Hélio Frigo, o JB , os leitores

 

 

VITÓRIA DA OBSTINAÇÃO

Aqui na minha mesa, dou de cara com dois sisudos volumes pesando mais de três quilos e tendo exatamente  1.625 páginas. Título da obra: Sinhazinha Ediana (novela de época).  Autor da obra: Hélio Frigo. Ao pé da página, uma frase sonora de Sócrates: “Sem o pudor do mal e o zelo do bem, nenhum indivíduo realizará jamais obras grandes e belas”.    

 

Hélio Frigo (foto), um obstinado. Quando põe uma ideia na cabeça (e no coração), não sossega enquanto não a realiza plenamente.

Assim foi  com um romance de longuíssima elaboração – Duas vidas e dois amores, finalmente publicado em  2008, com tiragem limitada.

Não raras vezes,  Hélio Frigo, contemporâneo meu no “ Grupo Escolar Dr. Cândido Rodrigues”, tardio aluno meu no “Ginásio Rio-Pardense” e amigo meu de longa data, procurou-me para satisfazer uma dúvida de linguagem, uma questão de sintaxe, um emprego menos comum de vocábulo. É por isso que, ao lado de Antônio Fernando Torres,  o de olho de lince, eu figuro no livro como revisor.
 

Está lá na contracapa externa do volume:

É tão grande o Brasil. Tal o seu tamanho é a sua beleza. Conhecê-lo em detalhes seria impossível, a quem quer que se aventurasse a andanças por suas vastidões.

Neste romance, após algumas partes introdutórias, inicia-se uma história de amor, passada nos tempos dos coronéis. A raça negra mostra sua fibra, assim como o coronelismo se faz presente com sua força total. A isso, junta-se a fatalidade do destino de duas vidas, numa época em que as condições eram favoráveis para que tudo acontecesse como narrado.

Mensagens puras, transmitidas através do cotidiano de duras e doces vidas que, se não foram melhor vividas, foi porque o destino de cada um quis que assim fosse.

O amor, essa força bruta que o ser humano sempre ignora, cuja validade eleva e transforma tudo, está presente em cada linha escrita.

É a partir desse romance cheio de bravuras e gentilezas, com suas lições de moral e cavalheirismo, com suas notas vocabulares ao pé de muitas páginas, que o próprio Hélio Frigo extrai e amplia Sinhazinha Ediana, tornando-o uma novela de época. Seu roteiro tanto se prestaria a uma narrativa histórica na televisão, quanto a um movimentado filme ou ainda a uma representação teatral ambiciosa.

Hélio Frigo, o estudioso permanente do vernáculo, o professor que batalhou por longo tempo na escola pública paulista, que procurou incutir nos seus pequenos alunos as melhores noções de civilidade através dos exemplos pessoais,  da leitura dos bons autores e de constantes atividades teatrais, -- Hélio Frigo pode tomar para si as palavras que Fernando Pessoa colocou na boca do navegador Diogo Cão, o de cabelos brancos:

Que, da obra ousada, é minha a parte feita:

O por fazer é só com Deus.

São inúmeras as  gentilezas com que Hélio Frigo me distingue, entre elas as generosas dedicatórias em ambas as obras. Eu almejaria que Deus pusesse no seu caminho de obstinado alguém que proporcionasse ao seu  Sinhazinha Ediana a oportunidade de tornar-se conhecido no País todo através de uma possível e desejável  adaptação para a TV.

 

O FIM DE UM SÍMBOLO

Na terça-feira, 31 de agosto, muita gente do Rio de Janeiro procurou  (e não encontrou) nas bancas da cidade um exemplar do Jornal do Brasil, que tantos desejavam guardar como souvenir. Pena que essa busca um tanto inesperada não tivesse ocorrido muitas outras vezes através dos tempos. O velho matutino teria sido salvo pela fidelidade do público ledor.

É que na naquela data circulava pela última vez a edição impressa do JB,  que chegara a um dos mais  prestigiosos jornais brasileiros, veterano de cento e dezenove anos de luta. Nove em cada dez funcionários foram dispensados.

Por suas páginas passaram Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Carlos Drummond de Andrade, João Saldanha, Armando Nogueira, Clarice Lispector, Alceu Amoroso Lima, Carlos Castelo Branco...

O JB, que se vangloriava de ser o primeiro jornal brasileiro na internet, agora sobreviverá apenas com essa modalidade de atingir o público. Também, pudera: de cento e cinquenta mil exemplares em dias comuns e até duzentos e cinquenta mil em alguns domingos, sua tiragem ultimamente havia caído para trinta mil e suas dívidas acumuladas chegam a oitocentos milhões de reais. Impagáveis, já se vê. Era um padrão de escorreita linguagem, de equilíbrio na crítica, de discrição no trato de assuntos escabrosos.

Nossa geração, muito ligada a rádio, antes do império despótico da televisão, teve na Rádio Jornal do Brasil  (940 kHz, 100 kW de potência, som local à noite) um verdadeiro oásis de boa música, bons locutores, bons noticiários. O programa Noturno, que ia das dez à meia-noite e tinha como prefixo o inesquecível fox Speak low (Fale baixo), era indispensável para um adequado fim de festa...

A decadência do império do JB  se evidenciou quando não se instalou, no prazo previsto e desejável, a TV-JB, potencial  desafiante da Rede Globo.

Há cerca de vinte anos, a Rádio Jornal do Brasil  - AM foi vendida, mantida, porém, a JB-FM, no ar até hoje e captável também pela internet.  A JB - AM virou apenas Rádio Brasil, passando à propriedade do grupo LBV – Legião da Boa Vontade, que a mantém no ar com programação de fundo religioso e alto nível  nacional  de audiência.

Voltando ao assunto jornal: a tendência de desaparecimento dos periódicos é universal. Parece que eles só não estão em crise no Japão, onde alguns chegam à tiragem diária de oito milhões de exemplares. No Brasil, nenhum deles chegou perto do primeiro milhão.

No Rio de Janeiro, ao longo de meio século,  a queda foi de dezenove para dois diários: O Globo e O Dia. Desapareceram títulos famosos como o Correio da Manhã, Diário de Notícias, Tribuna da Imprensa...

São Paulo viu morrer o Correio Paulistano, o Diário da Noite, A Gazeta, A Gazeta Esportiva, A Época, o Diário de São Paulo. O jornal com o nome deste último, que agora circula no formato tabloide, a um real o exemplar, pertence à s Organizações Globo e é o continuador do Diário Popular... O Jornal da Tarde, filhote do Estadão, diminuiu bastante o seu raio de entrega. Antes encontrável em todo o interior paulista, está hoje com a circulação circunscrita à Grande São Paulo, Baixada Santista e região metropolitana de Campinas...

 

DOS LEITORES ATENTOS

Embora eu esteja longe daquela fase da vida em que a aceitação, a aprovação, o elogio são molas propulsoras da vontade de produzir, sempre é bom saber que há leitores constantes no acompanhamento do que escrevo, compartilhando as mesmas  visões sobre as pessoas, a cidade, São Paulo e o Brasil.

Os episódios rápidos que formaram a matéria escrita na semana passada tiveram boa repercussão  pública,  não sendo poucas as manifestações nesse sentido.

Por vezes, passam despercebidos assuntos que demandaram pesquisa, meditação, além de uma boa dose de prudência e senso de oportunidade. Quando, porém,  o escriba fala de pessoas, de pessoas do nosso meio, até do nosso convívio, existe um sensível crescimento de manifestações de estímulo, de aprovação.

Alguém disse há muito tempo (e isso vem sendo repetido exaustivamente) que o assunto que mais interessa ao homem é o próprio homem. Se o homem de que se fala tem ou teve fisionomia, família, amigos, vida comunitária, então essas manifestações crescem em número e em qualidade. É o que vem acontecendo com tudo o que aqui escrevo sobre gente nossa, não necessariamente figuras de expressão pública, mas gente concreta, sujeita a momentos de lucidez ou de obscurecimento, de acertos ou erros neste ou naquele pequeno episódio que teimou em ficar retido na memória de poucos.

Reunir incidentes em si desimportantes e relatá-los a um público leitor atento  faz bem a quem os rememora e a quem os recepciona.

Obrigado pelas estimulantes palavras que venho recebendo por escrito ou de viva voz.

 

04/09/2010
emelauria@uol.com.br)

 

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