Forma rápida de adquirir cultura

 
O braço sereno do rio

 

Alguém, muito lido e muito culto, faz sob esse título observações mais que originais a respeito de tema que vem preocupando gerações: a leitura, por vezes obrigatória, de livros importantes da literatura mundial, mas nem por isso sempre agradáveis.

Não raras vezes, a pouco espontânea tarefa é cumprida em nossas escolas de modo sumário e superficial através do uso de resumos alheios que correm de mão em mão, de classe em classe, servindo até a diversas gerações de estudantes. Não é de hoje que esse tipo de condensação nem sempre bem-feita recebe o nome de sebenta, tantos são os seus usuários através de muitos anos.

Pois o espirituoso redator da talforma rápida” reduz o enredo de livros famosos a um esqueleto por vezes carregado de grossa malícia. Transcrevo alguns.

 

De Marcel Proust, À la Recherche de Temps Perdu (Em busca do Tempo Perdido), com 1.600 páginas:

Um rapaz, asmático, sofre de insônia porque a mãe não lheum beijinho de  boa-noite. No dia seguinte (pág. 486 do vol. I), come um bolo e escreve um livro. Nessa noite (pág. 1344, vol. VI) tem um ataque de asma porque a namorada (ou namorado?) se recusa a dar-lhe uns beijinhos.  Tudo termina num baile (vol. VII) onde estão todos muito velhinhos – e pronto. Fim.

De Leon Tolstoi, Guerra e Paz, com 1.200 páginas:

Um rapaz não quer ir à guerra por estar apaixonado e por isso Napoleão invade Moscou. A mocinha casa-se com outro. Fim.

De Gustave Flaubert, Madame Bovary, com 778 páginas:

Uma dona de casa mete o chifre no marido e transa com o padeiro, o leiteiro, o carteiro, o homem do boteco, o dono da mercearia  e um vizinho cheio da grana. Depois entra em depressão, envenena-se e morre. Fim.

De William Shakespeare, Romeu e Julieta:

Dois adolescentes doidinhos se apaixonam, mas as famílias proíbem o namoro. As duas turmas saem na porrada, uma briga danada, muita gente se machuca. Então um padre tem uma ideia idiota e os dois morrem depois de beber veneno, pensando que era sonífero. Fim.

De William Shakespeare, Hamlet:

Um príncipe com insônia passeia pelas muralhas do castelo, quando o fantasma do pai lhe diz que foi morto pelo tio que dorme com a mãe, cujo homem de confiança é o pai da namorada, que entretanto se suicida ao saber que o príncipe matou o pai para se vingar do tio que tinha matado o pai do seu namorado e dormia com a mãe. O príncipe mata o tio que dorme com a mãe, depois de falar com a caveira e morre assassinado pelo irmão da namorada, a mesma que era doida e que tinha se suicidado. Fim.

De Sófocles, Édipo Rei tragédia grega:

Maluco tira uma onda, não ouve o que um ceguinho lhe diz e acaba matando o pai, casando com a mãe e furando os olhos. Por conta disso, séculos depois, surge a psicanálise que, enquanto mostra que você vai pelo mesmo caminho, lhe arranca os olhos da cara em cada consulta. Fim.

De William Shakespeare, Otelo:

Um rei otário, tremendo zé-ruela, tem um amigo muito cachorro que pensa em fazê-lo de bobo. O talamigonão ganha um cargo no governo e resolve se vingar do rei, convencendo-o de que a rainha está dando pra outro. O zé-mané acredita e mata a rainha. Depois descobre que não era corno, mas apenas muito burro por ter acreditado no traíra. Prende o cara e fica chorando sozinho. Fim.

para imaginar o que, na mesma linha de construção, se pode escreverrespeito de Dom Casmurro (Machado de Assis, cerca de 350 páginas), por exemplo:

Um sujeito meio fracote, mais pra do que pra , põe pra fora os podres da mulher, sua namorada desde a infância. Tudo se complica quando o melhor amigo dele morre afogado e ele presta atenção no jeito que a mulher olha pro defunto. Então começa a reparar como o filho deles é a cara do melhor amigo. a coisa desanda. Fim.

 

PESQUISA DA ONU

A ONU resolveu fazer uma pesquisa em todo o mundo.

Enviou uma carta para o representante de cada país com a pergunta:

Por favor, diga honestamente  qual é a sua opinião sobre a escassez de alimentos no resto do mundo”.

A pesquisa foi um grande fracasso. Sabe por quê?

Nenhum país europeu entendeu o que era escassez.

Os africanos não sabiam o que era alimento.

Os cubanos estranharam o pedido e solicitaram maiores explicações sobre o que era opinião.

Os argentinos não tinham a mínima ideia do que viria a ser por favor.

Os norte-americanos nem imaginam o que significa resto do mundo.

O Congresso brasileiro está até agora debatendo o que é honestamente...

 

06/01/2018
emelauria@uol.com.br

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