NO
TÚNEL
DO
TEMPO
Marina e
eu
tínhamos
levado
minha
mãe,
na
força
de
seus
92
anos,
para
cumprir
um
dos
poucos
compromissos
que
hoje
lhe
restam:
provar
à
Previdência
Social
que
está
viva
e merece,
por
isso,
continuar
recebendo a modesta
pensão
deixada
por
meu
pai.
O
outro
compromisso,
seriíssimo, é o de
visitar
a igrejinha de
Nossa
Senhora
do Carmo
todo
dia
16 de
julho.
Este
ano,
ou
mais
exatamente
depois
de
amanhã,
será a setuagésima
visita.
Volto à
Previdência.
Estacionar
o
carro
defronte
à
repartição,
impossível
principalmente
pela
crônica
falta
de
vagas.
Principalmente
para
mim,
não
para
minha
mãe,
que
à
saída
de
casa
foi recomendando: “Aquela
rua
é
muito
difícil
para
velho
sair
do
carro”.
Então estacionei
em
lugar
mais
plano
e
menos
abaulado, na
quadra
de
cima.
Ela saiu do
automóvel
como
os
idosos
saem de
automóveis.
De
cara
deu
com
uma
conhecida
de outras
eras,
dali rolando
um
papo
vivaz
e
cheio
de
considerações
sobre
a
vida
e
sobre
a
morte.
Em
dado
momento,
dona
Mercedes, a interlocutora, resumia o
arrependimento
de
ter
tido
apenas
dois
filhos.
Um
deles, Ricardo,
geólogo
reputado, morreu
muito
moço,
há
já
anos,
daquela insidiosa
moléstia
que
muita
gente
evita
até
dizer
o
nome:
câncer.
Ela
então
louva a boa
disposição
do
filho
Manuel Roberto e da
nora
Celinha,
que
encheram a
casa
com
oito
crianças
e ultimamente vêem reforçados os
quadros
familiares
com
os
primeiros
netos.
E
me
pergunta
de
modo
a
externar
toda
a
sua
estima
pela
prolífica
nora:
“Tem
visto
a Celinha? Reparou
como
está
moça,
bonita,
disposta?
A
maternidade
só
lhe
fez
bem.”
Não tenho
visto
a Celinha e o Manuel Roberto
com
a
freqüência
possível
,
já
que
sempre
estão
por
aqui,
vindos de Caconde. Sei
que,
embora
aposentados
como
professores
de
Português
da
rede
estadual, levam
vida
muito
ativa
ligada
à
Igreja,
à
formação
de
jovens.
Sei
também
que,
diferentemente
de
mim,
afastado de há
muito
do euclidianismo, os
dois
continuam
firmes
nos
ciclos
de
estudos
da
Semana
Euclidiana.
Poderia
eu,
a esta
altura
do relato,
enveredar
pelo
sempre
proveitoso
filão
de
lembrar
o
lado
bom
dos
amigos,
de
trazer
à
tona
a
figura
de
tantos
deles,
companheiros
de boas
lutas.
Não
será
hoje,
porém,
que
falarei dos
vivos
(Galotti, Vinício, Hersílio,
por
exemplo),
nem
dos
mortos
(Gicovate, Vannucchi, Benedito de Andrade, Dálvaro da Silva). A
apresentação
da
oração
principal,
como
chamo a
cobrança
que
faço às
pessoas
borboleteantes de
assunto
para
assunto
e
que
se deixam
perder
nos
labirintos
de uma
frase
que
puxa
outra
frase
--, a
oração
principal
de
hoje
envolve
minha
mãe
e
nossa
volta
para
casa.
Mal entrou no
carro,
ela
me
perguntou se estávamos na
Rua
13 de
Maio.
Estávamos.
Então
para
lhe
facilitar
a
localização,
prejudicada de
certo
modo
pela
idade
e
por
duas
operações
de
catarata,
tive no
relance
a
idéia
de
lhe
ir
nomeando os
locais
por
onde
passávamos, usando referenciais de
outros
tempos:
--
Aqui
em
frente
fica a
Tipografia
Oliveira
e do
outro
lado
a
loja
de Salomão Aga, a
Alfaiataria
de Mário Perassi..
Abaixo,
o
cartório
do
seu
Zequinha, a
casa
de Antônio Maschietto, a
Casa
Central
de José Sebastião João. Na
ponta
do
outro
quarteirão,
à
direita
, está o
casarão
de Guilherme Dini. Na
outra
calçada,
a
farmácia
de Ismael Tobias, a
Casa
Nancy de Amélio Possebon. Voltando ao
lado
de
cá:
a
loja
dos
irmãos
Boulos, a
marmoraria
de Guido Bozzini, a Pernambucanas
e o Fascio
ou
Casa
d’Italia. E, forçando
um
pouco
a
mão
na
falta
de
sincronismo:
à
esquerda,
o
salão
de
barbeiro
de
Roque
D’Elia e o
negócio
de
secos
e
molhados
(principalmente
pão
italiano,
lingüiça
calabresa e
caninha)
de Madalena Mazzilli D’Elia, avó
materna
de
meu
pai...
Nas
pontas
do
quarteirão
seguinte,
a
casa
da
família
Ventura
e a
loja
de José Meríngolo...
Rimos os
três
com
o
desenterramento
de
tanto
defunto
em
apenas
uma
quadra
e
meia.
Ela
gostou da
descrição
e,
sem
necessidade
de
pedido
algum,
continuei, fiando-me na boa
memória:
--
Farmácia
Aparecida, de Landini e
Cia.
(Nenê
Landini e
Galileu
Rondinelli),
Alfaiataria
de Lourenço Landini,
Salão
Glória
de Carmo Lauria,
Casa
Nascimento de Artur
Carvalho,
a
casa
da
família
Greco,
Hotel
Brasil, de Pedro Biondi,
Alfaiataria
Simonetti ( A
roupa
faz o
homem;
Simonetti faz a
roupa!),
depósito
de
cigarros
da Sousa
Cruz,
as
casas
das
famílias
Dias
e Miguel Jorge.
Nos
extremos
da
rua,
de
um
lado
a
Marcenaria
Artística
de
Salvador
Artese e do
outro
o
Banco
F. Barreto. E bloqueando de
vez
a 13 de
Maio,
o
Grupo
Escolar
Tarquínio
Cobra...
Entramos na
Marechal
Deodoro e fui lembrando-me das
casas
do Dr. Cardoso, da
família
Cagnoni, de
Tuim
Barreto, do
tio
Lourenço Scali, do
empório
de Antônio Tavares, da
relojoaria
Flora,
da
loja
de Mauro Cautella , da
Banca
Francese e Italiana
per
l’America del Sud, da
estaçãozinha
rodoviária,
do
consultório
do Dr. Galotti, da
bela
construção
que
foi
primeiro
do Dr. José
Reis
Dias
e
depois
do Dr. João da Silva
Rocha...
(Se
você
conseguiu
visualizar
a
maioria
dos
velhos
prédios,
lembrou-se das
pessoas
aqui
citadas, percebeu
minhas
falhas
e
omissões,
não
diga
que
tem
menos
de 60
anos:
ninguém
acreditará.)
maio 2001
(emelauria@uol.com.br)
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