A suave e surpreendente Ingrid

 

Cem anos. Quem diria? Mas é isso mesmo, uma vez mais confirmada  a descoberta do poetinha: “Nada como o tempo para passar”.

Ingrid Bergman, a linda sueca que encantou o mundo como protagonista de Casablanca, Por quem  os sinos dobram e como a mulher mais que corajosa de Stromboli,  completou  um século  de nascimento a 29 de agosto.

Por certo que apenas alguns privilegiados de meu rarefeito público se lembrarão dela e de seus filmes, hoje ainda cultuados  em cineclubes e congêneres.

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Em Casablanca, em  Por quem os sinos dobram, ambos  de 1943, a atriz se mostrou no seu apogeu interpretativo.

 No primeiro deles, ao lado de Humphrey Bogart, viveu uma tumultuada história de impossível amor que teve triste desfecho na cidade norte-africana que empresta o nome ao filme, tudo com o fundo musical de As time goes bye. Quem assistiu, não se esqueceu da frase “Toque isso de novo, Sam” (Play it again, Sam).

Em  Por quem os sinos dobram, baseado em romance de Ernest Hemingway, o próprio autor dá a resposta  definitiva à indagação contida no título: “Eles dobram por ti mesmo” e não pelos que lutaram e morreram por causa da guerra civil  espanhola dos anos trinta, que comoveu o mundo. Ingrid ficou lindíssima até de cabeça raspada e fez com Gary Cooper um dos casais mais bonitos do cinema americano.

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Foi em 1948, aos trinta e três anos, portanto, que a vida de Ingrid sofreu um solavanco que não figurava nem no mais revolucionário script: deslumbrada pela novidade que foi o cinema neorrealista do italiano Roberto Rossellini, escreveu-lhe  carta classificada depois como escandalosa:

“Vi seus filmes Roma, città aperta e Paisà e fiquei fascinada. Se precisar de uma atriz sueca que fala muito bem inglês, que não esqueceu o alemão, que não se faz compreender muito bem no francês e que em italiano sabe dizer apenas “Ti amo”, estou pronta  para ir e fazer filme  com o senhor”.  Corajosa, não?

O resultado de tanta ousadia foram seis filmes, o mais explosivo de todos Stromboli, aliás nome de um vulcão, nascido justamente quando a paixão entre ambos irrompeu, embora ainda estivessem casados com outras pessoas. Ingrid mandou  para os ares seu comportado casamento com um médico sueco. Rossellini era um conquistador.

A relação adúltera  de Ingrid e Rossellini fechou para a atriz, durante anos, as portas da puritana Hollywood; sua carreira se concentrou na Europa, especialmente nos filmes dirigidos por Rossellini, que se tornaria seu marido e com o qual teve três filhos: as gêmeas Isabella e Isotta, além de Robertino. Muito parecida com a mãe, mas usando o sobrenome do pai, Isabella tem tido brilhante carreira artística, quase sempre no cinema espanhol.

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A movimentada história de amor  entre Ingrid Bergman e Roberto Rossellini durou quase oito anos; só depois do rompimento definitivo entre eles é que Ingrid voltou a Hollywood e estrelou um filme de grande repercussão mundial: Anastácia, que conta a nunca confirmada história de sobrevivência da filha caçula do último czar russo, Nicolau II, assassinado em 1918,  com toda a família,  pelos comunistas recém-chegados ao poder através de revolução. O enredo do filme gira em torno da hipotética salvação da princesa que teria milagrosamente escapado da morte. Achado muito piegas pela maioria dos críticos, nem por isso Ingrid deixou de ganhar com ele o seu segundo Oscar. O primeiro tinha sido  com o excelente  À meia-luz, ao lado do ator e cantor francês Charles Boyer.  Ela ganharia ainda uma terceira estatueta de melhor atriz  com Assassinato no Expresso do Oriente, baseado em romance da inglesa Agatha Christie.

A última fase de sua carreira  foi sob a direção de outro sueco, o grande Ingmar Bergman, com ponto culminante no excelente Sonata de outono (1978).

Ingrid morreu de câncer no seio, em 1982.

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Explicação talvez necessária:

Minha geração deve muito de sua visão de mundo ao cinema. Liam-se poucos livros estrangeiros na adolescência, porque leitura era quase sempre obrigação escolar, com enfoque em obras brasileiras e portuguesas. Em compensação, frequentávamos o máximo possível o Cine Pavilhão XV de Novembro, que depois virou Cine São Francisco.

Posso dizer que assisti aqui mesmo nesta cidade aos principais filmes de Ingrid,  verdade que às vezes depois de mais de ano  de seu lançamento nos grandes centros. De qualquer modo, foi o cinema daquela áurea época que nos inseriu num universo cultural bem diferente do nosso.

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ORELHA DE LIVRO

Atendendo a pedidos de meia dúzia de leitores curiosos, transcrevo o texto que figura no livro Euclides, mestre- escola, cujo lançamento comentei aqui há duas semanas:

Feliz a ideia de se publicar  em forma de livro  a coletânea de estudos desenvolvidos  a partir de 2009, em que entidades universitárias, instituições públicas e  particulares criaram inédito projeto de divulgação da mensagem de Euclides da Cunha, dando-lhe promissor caráter de atualidade.

Ao tomar ciência do nome da obra que agora vem a lume – Euclides: mestre-escola, ocorreu-me  a lembrança que provavelmente também inspirou seus realizadores: nenhum escritor brasileiro usou com mais propriedade e maior senso de verdade o termo mestre-escola do que Euclides da Cunha. Está em Os Sertões a frase-síntese do que foi e do que poderia ter sido o drama de Canudos.

Foi um genocídio (termo que Euclides não usou, porque não havia ainda sido engendrado) sob o patrocínio de um terrível impositor da vontade do forte sobre o fraco –o legislador Comblain, nada menos  que o fuzil belga usado pelos soldados contra o Conselheiro e sua gente.

Deveria ter sido um ato educacional, de pacífica adesão, resumindo sua construtiva presença na figura simples do mestre-escola, a quem caberia a árdua, mas humanitária, tarefa de , com paciência e perseverança, acertar o passo de populações retrógradas, distantes trezentas léguas no espaço e trezentos anos na história.

Ao unirem Euclides a mestre-escola, os responsáveis por este livro e pelas propostas que ele abriga, retomam uma das teses fundamentais do grande escritor, a de que Canudos foi um crime. Um crime cometido contra patrícios nossos, defensores instintivos de um estilo de vida superado no País todo, que deram a vida por terem os lares ameaçados por invasores poderosos, que pouco ou nada  sabiam dos valores daquela brava gente.

Que toda a amplitude da generosa proposta educacional contida na expressão Euclides: mestre-escola venha a tornar-se realidade capaz de influir na valorização de visões como as de Euclides, verdadeiras  a ponto de vencer a passagem do tempo e de continuar como inspiradoras de pessoas e entidades de todo o Brasil, unidas no alto propósito de contribuir para  um Brasil mais justo, mais solidário.

O centenário euclidianismo rio-pardense, tão bem representado neste livro, louva a iniciativa da publicação e faz votos pela continuidade de proposta de tão alta relevância.

São José do Rio Pardo, junho de 2015.

Márcio José Lauria

(Do Conselho Euclidiano)

 

05/09/2015
emelauria@uol.com.br

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