Segredos da idade
Há que se ter cuidado com a idade. Tanto pode ser ofensivo quanto elogioso você dizer “ele é tão jovem” ou “ele é velho”. A saída pela tangente é perceber que quase tudo que se refira ao tema depende do emissor e do receptor. Para os muito moços, ninguém com mais de trinta é digno de confiança. Há até música pregando essa atitude mental. Para os velhos, todo o pensamento se dirige à confirmação de consolador desejo: “Velho é quem tem cinco anos mais do que eu...” * Nos países com longa tradição histórica, alcançar idade avançada sempre foi motivo de respeito e admiração. A Bíblia está cheia de referências à consideração que se deve aos velhos, mesmo se sabendo como o parâmetro de velhice é muito elástico. Se não fosse mais um símbolo do que uma comprovação, todo o respeito à idade provecta estaria concentrado em Matusalém que, ao menos está lá escrito assim, viveu novecentos anos. Mas não exageremos. No estágio atual do problema, não há dúvida de que um homem de cinquenta anos ainda está longe da velhice, embora nem sempre tenha sido assim e embora assim não pensem, a nosso respeito, os filhos e mais particularmente os netos. Para eles, avôs são irrecuperavelmente velhos. Muitos senhores de sessenta conservam ainda belos traços de energia e juventude. Setenta anos – aí o carro começa a pegar. Mas velhice sem disfarces é chegar aos oitenta. Por mais que nos digam que estamos bem, que nem mostramos o tempo que já vivemos (isso entre os romanos chamava-se dolus bonus, uma espécie de mentira piedosa), -- chegar a octogenário é ter atravessado o Rubicão e considerar que já se está no lucro, na sobrevida, dizem os mais realistas. * O mundo, com os avanços da medicina e com a melhoria das condições gerais de progresso acessíveis a grande número de pessoas, está se transformando numa gerontocracia, em que os velhos mandam e em que as expectativas de se chegar bem aos noventa, ou pouco mais, aumentam a cada dia. Até no Brasil, apesar do elevado número de homens moços mortos nas guerras não declaradas do trânsito e das drogas, a média de vida sobe constantemente – o que, para os órgãos previdenciários, é a pior desgraça possível. Onde arranjar dinheiro para sustentar a legião crescente de aposentados candidatos à longevidade? Ou pior ainda: onde arranjar dinheiro para sustentar os pensionistas – aquela legião de pessoas dependentes da aposentadoria alheia? Não são poucos os casos dos que sobrevivem como aposentados mais tempo do que realmente trabalharam. Não faz muito, li sobre uma funcionária estadual aposentada aos cinquenta e dois anos, fruindo agora seus noventa e cinco de vida. Ou seja, já recebeu durante quarenta e três anos aposentadoria conquistada após trinta de trabalho e não demonstra a menor vontade de encerrar seu ciclo vital! O caso não é tão raro quanto possa parecer. E isso sem se falar em benesses que a lei permite, como, em certos casos, a transferência da titularidade da percepção da aposentadoria para filhas, para netas. Ou ainda, os milhares de pensionistas que não se recasam civilmente para não perderem os benefícios originários do trabalho do cônjuge morto... É o que em outros tempos se classificava como sangria desatada. Eta Brasilzão! * Volto ao filão do tema central: setenta anos no Brasil, para muitos efeitos, é a certificação da chegada à velhice. Funcionário público ou autárquico, na feliz comemoração de sua estreia como setuagenário, se for à repartição, poderá nem encontrar onde registrar sua presença: terá caído na aposentadoria compulsória ou expulsória, como já dizem. Além de não poder trabalhar, não precisará votar, já não pagará certas anuidades e terá até benefícios de atenuação da pena, na infeliz hipótese de cometer algum delito. Tomando-se como verdadeira a frase tão repetida de que idade é muito mais um estado de espírito, entende-se melhor a extensão do problema. A velhice, muitas vezes, não atinge a pessoa como um todo. Alguém pode ser velho de corpo e jovem de espírito, como tantos gostam de afirmar, mas também a recíproca é verdadeira: há jovens de corpo e velhos no espírito, como há velhos no todo que se mantiveram jovens em itens específicos. Cada leitor envolvido com o problema que faça sua força para exemplificar esta minha afirmativa temerária. * Por essas e outras é que pega mal, muito mal, esse tipo de condenação que se tem ouvido por aí: - O homem com mais de setenta e cinco anos pode dizer o que quiser! Não é verdade que haja limites para o bom uso da razão. Aos oitenta e três, eu não tenho queixa alguma quanto à memória e quanto à capacidade de expressão oral ou por escrito. Reconheço grave falha que hoje sinto se agravar: não fiz o necessário esforço para me manter com peso mais decente e hoje pago, sem trocadilho, pesado tributo à balança. Mas faço de conta que a culpa não é toda minha e sim da genética, da hereditariedade. * Mulheres são muito mais propensas a esconder idade do que os homens. Como observou com propriedade um filho meu, na festa comemorativa dos vinte e cinco anos de formatura de sua turma na Faculdade de Direito da USP, os homens todos demonstravam ter os esperáveis cinquenta anos, mas as mulheres mal demonstravam trinta e sete, trinta e oito. Nenhuma delas confessava sequer já ter chegado aos quarenta e cinco. Miràcolo! Miràcolo! – como dizem os italianos. * Já escrevi duas crônicas sobre o mesmo e grave problema que têm quase todas as mulheres de não quererem confessar a idade nem sob tortura. Uma delas teve um chilique na praia e desmaiou. O serviço de atendimento de emergência foi acionado, mas felizmente a desmaiante já havia recuperado os sentidos quando a ambulância chegou. Teve, contudo, de responder a algumas perguntas de praxe, à frente de todos aqueles curiosos que a viram se estatelar na areia. Não demonstrou constrangimento algum, até que a interrogaram sobre sua idade. Ela pigarreou, refugou e por fim propôs à enfermeira que a questionava: - Podemos falar sobre isso em particular? Outra senhora, que escondia a idade a sete chaves, era contemporânea de minha mãe. Até que um dia a dita senhora levou um tombo aqui em casa e precisou fazer curativo no joelho esfolado. Sua bolsa ficou jogada no chão, com alguns papéis à vista. As acompanhantes de minha mãe, então próxima dos noventa anos, não tiveram dúvida e fizeram rápida pesquisa no documento de identidade da acidentada e descobriram o que queriam: a diferença entre ela e minha mãe era de ano e pouco. A tal senhora morreu na doce ilusão de ter enganado o mundo todo no item idade.
04/04/2015 |