Resíduos eleitorais

 


Antes da temporal
(Foto tirada do quintal aqui de casa.
Em primeiro plano, uma parreira)

 

A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR

Quem prestou atenção à fala da Dilma no Jornal Nacional de segunda-feira, pôde perceber:  ela é muito melhor fora da árdua campanha, sem a tutela do Lula, sem a vigilância do marqueteiro e sem a agressividade programática e meio falsa do Bonner e da Fátima. Mostrou-se tranquila, articulada. Mudou muito, depois que esteve rezando na Aparecida.

Numa das vezes em que ela olhou firme para a câmera, pensei ter lido no mais fundo de sua  mente:

- Meu Deus, livrai-me dos amigos, que dos inimigos cuido eu!

Vai daí que, quem sabe, e se o governo dela der certo?

Meno male, como dizia meu avô Bertocco.

 

QUEM DECIDIRÁ É ELA

De repente, gravíssima e transcendental questão-- como é que Dilma deverá ser chamada: presidente ou presidenta do Brasil?  Há controvérsias.

Consultando meus alfarrábios, diria que o gramaticalmente esperável é presidente. Trata-se de termo de trajetória conhecidíssima: vem do particípio presente de um verbo latino, que assumiu no português a função adjetiva e posteriormente  a de substantivo.

De presidir, presidente: de gerir, gerente; de amar, amante; de ler, lente; de depor, depoente.

Como substantivos,  são tidos como comuns de dois gêneros, ou seja, têm a mesma forma para o masculino e para o feminino, só variando o artigo que os precede.   Exemplos seculares  contrariam esse princípio.  É o caso de infante, que tem, na acepção de filha de rei de Portugal ou Espanha, sem ser herdeira da coroa, o feminino infanta.

Assim, razões de ordem psicossocial podem levar a nova mandatária a preferir a forma presidenta, o que lhe firmaria a situação de mulher, e que mulher: a primeira brasileira, que chega aonde chegou, com mais de cinquenta  e cinco milhões de votos, ou seja, vencedora de toda a sorte de preconceitos ainda muito arraigados na alma brasileira. Nem entremos por essa seara, porque tomaria todo o espaço disponível.

O que vai valer, mesmo, é que no Diário Oficial da União, de 1 de janeiro de 2011, estará escrito assim: “Dilma Rouseff, president?  da República Federativa do Brasil, no uso de suas atribuições...”  A forma então usada – presidente ou presidenta –   é a que prevalecerá, no âmbito governamental. E isso dependerá exclusivamente da vontade da nova titular. Tenho comigo que ela optará por presidenta.

 

DA ARTE DE ESCULPIR, SEM NENHUM VÉU DE ALEGORIA

“Arranca o estatuário uma  pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois  que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, primeiro membro a membro, e depois feição por feição, até a mais miúda: ondeia-lhe os cabelos,  alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo, que se pode pôr no altar.

( Trecho de sermão do Padre Antônio Vieira, onde Euclides da Cunha foi buscar inspiração para compor o seu Judas-Ahsverus.)

Variante moderna: ...e fica uma mulher perfeita, e talvez uma condutora, que se pode pôr no Planalto.

 

DOS GESTOS INÚTEIS

Nem adianta pensar no gesto simbólico de rasgar o título de eleitor, enjoado de ver o que viu, temeroso de ver o que ainda não viu.

Na próxima eleição, você terá esquecido tudo aquilo que o aborrece agora e quererá votar de novo. Bastará  apresentar sua carta de motorista, sua cédula de identidade. Quem sabe mesmo, com o galopante progresso da informática, você possa lançar mão de sua carteirinha da Unimed, de seu cartão de crédito do Magazine Luiza, de seu comprovante de sócio-contribuinte do glorioso Sport Club Corinthians Paulista?

O ideal, mesmo, será o uso da internet ou da rede bancária para lançar seu voto, esteja você onde estiver, neste nosso amado Brasilzão.

 

O HOMEM É O ZÉ

Fiquei impressionadíssimo com a calma, firmeza e desenvoltura de José Dirceu, antecessor de Dilma como chefe   da Casa Civil da Presidência. Ele pontificou no programa “Roda Viva” da TV Cultura, no domingo.

Percebia-se que seus interrogadores queriam apanhá-lo de qualquer modo e não o conseguiram. Não pareciam repórteres, jornalistas. Lembravam  os atiladíssimos inquisidores da Espanha e de Portugal, nos séculos XVII e XVIII, à caça de hereges. O homem ficou impassível, de um autocontrole admirável, pronto a se desvencilhar das tramas e a um passo de pôr no ridículo algum canhestro perguntador. Só não o fez porque  lhe seria politicamente incorreto.

Sei não, mas se não fossem as encrencas do mensalão e a desenvoltura dos delúbios da vida, José Dirceu, um advogado de muitos recursos e um político cheio de ideias, deveria ter sido o candidato natural à sucessão de Lula. O homem, que  tem visão global das coisas, fala em voltar à atividade pública, em busca do tempo perdido. Só espera ser absolvido pelo Supremo Tribunal Federal e ganhar anistia política no Congresso Nacional. Quem viver verá.

 

A VINGANÇA DE SÃO PAULO

Um daqueles apaixonados leitores-colaboradores do Estadão não deixa por menos: José Serra perdeu porque Aécio Neves o traiu em Minas, aceitando o fato consumado da dilmasia, ou seja, podia-se voltar na Dilma, desde que se cravasse voto no candidato a governador Anastasia, no primeiro turno. No segundo turno, pouca gente virou.  Diz que não foi a primeira traição de Minas a São Paulo. E fala de 1932, da Revolução Constitucionalista... Nada como chorar em vão o leite derramado.

Mas deixa estar,  jacaré! Quando Aécio se lançar candidato à Presidência (2014), receberá  o merecido troco: não terá votos em São Paulo. (Ao menos o dele não!)

 

PERIGO À VISTA

Alguém precisa convencer José Serra de que sua hora presidencial já passou: perdeu do Lula em 2002, perdeu o lugar de candidato em 2006 para o Alckmin, perdeu agora da Dilma.

Não foi isso, porém, que ele sinalizou em seu discurso de derrotado. A seus  seguidores em vigília cívica disse que ali não se vivia  um instante de adeus, mas apenas de até breve...

Ninguém merece tanta reincidência.

 

A MAIS FURADA DE TODAS AS PESQUISAS

Quanto se comentou sobre a falta de acerto dos institutos de pesquisas no primeiro turno! Correram deliciosas críticas às margens de erro exageradas. Uma delas dizia assim: Hoje é quarta-feira, mas pela margem de erro dos institutos de pesquisas, tanto pode ser segunda quanto sexta-feira...

Tem-se a impressão de que eles capricharam na metodologia  quando entraram no segundo turno, no que redundou em sensível aproximação ao resultado real.

Tirante a permanente injeção de óleo canforado que vinha do comitê central em favor do Serra, dando “empate técnico” até a última hora, nenhuma pesquisa se mostrou mais furada do que a enquete  sem  caráter científico que correu na internet. Por ela, a derrota da Dilma foi pra lá de acachapante: apenas quinze por cento das intenções de votos... Serra, soberano, abocanhava oitenta e cinco por cento...

 Belos sonhos de lindas noites de verão...

 

PARA REFLETIR

“Ele sairá da presidência, mas a presidência sairá dele?”

(Interrogação  na capa da revista Veja esta semana.)

 

06/11/2010
emelauria@uol.com.br)

 

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