DAS MUITAS FORMAS DE  GENTILEZAS

            Quando terminei de escrever o artigo “Visões discordantes”, por um momento duvidei se valeria a pena  mandá-lo para publicação. Achei-o um tanto pessimista, quem sabe com doses excessivas de realismo. Acabei resolvendo que sim, e desde aí, 18 de março, venho recebendo inesperados comentários e cumprimentos por haver analisado criticamente algumas das facetas mais particulares desta nossa original cidade.

            Antes assim, antes essa democrática aceitação de pontos de vista não coincidentes com alguma versão oficial ou muito otimista.

            Jamais imaginava, porém, que a Câmara Municipal, em sua unanimidade, houvesse considerado aquela matéria como ponto de reflexão, a partir da proposta do vereador Ismael Batista da Silva, com quem, através dos anos, mal troquei meia dúzia de palavras. Significativa a maneira com que justificou em plenário a moção de congratulações que me foi dirigida, com a assinatura dos dez vereadores em exercício.

            Antes assim, digo de novo. Meu agradecimento público pelo belo gesto de nossa Câmara.

            Não me rejubilei, propriamente, quando Paulo Flamínio, quem sabe preparado para uma resposta negativa desde logo, me telefonou sugerindo um artigo no suplemento CULTURA  sobre a Revolução de 1964 e sobre a cassação de Hélio Navarro. Ele, que escreve, sabe como as pessoas são ciosas em sua liberdade de escolher os temas que abordam. Às vezes até optam pelo pior, mas detestam interferências, ainda que amistosas e bem-intencionadas.

            Disse-lhe, contudo, que sim, e me pus a buscar um ângulo original, que se apresentasse como verdadeiro, tanto para mim, quanto para eventuais leitores. Parece que acertei, se levar em conta o que tenho recebido de palavras agradecidas, entre elas as de pessoas muito chegadas a  Hélio Navarro.

 Amigos rio-pardenses que moram em tantas outras cidades, também me comunicaram sua concordância com os dois textos (“Visões discordantes” e “Tanto tempo depois”), colocando-os como assunto de interesse geral  na internet.

            Tudo isso é estimulante e dá a quem escreve a certeza do que mais necessita: algum retorno – o  que, na linguagem da Comunicação, chama-se feedback, uma espécie de retroalimentação  das baterias dos escribas. Por mais que seja verdadeira a afirmativa de, em essência, escrevermos para nós mesmos, nunca é demasiado que nos digam e provem  que também nos lêem... Neste particular, venho contando com alguns leitores que dissecam minhas palavras e me pedem conta de cada pensamento por acaso não suficientemente auto-explicativo.

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            Minha palavra de compreensão e de estímulo ao colega Francisco Braghetta, momentaneamente afastado de seus leitores. Conhecendo, em outra escala, a mesma circunstância de não querer afastar do convívio familiar pessoas de nossa mais funda afeição, espero que o Chico encontre o difícil, mas possível, ponto de conciliar as coisas por ora conflitantes: dar atenção a problemas domésticos e não privar a cidade de um de seus mais lúcidos defensores.

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            O mínimo que se pode dizer do longo convívio com pessoas numa sauna de clube é que ele é despido de convencionalismo ...e muito caloroso. Assim se dá comigo na sauna do Rio Pardo F.C., que freqüento desde sua inauguração, quase às vésperas dos trinta anos.

            Num sábado destes, em que a sauna seca estava lotada de pessoas conhecidas, uma delas me provocou:

            -- E se o Sr. resolver escrever sobre as bobagens que ouve por aqui, como ficamos?

            Já os tranqüilizo com a promessa de não revelar nomes nem reproduzir fielmente alguns diálogos...

            Há muitos anos tratei do assunto, mas desde os tempos iniciais até hoje, há uma constante nesse longo relacionamento: ficamos todos em pé de igualdade, não importa idade, profissão, estado civil. Reclamamos das mesmas coisas ou elogiamos os mesmos calores, repetimos exaustivamente as mesmas brincadeiras sobre como ficaríamos se a freqüência à sauna se tornasse obrigatória. E é exatamente nessa rotina no que se diz e no que se pode pensar  que está para mim um dos encantos. Dos companheiros dos primeiros tempos, já não resta nenhum, mas os novos (alguns não tão novos assim) me passam o mesmo clima de camaradagem, respeito e amizade.

            Transcrevo um trechinho de Tempo e Memória (1986): ... “sauna é o lugar anti-reflexão por excelência. Lá não há como se ordenar um assunto, lá os pensamentos não se congeminam direito e as tentativas de aprofundamento mental se tornam impraticáveis. Diminui o fôlego, dez minutos após a entrada numa daquelas salas superaquecidas. O conforto se transforma rápido num obsessivo mal-estar, e então você percebe toda a significação da aparentemente absurda proposta do rei inglês: --‘Meu reino por um cavalo”, tomado ‘cavalo’ como sinônimo de ‘chuveiro frio’...”

            Continuem sendo respeitosamente besteirentos, meus caros companheiros das quintas e sábados! Vocês vencem qualquer estresse e põem abaixo qualquer convenção.

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             Outro dia me fizeram uma gentileza que relato menos pelo assunto e mais como forma de me desculpar com a pessoa envolvida.

             De modo geral, sou bom fisionomista; pode até  ser que não guarde nomes, mas sempre me lembro daqueles com quem já tratei.

             Pois, atendendo a  alguém ao portão de casa, dou com um senhor magro, jovial, de cabelos grisalhos, de ótimo aspecto, que me trata com certa familiaridade:

             -- Estou colecionando uma série de CDs de música popular, e agora recebi um volume que não me interessa. Tem música americana antiga, e o que aprecio, mesmo, é bossa-nova.

            Estende-me o tal CD e, sem tempo sequer de eu examiná-lo, faz menção de me oferecê-lo. Aí é que cometo a gafe, perguntando-lhe quanto custaria o volume.

            -- Não, não quero vendê-lo, quero dar-lhe um presente...

            Sem saber onde pôr a cara, agradeço-lhe muito e não tenho sequer a presença de espírito de convidar o doador a entrar, para conversarmos um pouco.

            Ele se despede ali mesmo, quem sabe decepcionado comigo e tão constrangido quanto eu.

            Por mais tratos que dê à memória, não consigo identificar aquela pessoa tão gentil. E assim, peço-lhe desculpas públicas, agradeço-lhe de novo e lhe digo que me ofertou preciosa coletânea da melhor música norte-americana. Como não gostar, por exemplo, de Smoke gets in your eyes, com The Platters; de St. Louis Blues, com Bing Crosby; de My Way, com Nina Simone; de I want to be happy, com Ella Fitzgerald?

            Obrigado, meu bem-intencionado e maltratado doador. Desculpe-me o mau jeito e, principalmente, minha falta de hospitalidade.

 

08/04/2006
(emelauria@uol.com.br)

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