Coisas nossas


Antiga estrada para o Cristo

 

Roque Cônsolo, na atividade e  no vigor inesperados para seus oitenta e cinco anos bem vividos, telefona-me a propósito do artigo da semana passada, aquele em que trato de algumas questões práticas da língua portuguesa.

- Muito útil, exposto numa linguagem sintética...

Repete, então, uma constante assertiva sua que muito me agrada, permanente professor que sou: diz que me lê para aprender. Noto também nas suas frases polidas  uma ponta de crítica, quase sempre relacionada com o tamanho de meus artigos (alguns são, de fato, tijolaços!) e com a falta de subtítulos nele.

Fica difícil explicar que por vezes o assunto exige parágrafos mais longos e que não é costume  o uso de entretítulos em  matéria que focaliza o mesmo tema.

Garante-me que em sua casa todos me lêem, e então fico com vontade de lhe perguntar o que o irônico Moisés Gicovate perguntou ao ex-aluno que disse ter comprado e  lido seu recém-lançado livro de direito agrário:

- Ah, então foi você?!!

Sem ser nenhum saudosista (saudosista não organiza excursões, não viaja para qualquer lugar do mundo, não tem disposição para tudo, nem muito menos  bebe vinho, come pimenta, deita tarde e levanta cedo), Roque gosta de falar de um tempo que não é grato apenas a ele, mas a dezenas de professores, a milhares de alunos – a fase áurea do Instituto de Educação Euclides da Cunha, do qual foi atento diretor.

Promete que vai organizar para nós todos, sobreviventes,  um encontro de confraternização, com boa comida e boa bebida.

Provoco-o dizendo que isso precisa ser feito logo, porque nem todos temos a mínima certeza de alcançar idades provectas e disposição de fazer inveja, como a sua.

 

***

 

Outro na flor dos oitenta e cinco, é Jeremias Polachini, com quem bato um papo num banco daquela esquina ali da praça que alguém, roubando o título a um logradouro folclórico de Curitiba, já batizou de boca maldita...

Nem sempre me animo a parar por ali, porque sinto no ar certa animosidade por parte de uma ou duas pessoas e não acho justo tirar delas o prazer de ficar naquele recanto em que têm cadeira cativa e de onde, placidamente, vêem a vida passar.

Jeremias quer saber minha opinião a respeito de dois assuntos candentes: a situação atual da Faculdade de Filosofia e a manutenção do calçamento de paralelepípedos em nossas ruas centrais.

Sobre a Faculdade faço-o ver como os tempos mudaram desde quando estávamos todos empenhados na criação e funcionamento de uma escola superior na cidade.

- O que por alguns anos garantiu um número notável de alunos foi a demanda reprimida e a falta de concorrência – assim resumo a questão para ele.

De fato, o que havia de gente com vontade de estudar, e sem condições para tanto, garantiu por muitos anos à nossa FFCL classes numerosas, constituídas por alunos responsáveis, maduros, que além do mais orientavam os mais novos e davam o tom de alto aproveitamento das aulas. Lembro-me de estudantes de uma turma de Letras (ao tempo ainda dos quatro anos de duração do curso ) que, recém-formados, submeteram-se a concurso de ingresso no magistério estadual e tiveram índice de aprovação superior aos de egressos das universidades públicas.

Quanto à manutenção do calçamento com pedras, objeto de recente inquérito na cidade, ele deve ter estranhado minha posição, não incondicionalmente favorável a isso. Claro, conheço as vantagens alegadas em favor desse piso mais permeável, de manutenção mais barata e tão ao gosto dos tradicionalistas/conservacionistas. Sei também como já não se encontram bons calceteiros, de forma que qualquer reparo nas tubulações de água ou de esgotos – todas velhíssimas, algumas com mais de cem anos –significa mais um buraco que criará mais  um defeito no leito carroçável, com as pedras mal repostas. Trafegar por certas ruas tem algo de involuntária corrida de obstáculos.

A construção de uma ponte nova na Rua Siqueira Campos possibilitou que um pequeno trecho desta movimentadíssima via de entrada e saída da cidade fosse asfaltada. O trecho fronteiriço a minha casa, por causa de sua localização, ficou metade asfaltado e metade calçado. Aí então é que se percebe a enorme diferença quando passa um veículo pesado ou um carro em velocidade: o trecho asfaltado não tem ruídos, não trepida, absorve o som; a parte em paralelepípedos  é barulhenta  e provoca vibrações desagradáveis, sentidas nos cômodos mais próximos.

Já se vê que nem levo em conta a opinião dos motoristas, naturalmente favoráveis ao asfaltamento, mas estou pensando no conforto e bem-estar de moradores de ruas barulhentas, com duas mãos de direção, passagem obrigatória de carretas, ônibus, tratores... É só perguntar a opinião dos que habitam as casas das ruas Pedro II e dos Paulistas, no Santo Antônio, e das ruins lembranças que guardam  do velho calçamento, recentemente coberto por camada asfáltica.

Certamente que haverá como conciliar as preocupações dos preservacionistas da velha pavimentação de pedras e os favoráveis à modernização de nossas principais vias públicas.

 

***

 

Estou impressionado com a quantidade de novos bancos que vão colocando na Praça XV de Novembro, por iniciativa do Grupo Amigos da Cidade. Eu mesmo, com participação dos filhos, doei um, em nome da Família Parisi Lauria. Haja gente para sentar-se em todos eles!

Já vai muito longe o tempo em todo mundo saía de casa à noite, para tomar a fresca e papear despreocupadamente. Tempo em que os casais ficavam sentados sob estrita vigilância  no redondo central e os solteiros faziam o footing no grande quadrado externo, homens caminhando no sentido horário e mulheres no anti-horário. A cada duzentos metros – meia volta --, as mesmas pessoas se cruzavam e então tiravam linha, flertavam e, se tivessem coragem, andavam de bonde. Assim começaram tantos namoros que acabaram em casamento e todas as mais conseqüências. Com certeza, muitos dos velhos assentos, retirados com jeito, irão servir em outras praças, quem sabe melhorando o convívio social nos bairros.

Fico sabendo de algumas histórias interessantes acontecidas por causa da inovação:

- Um dos doadores não gostou nem um pouco do local em que seu banco foi fixado. Muito próximo ao oferecido por um desafeto de sua família... Velhas rixas deverão prosseguir entre os falecidos membros dos dois grupos rivais, especialmente nas frias e tediosas madrugadas... (Não são de estranhar essas animosidades eternas. Quando abrimos o legendário restaurante Acalanto, situado no térreo da sede social do Rio Pardo Futebol Clube, ao qual pagávamos pesado aluguel, houve quem, torcedor da Associação Atlética Riopardense, nem passasse pela sua calçada! E olhe, as rivalidades futebolísticas tinham cessado havia já quinze anos...)

- Outro se queixa sinceramente da posição determinada ao banco em que figura, na simpática plaquinha, o nome de seu avô, rio-pardense ilustre. É que na árvore que o sombreia durante o dia, dormem à noite muitos pardais. Resultado: a cada manhã o respeitável  refúgio de passantes cansados está imprestável ao fim a que destina, tal a sujeira que os analfabetos pássaros aprontam...

-  Dizem que um patrocinador de banco, seu usuário de todas as noites não muito frias e sem  sinal de chuva, anda selecionando quem pode fazer-lhe companhia. Algumas pessoas, não simpáticas ao doador, têm sido convidadas a colocar seus indignos assentos em outras freguesias..

 

 

05/05/2007
(emelauria@uol.com.br)

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