UM
ASSUNTO
QUASE
HUMILHANTE (II)
Não
deixa de
ser
significativo o
tipo de repercussão
que
um
artigo a
respeito de
assuntos
gramaticais
causa
nos
leitores. Uns gostam e
até pedem
mais.
Outros abominam e dizem
que
jornal
não é
lugar de se
dar
aula.
Muito
mais
numerosos os
que gostam e pedem
mais.
São
para
eles
estes
aditamentos ao
mesmo
assunto
tratado na
edição do
dia 13 de
novembro.
A
pergunta
mais
comum
que fazem é:
--
Por
que
já
não se ensinam essas
coisas nas
escolas de
hoje?
Antes de
mais
nada, acho
que a
generalização
não corresponde à
verdade.
Sob
muitos
aspectos as boas
escolas de
hoje
são
muito
melhores do
que as
escolas
tão
saudosamente reverenciadas. Os
professores
são
mais
bem
preparados, as
instalações incomparavelmente
melhores, as
bibliotecas
mais fartas, o
material
didático de
primeira
ordem.
Isso
sem se
falar de
outros
recursos
extra-escolares,
como os
audiovisuais e o
acesso
cada
vez
mais generalizado à
Internet, uma
inesgotável
fonte de consulta
em
qualquer
assunto.
--
Então
por
que os
alunos
não sabem
certas
coisas
que deveriam
saber?
Porque as
pessoas todas,
não
só os
alunos, estão saturadas de
informações
que se acumulam
em
nossa
memória
sem
um
eficiente
processo de
seleção.
A
própria
maneira de se tratarem os
fatos da
linguagem mudou
muito
através dos
tempos. A
tendência
atual, corretíssima, é de se
ensinar a
gramática
pela
língua, e
não a
língua
pela
gramática.
Ou seja, dever-se-ia
chegar ao adequado
conhecimento do
uso do
acento de
crase,
por
exemplo,
não
pelo arrolamento de
certas
regras,
mas
pela
observação
sistemática de
seu
emprego
pelos
bons
escritores
ou
pelos
bons
jornalistas,
bons
repórteres, etc... O
difícil é encontrá-los à
mão e dispor-se a lê-los!
E
aí se
chega ao
nó da
questão: a
aquisição de
bons
costumes
em
matéria de
linguagem
oral
ou
escrita se dá
através da
assimilação de
exemplos adequados. Numa
sociedade
em
que as
pessoas falem
com
simplicidade e
correção, as
crianças
não adquirirão o
que os
ortodoxos
professores de
outros
tempos chamavam de
hábitos
lingüísticos
grosseiros. De
igual
modo, a
audiência a
bons
programas de
televisão e de
rádio,
assim
como o
acesso a
livros,
revistas e
jornais levarão à internalização de
modelos de
frases culturalmente
aceitáveis.
Porque
não tenhamos
dúvidas:
apesar do
que se
prega
em
favor do
emprego
desinibido de
linguagens
não policiadas,
falar e
escrever
com a
necessária
correção continuam a
ser dos
mais
importantes
fatores de
aceitação e
ascensão
social.
Tudo o
que se diga
em
sentido
contrário servirá,
quando
muito, de gloriosas
exceções.
Respondo especificamente a algumas
perguntas
que
me chegaram
depois do
artigo do
dia 13 de
novembro:
1. Dão
bom
resultado os
expedientes (os
tais
macetes)
que aconselham, no
uso da
crase, a se
observar a
substituição do a
por
outra
preposição. Se
ocorrer a
necessidade do
emprego do artigo
feminino a,
em
seguida a essa
preposição, ocorrerá
também a
crase. Exemplifico:
·
Estou
em
dúvida se
em
Ir a Bahia
uso
ou
não o
acento de
crase. Substituo a
preposição a por
para: Vou
para a Bahia.
Logo, o
certo será
Ir à Bahia.
Mas
Ir a Lisboa (porque
Voltar de Lisboa).
·
Em
suma:
De>a; da> à;
para>a; para a> à; ao>à.
2. Quando é
possível crasear-se
antes de
nomes
masculinos?
Quando estiver subentendida uma
expressão
como à
moda de, à
maneira de:
Colarinhos à
Santos Dumont (isto
é, à
maneira de
Santos Dumont,
altos e engomados).
Sapatos à Luís XV (isto
é, à
moda de Luís XV,
com
saltos
bem
altos).
Bigodes à
Salvador Dali (isto é, à
maneira de
Salvador Dali,
compridos,
finos,
encerados, formando
ângulos
retos
em
cada
ponta).
Escrever à Rui Barbosa (isto
é, ao
estilo de Rui Barbosa,
frase
clássica e
vocabulário
rico).
Perceba-se a
diferença
entre
Escrever a
Machado de Assis e
Escrever à
Machado de Assis. Na
primeira
frase,
Machado de Assis é o
destinatário do
escrito; na
segunda, é
um
modelo de
linguagem a
ser imitado.
Observem-se,
portanto, as
frases
abaixo, umas craseadas e outras
não,
por
causa da possibilidade,
ou
não, de serem inseridas as
expressões à
moda, à
maneira:
Andar a
pé e a
cavalo.
Baile à
caipira.
Bife à milanesa.
Carro a
álcool.
Navio a
vapor.
Baile à
fantasia.
Fogão a
gás.
Filé à Rossini.
Barbas à
Cristo (isto é,
longas e repartidas ao
meio,
como
era
usual
em Nazaré).
Barbas à
Nazareno (como os
nazarenos,
inclusive
Cristo, usavam).
3. Nas
expressões
com
substantivos
iguais separados
por a,
não se dará a
crase porque
falta o
artigo
feminino
antes do
primeiro deles:
O
líquido caía
gota a
gota;
Enfrentar o
inimigo
cara a
cara. Se os
substantivos forem
masculinos,
maiores
serão as
razões do não-uso do
acento
grave:
pau a
pau,
dia a
dia,
ponto a
ponto...
4. Algumas
particularidades do
uso da
crase estão
hoje soterradas
pelo
irresistível
processo de
nivelamento
lingüístico:
- na
linguagem
literária, é
possível
não se
usar a
crase
antes da
palavra
casa, no
sentido de
lar,
residência : Voltei
cedo a
casa. Será
usual o
acento se
casa vier
determinada:
Visita à
casa
paterna. Nas outras
acepções,
casa segue os
princípios
gerais: Fui à
Casa Brasil (estabelecimento
comercial); Referia-se à
casa de Bragança (dinastia).
-
Terra,
em
oposição a
mar, repele o
artigo e,
portanto, o
acento de
crase: Os
marinheiros foram a
terra.
5. Por
fim, algumas
frases
para o
eventual
leitor
perceber as
razões da
presença
ou da
ausência do
acento
grave:
Dedicação a
crianças
Dedicação às
crianças
História parecida à
que
minha avó contava
Desconheço a
poesia a
que o
autor fez
referência
Desconheço a
poesia à
qual o
autor fez
referência
Sua
freqüência a
aulas é
irregular
Sua
freqüência às
aulas é
irregular
Comprar a
prazo (prazo é
masculino!) e
vender à
vista (crase de
clareza)
Preferiu
morrer a entregar-se (entregar é
verbo!)
Chegar a alguma
conclusão
A
noite é
bela
À
noite fomos
passear
Andar à
toa
pela
cidade (à
toa =
sem
rumo)
Apanhar
um
resfriado à-toa (à-toa =
sem
importância)
Entrego o
documento a
Vossa
Excelência
Trata-se de
pessoa a
quem
respeito
muito
Fazer uma
viagem a
São Paulo
Fazer uma
viagem à
bela
São Paulo ( está
oculto o
termo
feminino
cidade).
04/12//2004
(emelauria@uol.com.br)
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