Achando imperfeições

 


Na represa de Caconde
foto: Márcio José Lauria Filho

 

Não é de hoje que demonstro grande admiração por certas modernidades, basicamente o computador e a internet.

Amiga minha, colega de faculdade, que aderiu na primeira hora àqueles ainda desajeitados substitutos da máquina de escrever, sempre me lembra que minha primeira manifestação foi de desinteresse, de certa repulsa até. Deve ter sido reação de ignorância e receio de enfrentar reformas profundas.

Acabei aceitando as modernidades, em primeiro lugar porque percebi a utilidade de um aparelho que aposentava não apenas a máquina de escrever, mas também o  carbono, o errorex e o mimeógrafo. Em segundo lugar porque a internet me facilitou a vida de um modo inesperado, com perspectivas impensáveis no escrever e no publicar.

O simples ato de redigir um texto e encaminhá-lo comodamente para publicação, com a mínima intervenção de terceiros, mostrava a superioridade da combinação computador/internet sobre qualquer outra maneira de realizar a mesma tarefa. Como não aderir a isso, com entusiasmo até?

Achei o uso do e-mail um notável progresso como substituto da carta, do telegrama, do aerograma, do postal. Tudo foi ficando para trás, como irrecuperáveis velharias.

Devagar, muito devagar, como quem pisa em  terreno minado, fui-me acostumando com outros lances da informática elementar, em exercícios de ensaios e erros, entre descobertas de rapidez e precisão. Hoje devo dominar uns dois ou três por cento dos recursos de meu possante STI...

 

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Não aderi espontaneamente às redes sociais e me sinto nelas um estranho em todos os  ninhos. Se tenho até como entrar no facebook, isso são artes de meu neto Fernando e de minha filha Ana Lúcia, que fazem tudo para a divulgação de meus artigos e fotos. Por falta de jeito, nem sempre dou a merecida atenção àquelas pessoas que querem manter contato comigo na própria rede social. Atendo-as o melhor que posso nos e-mails, não, porém, em outras formas de comunicação pessoal.

 

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A  própria internet se encarregou de achar seus maiores erros e de mostrar a seus usuários de todas as idades os perigos de alguém ficar viciadamente à frente do computador, reduzindo de formadrástica o contato real  com as pessoas, com o mundo concreto.

Não era, portanto, difícil perceber que havia algo de errado no uso abusivo da tecnologia,  no exagero de sua utilização. Alguém comparou essa entrega de tantas pessoas às maravilhas da informática ao que teria acontecido se a comida – essa maravilha do prazer – tivesse sido descoberta agora e as pessoas, ansiosas, fossem comer o que lhes aparecesse à frente, até  explodir. Ou seja, milhões de pessoas estão vivendo formidáveis indigestões internéticas.

Pensa-se mesmo que não demorará muito  para o surgimento de um movimento universal contra a própria internet, em obediência ao princípio de que a toda ação sempre corresponde uma reação.

Já correu mundo a piadinha do e-mail enviado pelo pai ao filho viciado em internet: “Meu filho, sua mãe e eu estamos com muita saudade de você. Há quanto tanto não nos vemos... Por que agora você não faz um esforço, desce aí de seu quarto e vem aqui jantar com a gente?”

 

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Assim como o esgotamento das riquezas do planeta vem motivando o surgimento de cruzadas ecológicas, também a excessiva  divinização da internet (um grande fenômeno social) levará, mais cedo ou mais tarde, ao surgimento de uma geração de românticos offline, que não apenas rejeitarão as mudanças ocorridas no mundo conectado, como farão questão de alertar, por todos os meios, a sociedade sobre os males  do universo virtual. Como surgiram os defensores de uma agricultura orgânica, não será de espantar se dentro em breve brotarem por aí as cruzadas antitecnológicas.

Não são poucas as referências contrárias  à curtição do facebook, tido como o grande banalizador dos sentimentos, ao colocar as pessoas à espera até da aprovação de suas escolhas para uma simples refeição ou para a definição de um roteiro de viagem... Quem tem menos de trinta anos sequer dispõe de parâmetros que levem à percepção das diferenças de vida antes e depois da internet. Os mais velhos, porém, poderão engrossar as fileiras dos saudosistas de um mundo desconectado.

Em que se basearão esses esperáveis saudosistas, entre os quais ainda não me incluo? Muito certamente insistirão numa visível degradação da consciência humana, expressa na capacidade cada vez menor de prestar atenção,  na crescente falta de concentração.  Quando se sabe que mais de vinte anos um cursinho vestibular se propôs medir a duração da capacidade espontânea de se prestar atenção a uma aula expositiva e chegou ao ínfimo tempo de DEZ minutos,  o que se poderá esperar de internautas com a memória abalada e não mais condicionada a gravar o que viram e o que leram?

Fica, assim, lançada a dúvida sobre se a tecnologia torna seus usuários mais  produtivos e mais plugados  com o mundo. Tenho comigo que nós, mais idosos, levamos vantagem neste campo: conservamos nossos hábitos de leitura e de reflexão, penosamente implantados através de anos e anos de uma teoria e prática hoje mais que ultrapassadas. Você, que leu este tijolaço até aqui, está ótimo de concentração.

Os muito moços serão, em sua maioria, o que já prometem ser  – produto de um mundo informatizado que massifica, pasteuriza e pulveriza.

 

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A DILMA

DA DILMA

Causa  impressão quando menos estranha a figura de Graça Foster, a nova presidente da Petrobras. Carrancuda, viciada em trabalho, difícil no trato com os subordinados, perseguidora de metas e amiga chegadíssima de Dilma, tudo conforme a revista Veja.

“Estudei porque precisava estudar” - explica a poderosa, de origem muito humilde, catadora de papel no morro do Alemão (Rio) e até hoje participante de escola de samba no carnaval carioca. Seu sobrenome é o do marido, o empresário Colin Foster.

Apelido nada carinhoso que lhe puseram os funcionários da estatal: Caveirão, pouco sutil referência ao aspecto tenebroso do carro blindado posto em ação contra a bandidagem  do Rio de Janeiro.

 

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PERIGOSO ESTADO

DE ESPÍRITO

Não houve quem não se  condoesse  com a sorte dos ocupantes daqueles três prédios que desabaram no Rio de Janeiro. Quantos morreram na hora, quantos não tiveram sequer os corpos encontrados, quantos se salvaram por milagre.

Pairando sobre tudo isso, a presença cada vez mais nítida de um geral estado de espírito de irresponsabilidade, de incapacidade de previsão, do velho costume nacional de passar por cima das normas, das disposições legais. Pilares de sustentação retirados em tantos pavimentos; janelas que enfraqueceram as estruturas, abertas em outros; modificações sem amparo técnico arriscadas em muitos lugares.

 Por essas e outras pequenas transgressões, um prédio de vinte andares caiu como se implodido e na sua queda arrastou um de quatro e outro de dez pavimentos. Tudo enquadrado na terrível arte brasileira de dar um jeitinho, de  ignorar a lei, de desprezar as mais elementares regras do senso comum.

 

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EXERCÍCIO

DE CIVILIDADE

Lá fui eu terça-feira de tarde à velha ponte de Euclides. Era para conversar com William Cardoso, ex-maratonista de Osvaldo Cruz e agora jornalista do Estadão, caderno “Cidades”. O assunto, aquele que nos preocupa a todos: a campanha comunitária em favor da restauração do monumento histórico e símbolo de nossa cidade.

Bom trocar impressões com quem sabe das coisas, entende as razões que fazem as mais diferentes pessoas unir-se em favor da manutenção de um bem precioso, tanto sob o ponto de vista material quanto no aspecto cultural.

A pedido do fotógrafo acompanhante, fomos a pé, até o outro lado da ponte, no Santo Antônio.

Repórter e fotógrafo impressionaram-se com o tráfego intenso de veículos por ali e quiseram compreender como é que  sem nenhuma sinalização especial, carros e motos faziam a travessia sem buzina, sem barulho, sem confusão.

- Civilidade, resumo eu. Aguardar na cabeceira da ponte alguns instantes, enquanto os veículos vindos da outra cabeceira fazem a travessia, passou a ser entre nós um natural exercício de civilidade e de respeito ao próximo.

Essa prática exemplar poderia estender-se a outros lugares da cidade, principalmente em  favor de nossos pedestres, sempre assustados  com a pressa estabanada de tantos motoristas e motociclistas.

 

04/02/2012
emelauria@uol.com.br)

 

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