Coisas da idade

 
O sol poente visto do hospital

 

UMA BOA AÇÃO

De volta da escola, o menino de seus oito ou nove anos estava feliz da vida e louco de vontade de contar em casa a boa ação que praticara.

- Sabe, mãe, hoje ajudei uma velhinha a atravessar a rua, num lugar muito movimentado.

- Que bom, meu filho. Devemos sempre auxiliar as pessoas idosas.E ela te agradeceu, não é?

- Agradeceu nada. Ela me deu foi muito trabalho porque não queria atravessar de jeito nenhum!  

 

LIÇÃO DE BOM-TOM

Para nós, de treze ou quatorze anos, quem passasse dos quarenta era tido como velho, velhíssimo. Nosso bom professor de Ciências, no ginásio,  devia ter isso. Foi daí que passou pela cabecinha oca da coleguinha aquela curiosidade incontrolável  de perguntar a idade ao professor:

- O  senhor pode tirar aqui uma dúvida?

- Pois não! – anuiu naturalmente o mestre,  pensando  numa pergunta sobre as propriedades organolépticas da água  ou sobre a função da vesícula biliar. Bem diferente a indagação que veio:

- Quantos anos o senhor tem?

O professor quase caiu das pernas, mas se controlou:

- Minha filha, eu sou velho, muito velho... Sou do tempo em que era falta de educação perguntar a idade das pessoas...

Até hoje me pergunto aonde foi que aquela  estabanada enfiou a cara e como é que sua mãe, de finura aristocrática, tratou a inesperada questão.

 

NOVA DOENÇA DE VELHOS

Circula por aí um texto que fala de uma nova doença de velhos – a sefoia.

Sintomas:

Uma xicrinha de café te dá insônia; uma cerveja te prende no banheiro; tudo te parece muito caro; qualquer barulho te incomoda; um docinho mínimo te engorda; numa festa pedes a mesa mais longe da orquestra e das pessoas; amarrar os sapatos te dá dor nos quadris; um nadinha de sal te aumenta a pressão arterial; vinte minutos em frente à TV te dão sono... Se tens ao menos cinco desses sintomas, estás com a tal  sefoia, ou seja,  SE FOI A mocidade...

 

A COLEGA QUE NÃO EMBRANQUECEU

Comemorava-se data redonda da formatura daquela turma tão grande e tão amiga. Quarenta, talvez cinquenta anos.

Antes do almoço festivo, aqueles longos abraços, beijos estalados, recordações que afloravam, novidades boas, novidades más, espantos fisionômicos, descobertas, surpresas, risos, lágrimas...

O tempo não tratara por igual aqueles senhores e aquelas senhoras caminhando freadamente para a velhice assumida.  Uns demonstravam o peso dos anos, as trabalheiras familiares, as dificuldades profissionais. Outros (ou melhor, outras) lembravam aqueles prédios antigos, firmes, porém com inevitáveis sinais da passagem das décadas de uso.

Pois foi um desses prédios antigos, isto é, uma daquelas ressoladas senhoras que, vendo um colega de cabeça completamente coberta pela neve do tempo, não resistiu e exclamou:

- Puxa, meu amigo, como você embranqueceu!

O encanecido e cabeludo senhor pareceu não saber como responder. Depois de rápido silêncio e de acurado exame na cabeleira negra como a asa da graúna, ostentada pela colega, achou as palavras exatas:

- Você também... Você também...

Ela sentiu o golpe. Só restou a ela lhe devolver:

- Você continua chato, muito chato!

 

VOCÊ FALA COM ELE MESMO

Esta aconteceu comigo, quando tive o prazer de lecionar na Faculdade de Direito da Fundação Octavio Bastos, de São João da Boa Vista, entre 1993 e 1996, a convite de meu amigo Celso Ribeiro da Silva.

Era uma turma interessadíssima que estudava no período vespertino. Aulas das dezesseis às dezenove e trinta, para gente madura que não estava lá para ver o tempo passar. Havia médico, engenheiro, muitos bancários e funcionários da Justiça em busca de um diploma que lhes possibilitaria ascensão funcional.

Terminada uma das aulas, chegou-se a mim uma bela jovem, que se apresentou como sendo de São Sebastião da Grama.

- Minha avó, que estudou numa faculdade em São José do Rio Pardo, há muito tempo, disse-me que lá teve aulas com um professor de nome igualzinho ao seu. O senhor o conheceu?

- Claro que eu o conheci...

- Era parente seu?

- Não, era eu mesmo. Você está falando com ele...

Ela ficou muito sem jeito, não sabia o que dizer daquela longevidade profissional.

Aí pensei comigo: “Quem manda lecionar por tanto tempo?”

Fiz os cálculos: tendo começado em 1950 (cheguei a dar aula com a farda do tiro de guerra), já passava, então, dos quarenta anos de magistério.

Nem por isso, porém, parei de vez. Em 2002, ao atingir os setenta anos, afastei-me compulsoriamente da Faculdade de Filosofia. Continuei na UNIP até 2008, só me afastando das aulas porque se agravou o estado de saúde de minha mulher, falecida logo no ano seguinte. Considerando aulas particulares de Português e Latim que dei (o Flávio Eduardo Godoy e mais dois colegas dele estão aí vivos e sãos para confirmar), lecionei durante sessenta anos seguidos. É chão!

 

03/09/2016
emelauria@uol.com.br

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