Ainda essas palavras quase iguais

 

 
Marina e eu num bom momento, não distante.
- Márcio Lauria -

Conforme o previsto, o assunto da semana passada – parônimos –suscitou comentários e cobranças. Os comentários, bastante favoráveis, lembravam como pessoas de mais idade chegaram a estudar tudo aquilo, ao passo que seus filhos e netos quase nada souberam do pequeno exercício que organizei.

Não sei se posso confiar inteiramente na garganta de um brasileiro exilado nos Estados Unidos que, já na segunda-feira, cantava vitória: havia acertado todas as alternativas! Sei não, porque a regra geral é esta: quando se começa a pensar e a sonhar em outra língua, o idioma natal passa a ser tratado como coisa estrangeira. Vou, porém, confiar no acerto proclamado do Ferfla, que tantos por aqui conhecem. Amor à cidade ele tem, e muito. Amor ao português – isso já é outro departamento.

Antes de continuar a discorrer sobre parônimos e seus arredores, não posso deixar em branco a oportunidade de relatar o desabafo de um padre cisterciense que, daqui de São José, foi parar nas lonjuras de um lugarejo do Chile. Depois de bastante tempo por lá, o religioso voltou em visita à sua casa  brasileira. Encontrei-me com ele na rua e, conversa vai, conversa vem, perguntei-lhe sobre o espanhol falado por aquela população quase rural:

- Muito difícil entendê-los. Usam termos indígenas e um vocabulário regional. Estou vivendo um momento que me preocupa: ainda não domino aquele espanhol e estou esquecendo o português. Se continuar assim, vou acabar mudo...

Mas voltemos aos parônimos – palavras quase iguais.  

Se quisermos complicar o assunto, podemos pensar em homônimos  (palavras que possuindo origens diferentes, acabam tendo em português o mesmo aspecto): vela  tanto pode ser pano de mastro, como círio, como ainda forma do verbo velar, que quer dizer vigiar, tomar conta. Daí velório... Lima tanto pode indicar uma ferramenta, como uma fruta, como forma do verbo limar.

Homonímia não se confunde com polissemia, circunstância na qual o mesmo vocábulo assume aspectos diferentes. Tomemos a palavra mão. Basicamente indica uma parte do corpo humano. Mas, por um processo de economia verbal, entra numa grande série de frases ou expressões com sentidos particulares:

·        direcionar: A mão nesta rua é para cima

·        abandonar: Deixar alguém na mão

·        propor casamento: Pedir a mão da noiva

·        dar as cartas: Quem é mão neste jogo?

·        prestar auxílio: Você pode dar uma mão aqui?      

Tomemos alguns parônimos de significações bem diferentes:

1.  angusto: apertado, sufocante; augusto: digno de respeito, solene, imponente.

2.  avícola: aquele que cria aves; avícula: ave pequena.

3.  açougue: casa de carnes; azougue: pessoa esperta.

4.  bem-vindo: que chegou bem; Benvindo: nome próprio.

5.  binga: isqueiro, caixinha de guardar; bingo: jogo de números sorteados.

6.  bucho: estômago de animais, mulher feia; buxo; arbusto próprio para cercar.

7.  búzio: concha de grandes moluscos; buzo: jogo  com cascas de  laranja.

8. censor: quem promove a censura; sensor: aparelho de sensibilidade.

9.  lustre: candelabro; lustro: brilho, período de cinco anos.

10. externo: do lado de fora, exterior; esterno: osso do peito; hesterno:relativo ao dia de ontem.

 

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Cardeal, um parônimo em voga

Um compadre meu e companheiro de curso colegial  foi o primeiro a me dar notícia da designação de D. Orani Tempesta como arcebispo do Rio de Janeiro. Ele exagerou dizendo que  nosso ilustre conterrâneo havia sido nomeado cardeal-arcebispo. Como responderia uma personagem de Machado, isso de cardeal-arcebispo para D. Orani são coisas futuras. Futuras, mas certas, certíssimas, na ordem geral das coisas.

Cardeal, parônimo de cardial (adjetivo relativo à cárdia, orifício superior do estômago), tem diversos sentidos, entre eles:

1.     Principal: norte, sul, leste e oeste são pontos geográficos cardeais. Ou ainda: existem quatro virtude cardeais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

2. Título dado aos clérigos mais importantes, primeiro da cidade de Roma e posteriormente das principais cidades do mundo.

Nesta acepção é que deve entrar, num futuro próximo, a pessoa do arcebispo Orani João Tempesta, porque o Rio de Janeiro é sede cardinalícia, na verdade a primeira da América Latina. Em 1915, foi criado cardeal o seu arcebispo Joaquim Arcoverde, pernambucano (1850-1930). São ainda sedes cardinalícias no Brasil: São Paulo, Salvador e Brasília. Têm ou já tiveram cardeais-arcebispos Aparecida, Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre.

Nomeados pelo Papa, os cardeais são tidos como príncipes da Igreja e usam como principal insígnia o chapéu cardinalício, de cor vermelha. Têm precedência sobre todos os clérigos e dignidades eclesiásticas. Hoje são cerca de cento e oitenta, o que constitui o maior senado internacional, mas só podem votar em conclaves (reuniões a portas fechadas para eleição de um novo Papa) os que tiverem menos de oitenta anos. Estão nessas condições de não votar nem ser votados: Paulo Evaristo Arns e Eugênio Sales.

Interessante a etimologia de cardeal, no sentido eclesiástico. Vem do latim cardo, cardinis, que significa gonzo de porta. Assim, o cardeal, na Igreja Católica, é considerado o eixo principal, a espinha dorsal sobre a qual gira o governo universal do Catolicismo.

Não deve demorar muito para que seja imposto em D. Orani o vistosíssimo chapéu cardinalício. Depois disso, só lhe restará o Papado, como alguém, muito religiosa e otimista,  já lhe vaticinou há muito tempo...

 

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Um abade sem physique du rôle

Meu ex-aluno Paulo Celso Demartini, agora abade de Nossa Senhora de São Bernardo, definitivamente não tem o que os franceses ligados ao teatro chamam de physique du rôle, ou seja, compleição adequada ao papel.

Na Traviata, de Verdi, por exemplo, a heroína transviada, tuberculosa, precisa ser interpretada por soprano peso-pena, leve como a pluma. Se surge em cena uma fornida italiana, daquelas que parecem saltar da roupa, o público não perdoa.

Abade, na tradição literária e teatral luso-brasileira, sugere alguém corado, nédio, sossegado, bom de garfo. Existem até frases feitas, do tipo “comer como um abade”. O cáustico  poeta português Guerra Junqueiro  não deixa por menos. Tem um poema  de fundo satírico chamado “A sesta do senhor abade”.

Paulo Celso Demartini desmente tudo isso. Feito abade pelo voto de sua comunidade, continuará a ter  quase nenhum tempo para si mesmo, para os mínimos prazeres da mesa, do descanso, do lazer, da leitura amena.

Permanecerá a serviço  de Deus e do próximo, fiel a seu lema abacial:

Pius pater – Pai amoroso.

 

07/03/2009
(emelauria@uol.com.br)

 

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