Os sertões de “Os Sertões”O Conselho Euclidiano, órgão de assessoramento à direção da Casa de Cultura Euclides da Cunha, em recente reunião aprovou o tema geral da Semana Euclidiana de 2006 – Os sertões de Os Sertões --, de minha propositura. A principal motivação que encontrei para sugerir esta temática é a passagem do qüinquagésimo aniversário de lançamento de Grande Sertão: Veredas, a obra-prima de João Guimarães Rosa. Na própria reunião já houve a escolha de alguns livros que, tendo ou não direta influência euclidiana, mostram preocupação com um tema inesgotável, o sertão brasileiro, em particular o nordestino. O Prof. Lando Lofrano se dispôs a estudar e apresentar nos Ciclos de Estudos o notável Pelo Sertão, de Afonso Arinos. O Prof. Nicola há já algum tempo se encarregou do estudo do próprio Grande Sertão: Veredas e deverá aqui apresentá-lo de forma inédita na SE-2006. Eu mesmo tomei a incumbência de aprofundar um paralelo entre Os Sertões e Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Já tenho elaborado um roteiro comparativo dos dois livros, um deles se preocupando com o macrocosmo da vida nordestina, outro apresentando esta mesma vida num microcosmo familiar. No decorrer da reunião, foram lembradas algumas outras obras que, tendo ou não o vocábulo “sertão” no título, preocupam-se com o assunto. Assim, falou-se em O Cabeleira, de Franklin Távora; em Dona Guidinha do Poço, de Manuel de Oliveira Paiva; em Sertão, de Coelho Neto; em O Sertanejo, de José de Alencar; em Sertão em Flor, de Catulo da Paixão Cearense; em Vida e Morte Severina, de João Cabral de Melo Neto; em Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna ... José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Raquel de Queirós, Jorge Amado também não foram esquecidos. Por extensão e por tratarem do homem brasileiro interiorano em seus mais diferentes aspectos, tocou-se em Monteiro Lobato, Mário de Andrade... Como se vê, as semelhanças e associações são inesgotáveis e isso dá a certeza de que a Semana Euclidiana pode e deve, tendo como ponto de partida a obra euclidiana, tratar dos problemas nacionais sob os mais diversos e até inesperados ângulos. Agora é divulgar estas deliberações e sugestões entre os interessados em potencial das áreas II e III dos Ciclos de Estudos Euclidianos.
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Não há dia em que alguém ainda não comente comigo aquele belo programa de televisão sobre a viagem de Euclides da Cunha à Amazônia. Lançada nacionalmente pela rede de tevês educativas num horário pouco nobre – 23 horas de um domingo -, mas depois reapresentada em diversos canais, inclusive na excelente STV, do Sesc/Senac, o 211 da DirecTV, a longa entrevista elaborada por moços ligados à Universidade Federal do Acre parece ter agradado pela objetividade dos expositores e pelo ineditismo da focalização de um fato histórico de pouca divulgação: o trabalho de Euclides frente à missão brasileira de reconhecimento do Alto Purus. Os acreanos, pelo contrário, dão muita importância ao assunto, intimamente ligado à própria incorporação ao Brasil de vasta extensão territorial, antes integrante da Bolívia. Claro, os rio-pardenses de todas as partes que se manifestaram a respeito do programa, dizem-se satisfeitos e orgulhosos com a participação minha e de Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda. A esta professora de Literatura Brasileira na UNIP – Rio Pardo e doutoranda em Literatura pela UNICAMP, caberá papel de crescente importância na vinculação do euclidianismo à Universidade, no meu entender a maneira correta de se preservar e expandir este movimento nascido, por protesto e adoração, nesta nossa cidade no longínquo ano de 1912. É intenção dos acreanos lançar para muito breve a versão local da Semana Euclidiana, para tanto envolvendo estudiosos de todas as partes do Brasil. Pessoalmente convidado, não sei se terei coragem de ir até a capital do Acre – Rio Branco. É muito longe! O nome da cidade homenageia o grande ministro das Relações Exteriores, o Barão do Rio Branco, responsável pela assinatura do Tratado de Petrópolis (1912), que garantiu a relativamente pacífica incorporação do atual estado do Acre ao Brasil. ........ COISAS DE GUIMARÃES ROSA Quem leu o Grande Sertão sabe como é difícil acostumar-se com o estilo do autor, mestre em invencionices de palavras e de frases. Com o tempo, não só se acostuma, mas se aprecia sinceramente a arte de sua escritura forte e original. Este médico-diplomata-escritor, que conhecia muito bem latim, grego, francês, inglês, italiano, alemão, russo e sabia muita coisa de persa, árabe, hindu, sueco, dinamarquês, escreveu seu calhamaço de mais de quatrocentas páginas em apenas três meses. Avisou à mulher que se fecharia no escritório e que não estaria para ninguém. Lendo-o, tem-se a impressão de que ele “recebeu” pronto aquele imenso texto escrito num só jato, sem sequer divisão em capítulos. Não conseguiu livrar-se de terrível premonição: disse a familiares e amigos (quem me contou foi Paulo Dantas, o euclidiano-lobatiano-rosiano) que se tomasse posse na Academia Brasileira de Letras, logo morreria. Adiou a cerimônia quanto pôde, até que um dia se encheu de coragem e se meteu naquele fardão verde com arabescos amarelo-dourados. Três dias depois, morreria. Alguns aforismos que GR colocou na boca de Riobaldo, o personagem-narrador: · Viver é muito perigoso. · Deus é paciência. · Sertão. O senhor sabe: sertão onde manda quem é forte, com as astúcias. · Jagunço é isso. Jagunço não se escabreia com perda nem derrota – quase tudo para ele é o igual. · Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa existir para haver. · Viver é um descuido prosseguido. · Vingar, digo ao senhor: é lamber, frio, o que o outro cozinhou quente demais. · Quem desconfia, fica sábio. · Sertão é o sozinho; é dentro da gente; sertão é sem lugar. · Paciência de velho tem muito valor. · Sossego traz desejos. · Vivendo, se aprende; mas o que se aprende, mais, é só a fazer outras maiores perguntas. · ... amor só mente para dizer maior verdade. · ... quem ama é sempre muito escravo, mas não obedece nunca de verdade.
04/03/2006 |