que se saiam melhor em confrontações que deixam professores, pais, a escola em difícil situação? Com toda a simplicidade se pode dar resposta honesta: falta aprender a ler.

E aí já se viu, toca a desancar a escola, principalmente a pública, como se apenas ela integrasse o processo de educação.

Educar, desde sua origem latina, traz implícita a idéia de que alguém que sabe se encarrega de conduzir quem não sabe. Evidente que quem sabe não é apenas o professor ou a escola como instituição. Sabem os pais, os familiares, os grupos sociais e religiosos, de tal forma  que com informes recebidos de todas essas fontes, o jovem estudante vai-se apossando de diferentes formas de leitura do mundo. Pronto, aí está de novo a palavra fundamental – leitura. Não apenas de uma revistinha, de um jornal, ou de um livro tido como difícil. Leitura que se revela na capacidade de observar, de abstrair e de generalizar, de tirar conclusões.

Quando a mãe ou o pai perde (na verdade, ganha) tempo explicando algo ao filho curioso, está abrindo a este uma forma de ler o que lhe ocorre à volta. E quantos pais e mães não se vêm furtando, sob mil pretextos, ao cumprimento desse tipo de apoio que ninguém pode compensar ou substituir?

Quando a família mostra a seus membros muito moços o valor da honestidade, da solidariedade, abre-lhes também outro canal de leitura das coisas que os cercam. E quantas famílias  apenas fazem da casa o lugar onde todos dormem, mas ninguém come junto, ninguém convive salutarmente, ninguém discute nada?

E assim acontece com a vizinhança, com a comunidade religiosa ou esportiva, com o rádio, a televisão  e, mais organizadamente, com a escola de todos os graus. Em nenhuma dessas entidades voltadas para a educação tem havido o desejado cumprimento de obrigações em favor da criança e do adolescente.

Na evidente desagregação social que atinge boa parte da família brasileira, quase sempre  apenas sob a responsabilidade  da mãe, esses diferentes veículos de educação não andam falando a mesma língua. Dentre todos eles, nenhum vem fugindo mais ostensivamente de sua missão de educar do que a televisão. Sempre se esperou dela o desempenho de relevante papel na educação das massas, dado o notável apelo do audiovisual e toda a sua possibilidade de prender a atenção de crianças e adolescentes. Ler-se o que um educador do porte de Edgard Roquette-Pinto reservava ao rádio e à televisão no Brasil e confrontar seus altos ideais com a triste realidade de hoje é exercício dos mais penosos.

Infelizmente para o Brasil, as emissoras de televisão descumprem com a maior naturalidade os muitos papéis a elas reservados. Ao invés de estimular, despertar a atenção e o interesse, propor desafios que levassem a um maior desenvolvimento intelectual e cultural, elas apenas massificam, embrutecem, entorpecem, desestimulam a formação de hábitos de reflexão, de autoconhecimento, de criação de vida interior.

Quase tudo em sua programação tem por finalidade vender, criar hábitos nem sempre saudáveis, estabelecer falsas necessidades que levam ao consumismo, à compra em parcelas carregadas nos juros. E que fazem de mais criminoso? Baixar o nível de complexidade de seus programas, de tal modo que um menino de oito anos entenda tudo, desde os chulos quadros ditos humorísticos até as novelas que ainda burlam todos os critérios decentes de classificação de seus temas de acordo com faixas etárias.

Ora, como é que pode aprender a ler de verdade quem não tem acesso a livros de bom nível, a explicações adequadas, a estímulos que agucem e elevem o grau de sua natural curiosidade?

Estudos especializados demonstram que em média um estudante de quinze anos presta naturalmente atenção a uma exposição verbal de bom nível apenas por dez minutos. Depois disso, ele pensa em outras coisas, procura conversar com seu vizinho de sala, dedica-se a outras tarefas menos cansativas, brinca com o celular, até sai da aula, se não o impedem disso.

Como aprender a ler sem prestar atenção exclusiva ao que se lê?

São comuníssimos os casos de pessoas de todas as idades que, por não terem  adquirido essa capacidade de concentração indispensável  a uma leitura integral, acabam impossibilitados de traduzir por conta própria as recomendações de uma bula de remédio, de uma  instrução sobre o funcionamento de um simples aparelho, de obediência a uma ordem escrita, de entendimento de um artigo de lei...

Isso quer dizer que pouquíssimos sabem ler/ouvir  e apenas alguns se dão conta do problema. A aula está chata? Vai-se embora. O filme não interessa? Conversa-se em voz alta. A prosa anda meio careta? Cai-se fora. O artigo está meio comprido?  Suspende-se a leitura sem nenhum constrangimento. O livro tem tópicos de reflexão? Pula-se meia dúzia de páginas. Não há esforço, não há disciplina, não há cobranças.

Como esse desamor à leitura no sentido amplo acaba abrangendo pessoas de diferentes idades e de diferentes níveis culturais, o resultado de qualquer embate com uma realidade  mais exigente redunda em completos fracassos. Fracasso na vida escolar, fracasso nos concursos, fracasso na obtenção de melhores empregos, fracasso no entendimento de qualquer abstração da filosofia, da psicologia, da sociologia, das línguas e das literaturas. Não poucos vivem uma situação cognitiva chamada acroase, ou seja, sabem mecanicamente ler as palavras, mas não conseguem entender o sentido da frase, apelando então para a explicação tantas vezes simplificada ou errônea de um colega de boa vontade. Existem acroatas em todos os graus de ensino, que lêem, lêem, mas não captam mensagem alguma...

Ora (e agora toco no ponto nevrálgico da questão), se até professores de todos os níveis lêem muito menos do que deveriam por necessidade funcional, que exemplo eles dão a seus alunos, de que modo podem estimulá-los e deles exigir que leiam convenientemente? E assim se cria um círculo vicioso de dificílimo rompimento: professores menos bons que formam alunos menos bons, muitos dos quais se tornarão professores menos bom ainda, responsáveis pela formação de alunos muito menos bons que... E todos invictos no mister da leitura!

Ninguém desconhece as durezas da vida moderna e da triste situação de quem precisa muito trabalhar para viver menos mal e para dar um mínimo de conforto à família. Pessoas trabalham arduamente o dia todo, depois vão à escola no período noturno. Voltam cansadíssimas para casa, mal tendo tido de enganar a fome com refeições apressadas. Quando podem estudar? Muitas delas ainda se sobrecarregam com outras atividades nos finais de semana, em troca de bolsas de estudos. Quando podem pesquisar? Quando, enfim, podem ler,  com prazer e proveito cultural, social, espiritual?

Dificilmente conseguirão, ao longo de suas carreiras, suprir as deficiências de formação  que se acumularam em sua lacunosa vida estudantil.

O resultado disso tudo se reflete em cada aluno que elas venham a ter, em uma sucessão cujo término é impossível prever. Trabalho para muitas gerações.

 

08/12/2007
(emelauria@uol.com.br)

 

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