Nada será como antes
Evitou-se o mal maior. A eleição não foi decidida no primeiro turno, com o que se daria o soterramento de todas as suspeitas, irregularidades, falcatruas, mal-entendidos e mal-explicados. De quem a culpa de se haver chegado ao extremo em matéria de corrupção? Certamente do presidente Lula e dos condutores de sua campanha, tais e tantos foram os erros cometidos na reta final. O recado que o povo mandou foi alto e claro: mesmo se ganhar a eleição no segundo turno, Lula precisará mudar, muito e urgente. Antes, porém, não deixará de ser cobrado em todos os debates, a que agora não poderá faltar, sob nenhum pretexto.
ONDE LULA GANHOU FÁCIL Lula foi campeão de votos no que se pode chamar de Brasil sustentado pelo governo federal e perdeu feio no Brasil que sustenta esse mesmo governo. Dois oito estados do Brasil que apresentam o melhor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Lula só ganhou no Rio de Janeiro. Em compensação, suas mais esmagadoras vitórias foram no Amazonas (décimo segundo IDH) e no Maranhão (vigésimo sétimo e último IDH).
INTIMIDADE COM A DIGITAÇÃO Devemos dar graças pelo uso diuturno que os brasileiros vêm fazendo do teclado de celulares (quase noventa milhões), das caixas automáticas de todos os bancos, dos computadores cada vez mais presentes em nossas vidas. Com tanto treino obrigatório, digitar uns numerozinhos na urna eleitoral foi brincadeira. Daí a rapidez com que o cidadão comum chegou à cabine, votou e confirmou suas escolhas. Pensando bem, foram cinco diferentes eleições que boa parte do povo liquidou em até menos de um minuto. Alguns, em vinte segundos...
DESCULPAS ESFARRAPADAS Foi muito interessante ler os argumentos usados pelos institutos de pesquisa da opinião pública sobre as diferenças gritantes observadas entre as prévias eleitorais e a verdade apurada nas urnas. Claro que um cozinheiro, para saber se o tempero de seu panelão de sopa está bom, toma uma colher e, por amostragem, decide se carrega mais ou menos no sal ou na pimenta. Esse critério, muito válido em culinária, não se aplica com precisão na forma de apurar as tendências eleitorais. Outro dia, no Centro Cultural Batista Folharini, fazia-se a mesma pergunta a tantas pessoas: “Você alguma vez já foi consultado por algum ibope da vida?” – A resposta unânime foi não. Além disso, é da essência da democracia que o eleitor guarde sigilo sobre suas preferências, podendo mudá-las à última hora. Se assim não fosse, como explicar o susto que Afif deu no Suplicy, considerado reeleito para o Senado, desde sempre? Se assim não fosse, o petista Jaques Wagner não teria abiscoitado o governo da Bahia, derrotando silenciosamente uma das mais arraigadas oligarquias brasileiras – a de Antônio Carlos Magalhães. E se assim não fosse, quem apostaria na exclusão do bom governador Germano Rigoto e da entrada de Yeda Crusius, na disputa do segundo turno, no Rio Grande do Sul? Aliás, entre os critérios de avaliação da robustez de uma democracia está este: a imprevisibilidade dos resultados eleitorais. Ou, como se dizia enfaticamente em outros tempos – ninguém pode antecipar a soberana vontade do povo...
AS LIDERANÇAS MAJORITÁRIAS BRILHAM NAS PROPORCIONAIS Não há por que se espantar com os mais de setecentos mil votos que levam Paulo Maluf à Câmara dos Deputados, ou com os mais de quatrocentos mil concedidos a Fernando Collor de Melo, que assim retorna com tudo à cena política como senador por Alagoas. Eles já tiveram em eleições majoritárias alguns milhões de votos. Candidatando-se a cargos de votação proporcional, tiram proveito de uma espécie de resíduo de prestígio que ficou registrado na memória de seus admiradores.
OS CACARECOS DE SEMPRE Houve, já faz muito tempo, um rinoceronte do zoológico de São Paulo – o Cacareco, que foi campeão de votos numa eleição municipal. No Rio de Janeiro, o macaco Tião superou muito figurão da política. A urna eletrônica impede essas manifestações jocosas de desagrado com a situação. Quando muito, ela admite voto em branco ou voto nulo, sem mensagens. Por outro lado, a desesperança, a irresponsabilidade, a falta de seriedade com que muitos vêem a política e os políticos explicam a estrondosa votação para deputado federal do estilista Clodovil. Pelo que ele mesmo declarou, não levará nem um pouco a sério a sua função em Brasília. Seus eleitores merecerão esse tipo de escárnio.
QUAL SERÁ O PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO? Não se sabe se Geraldo Alckmin, mas certamente José Serra precisará tratar com muito carinho o jeitoso Afif Domingos, que com boas e polidas palavras solapou o prestígio de Suplicy e abocanhou mais de oito milhões de votos não de todo inúteis.
OS ABSOLVIDOS PELAS URNAS João Paulo Cunha (177 mil), Antônio Palocci (152 mil) Ricardo Berzoini (117 mil), José Mentor (107 mil), Waldemar Costa Neto (104 mil), José Genoíno (98 mil), Vadão Gomes (78 mil) voltam com tudo à Câmara dos Deputados.
OS FAVORECIDOS PELAS SOBRAS ELEITORAIS Paulo Maluf e Celso Russomano, que juntos chegaram a 1 milhão e 300 mil votos, carregaram para a Câmara dos Deputados os companheiros de PP Aline Gomes (11 mil) e Marcelo Mariano (8 mil). O coronel Paes de Lira (6.600 votos) vai carregado pelos 493 mil de Clodovil, do PTC, que ninguém sabe que raio de partido é.
VITÓRIAS CONSAGRADORAS As de Sílvio Torres (131.197), para a Câmara dos Deputados, de Sidney Beraldo (136 mil) e Jorge Caruso (81 mil), para a Assembléia Legislativa, candidatos muito votados na região. Belo retorno de João Melão Neto (79 mil), agora deputado estadual, depois de ter sido ministro e deputado federal.
07/10/2006 |