A BELEZA DOS ANTÚRIOS

 

 
Chuva e sol

 

Casa Branca, cidade querida por tantos de nós, goza de justa fama entre outras razões pelas suas jabuticabas de insuperável aspecto e sabor. As frutinhas de lá têm tanta negrura e tanta doçura, que até mereceram figurar no brasão e na bandeira do município.

Mas não é das jabuticabas que quero falar, e sim dos antúrios, mais precisamente de uns colossais e coloridíssimos antúrios que minha finada tia Madalena Lauria Horta cultivava no quintal de sua mais que secular casa, com todo o jeito de chácara, preguiçosamente implantada ali a uns poucos passos da praça central.

Obedecendo a rigoroso cronograma, um grupo de amigos lá se reunia semanalmente para travar renhidas batalhas no jogo de buraco. Não era fácil ser aceito naquela seleta companhia. Daí a alegria do médico recém-chegado a Casa Branca que, não tendo ainda a agenda cheia, podia dar-se àquele inocente prazer, porque ao que tudo indicava, só se jogava no mais puro leite de pato.

Nos intervalos da jogatina, os frequentadores do pano verde iam esticar as pernas no quintal imenso e muito bem cuidado. O médico deve ter ficado mesmo maravilhado com tudo o que viu ali, mas se impressionou sobremaneira com os antúrios em sua obscena beleza.

- Dona Madalena, qual o segredo da vivacidade das cores desses antúrios?

Naturalmente ele queria apenas uma explicação quem sabe falsa mas viável, como a fertilidade do solo, a constância do trato, quem sabe até a pureza dos ares, uma receita secreta, coisas assim. Mas minha tia achou que a curiosidade dele merecia melhor explanação. Chegou perto dele e lhe cochichou ele nem imaginaria o quê.

O médico arregalou os olhos, raspou a garganta, ficou muito desenxabido e tratou logo de mudar de assunto.

Eu sei o que minha tia lhe disse ao pé do ouvido, porque ela já me dera com visível prazer a impudica e fantasiosa explicação, mas se eu a contar, a historinha perde toda a sua aura de inocente mistério.

 

DA ECONOMIA  LEVADA MUITO A SÉRIO

Tive um primo, já falecido, capaz de economizar (desnecessariamente, explique-se) até na ração diária de cigarros. Trabalhando num posto de combustíveis, lugar sujeito a incêndio, acostumou-se a fumar somente à noite. Eram dois, não mais que dois cigarros, tragados prazerosamente, enquanto dava suas voltinhas burguesas em companhia dos colegas de sempre.

Ora se deu que num desses momentos peripatéticos, meu primo foi tirar do bolso da camisa o primeiro dos dois cigarros e, que tragédia! – ele escapou-lhe da mão e foi cair dentro de um bueiro, desses bem fundos e protegidos com reforçadas grades de ferro. Fez-se de tudo para resgatar o precioso objeto de desejo, mas em vão.

Felizmente meu primo encontrou solução para a inesperada perda. Dirigiu-se a um dos companheiros fumantes e lhe fez circunstanciada exposição assim resumida:

- Você bem sabe que trago meus dois cigarros, sempre. Você bem viu o que aconteceu com um deles. Um acidente.  Só existe uma saída – você me dar um dos seus.

- Tudo bem. Eu lhe empresto um e amanhã você vem com três deles.

- Não! Isso não! Eu peço que você me dê um dos seus, porque de outro modo minhas contas ficarão muito atrapalhadas!

 

VIVENDO IRMÃMENTE

Um amigo de meu pai jamais pensou em casar, embora não dispensasse uma boa companhia feminina. Resultado: um longo namoro acabou virando coabitação informal, cada vez com menos sinais exteriores de afeto. Ele e ela não iam juntos a lugar nenhum, ou seja, comportavam-se como a maioria dos casados faz.

Passaram-se anos, o amigo de meu pai manteve-se numa vidinha boêmia quase inocente; sua companheira continuou costurando, sempre residindo na casa do, digamos, noivo eterno.

Até que ele teve um infarto daqueles e se foi, sem essas nem aquelas.

A companheira manteve-se na casa onde viviam, porém, pressionada pelos parentes dele, herdeiros naturais do tio solteirão, teve de se mexer.

Alguém a orientou a ingressar em juízo, pleitear a aposentadoria do finado, legitimar a posse da casa de morada. Para isso lhe arranjaram advogado dativo, que nem se preocupou em instruir com mais cuidado a sua constituinte, tão líquidos e certos lhe pareceram os direitos da viúva de fato.

Infelizmente as pretensões dela não prosperaram porque no início da audiência o juiz lhe perguntou:

- A senhora conheceu bem o Sr. Fulano?

- Sim, conheci.

- Teve constante relacionamento com ele?

-  Sim, tive.

- E como era esse relacionamento?

- A gente vivia muito bem, como dois irmãos.

- Sempre como dois irmãos?

- Sempre como dois irmãos.

Nada mais havendo a tratar, o juiz deu por encerrados os trâmites e não se falou mais no assunto. Ela acabou morrendo com dificuldades de manutenção, por excessivo amor às aparências sociais, a que ninguém atribui cada vez mais a mínima importância.

 

05/08/2017
emelauria@uol.com.br

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