Miudezas da hora presente

 
 

O banquinho de três pernas

 O recém-falecido arquiteto Sérgio Rodrigues, inventor de uma caríssima poltrona mole que faz sucesso universal, também ganhou um bom dinheiro vendendo no mundo todo um simples banquinho de três pernas, segundo ele baseado naqueles usados por retireiros  de leite ao pé da vaca.

Monteiro Lobato, na descrição física e moral  do Jeca Tatu, explica de outro modo  o sucesso do cômodo móvel: homem afeito ao mínimo esforço, nosso caboclo percebeu, há séculos, que se fizer um banquinho com quatro pernas, precisará nivelar  o piso de terra de sua tapera. Com três, o banquinho se ajeita aos altos e baixos  de qualquer lugar e não derruba o ocupante. Coisa de legítimo brasileiro, não?

 

Outro banquinho de três pernas

 A surpreendente Marina Silva teve de dar uma de caboclo lobatiano para explicar por que  deixou mexerem em itens dos mais polêmicos de seu programa de governo:  favorável ao casamento gay, à criminalização da homofobia e endosso a novas formas de família. Retirou tudo isso do texto e atribuiu a indevida inclusão a uma falha processual. Pegou mal.  Disseram que com isso ela ficou mais errática do que sonhática.

 

Nem precisa de inimigos

 A minguante candidatura de Aécio Neves , que parece ter sido morta e enterrada  junto  com o desventurado Eduardo Campos, recebeu rude golpe com a apressada atitude de seu chefe de campanha, Agripino Maia. O senador pelo DEM simplesmente  disse que no segundo turno os aecistas votarão na Marina! Ou seja, Aécio não vai para o segundo turno. Nunca se tinha visto na política brasileira, dominada por cobras criadas capazes de dar nó em fumaça, ninguém com tanta pressa de admitir a derrota. A partir disso, parece que ninguém mais levou a sério a boa chance e os bons propósitos do sobrinho de Tancredo Neves.

 

No segundo turno, escolha indigesta

 Meu octogenário amigo tucano me telefona de São Paulo, feliz da vida. Segundo ele, podia-se comemorar, desde já,  uma vitória histórica – impedir a continuidade petista no governo brasileiro. Seu raciocínio é linear: com a ascensão de Marina, garante-se o segundo turno.  Somando-se então   os aecistas que aderirão, os indecisos que se definirão e o eleitorado  certo de Marina, Dilma será derrotada com  facilidade até. Ver para crer, penso eu. Há quem até imagine um recurso extremo, guardado na manga de grande mágico: se preciso for, às vésperas da eleição o PT descartará Dilma e colocará em seu lugar nada menos do que o próprio Lula!

 

Triste centenário

 Puxa vida, que  centenário o  do Palmeiras. Nem o técnico argentino de quem   se diziam maravilhas conseguiu melhorar o clima. Também, o nome do gringo não ajudou: Gareca. Lembra Careca, ou seja, o cara estava careca de saber que a condição básica de um time melhorar é ter jogadores trabalháveis e não um bando de cabeças de bagre.

Não existe razão alguma, dada a minha ascendência,  para eu  ser antipalestrino. Sou vítima de um presente que me deu em 1939 um primo, Oswaldo Motta, de pai português. Trouxe-me ele de São Paulo um belo distintivo de lapela do Corinthians, que tinha um timaço (chegou ao tricampeonato)  e por isso eu me mantive fiel ao glorioso alvinegro de Parque São Jorge. Não tive, porém, nem força para fazer proselitismo com meus filhos: os três homens são palmeirenses, muito provavelmente para agradarem a meu pai, palmeirense de tevê, sem nunca ter assistido a um jogo do alviverde  ao vivo. Uma das filhas quis ser solidária comigo e um dia me perguntou, não me deixando dúvida quanto à  própria ignorância: “Pai, pra que time nós torcemos mesmo?”. Apenas a outra filha é corinthiana pra valer, mais porque o marido também o é. Mas os filhos dela ou são palmeirenses ou são-paulinos. Já não se fazem filhos integralmente solidários.

 

Ver para crer

 O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo decidiu por apertada margem de votos (quatro a três) que a candidatura de Paulo Maluf a deputado federal deve ser rejeitada porque o ex-governador e ex-prefeito foi condenado por improbidade administrativa.

Seria, portanto, um legítimo ficha-suja. Cabe recurso ao Tribunal Superior Eleitoral. Se for ainda o caso, Maluf vai ao Supremo, à ONU, ao Tribunal de Haia.  Maluf não é de entregar os pontos, ele que sequer pode sair do Brasil por justo receio de ser preso pela Interpol.

 

Um Getúlio muito bem construído

 Coisa rara, vi uma noite destas, na Globo, um filme brasileiro que muito me agradou: Getúlio, com o versátil Tony Ramos no papel-título. Dizem que lhe foi complicado assimilar os tiques, a pronúncia, a tortuosidade de raciocínio do mais importante político brasileiro da primeira metade do século XX. E, em especial, acostumar-se a uma  imensa barriga, construída com a ajuda de travesseiro amarrado à cintura. Um primor de interpretação, com o ator entrando de verdade na pele do personagem e trazendo para um público mais velho e contemporâneo dos fatos narrados o convincente retorno de quem, tendo revolucionariamente assumido o poder, nele se manteve  por quinze anos, alguns deles dentro de uma das melhores constituições que o País já teve, a de 1946. E, entre poder cumprir seu mandato constitucional e renunciar forçadamente a ele, preferiu a morte.

Pessoas  hoje esquecidas da conturbada história brasileira, como Carlos Lacerda, Café Filho, Eurico Dutra, Gregório Fortunato, Alzira Vargas, Eduardo Gomes, Rubens Vaz, Benjamin e Lutero Vargas, entre tantos, são trazidas à luz  que só agora a perspectiva histórica  permite.

 

30/08/2014
emelauria@uol.com.br

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