Eu e minhas gatas

Minha filha Ana Lúcia e eu conversávamos despreocupados debaixo da velha jabuticabeira, nosso natural ponto de reunião familiar há bem mais de meio século.

Aí chegou a gata preta de olhos verdes, logo seguida da clara de olhos idem.

Ficaram por ali, esfregando-se em nós, exigindo um tanto de atenções e de afagos.

Como acontece com todas as pessoas antenadas de hoje, minha filha estava munida de celular, naturalmente dotado de câmera fotográfica de nem sei quantos megapixels.  Tirou umas tantas fotos e foi feliz em todas, porém felicíssima numa delas, a que motiva este relato. Conseguiu captar um belo momento num especial cenário.

À vista de tantos dos meus sinais externos de velhice, resolvi com certa ponta de melancolia  enviar a tal foto a umas pessoas de minha familiaridade, para isso dando a ela o título que pode ter um bom número de leituras. A mais inviável de todas, sem dúvida, a de atribuir  à palavra gatas o pretensioso sentido de mulheres jovens e atraentes, capazes de despertar a minha atenção,  como se os oitenta e três anos que me pesam nas costas não fossem impeditivos de maiores pretensões  no rarefeito campo das conquistas amorosas.

Quase todos os destinatários da foto que agora reproduzo entraram na brincadeira e deram resposta a minha provocação, de modo que se pode ter curioso panorama de tantas e tão díspares interpretações. 

 

 

Vamos a elas:

Minha única  e comportadíssima irmã: “Ah!!! Que lindas ... e meigas”.

Velha e enigmática amiga: “Não sabia que você gostava de gatos. Prefiro cachorros”.

Ex-aluno muito respeitoso: “Belas gatas”.

Amiga afetuosa e otimista a meu respeito: “Adorei suas gatas. Estava com medo de vê-las.”

Colega com sérias dúvidas sobre mim: “Ah! Bom.”

Sujeito provocador: “Lindinhas, elas”.

Primo em viagem pelos Estados Unidos: “Belas gatas num belo quintal”.

Sujeito cáustico e subliminar: “Belo lugar e bela companhia. Não há nada como o quintal da casa, né ???”.

Sobrinho sintético: “Gatíssimas”.

Amiga que sabe dos riscos que velhotes desavisados podem correr: “Belas gatas!!! Morena, loira... e calculo que elas não lhe deem muito trabalho nem ... preocupação!”.

Amigo que não perde tempo com bobagens:  “Boa tarde!”.

Ex-aluna conclusiva:  “Como o Sr. e a fotógrafa se parecem!”.

Dono de site: “Belas gatas”.

Prima precavida: “Delícia de jardim! As gatas são lindas!”.

Amigo jurista: “Bela  foto. Quem o autor?”

Primo exigente: “Bucólico e ecológico o recanto... Parabéns pelas gatinhas. Ressalvo apenas que o pijama está um pouco velhinho”. – Respondi-lhe dizendo que não se trata de pijama e sim de abrigo. Ele não se dá por vencido: “Desculpa esfarrapada!”.

Outra filha agradando o velho pai: “Gostei do gatão de azul”.

Amiga esteta: “Que bela foto. Abraço, amigo”.

Filho com um pé atrás: “Ao ler o título, cheguei a temer por minha herança...”.
 

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 Enquanto digito este texto, a gata loira se aproxima, dá seus miados convencionais, enrosca-se nas minhas pernas  e nem imagina ser assunto da crônica, com fotografia em jornal e tudo.

Sinto-me até aliviado por nada ter escrito esta semana que me lembre e aos meus seletos leitores como estamos mergulhados até o nariz numa crise de saída tão custosa e desgastante.

Haja paciência e a permanente lembrança da frase do grande amigo euclidiano Ivo Vannucchi, inscrita em seu túmulo, em São Joaquim da Barra: “Perca-se tudo, menos a esperança”.

Amém. Amém.

 

08/08/2015
emelauria@uol.com.br

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